A Comissão Estadual do Partido Socialista Brasileiro, Seção de São Paulo, reunida em Santos no dia 27 de junho de 1948, considerando o problema da posição que os socialistas devem assumir em face da orientação seguida pelo Partido Comunista do Brasil, posto na ilegalidade graças a uma situação que contribuiu para criar com os seus desmandos teóricos e práticos, mas que representa principalmente um ataque reacionário à liberdade de associação, considera fundamentais os pontos seguintes:
1° - O Partido Socialista Brasileiro é contrário tanto ao comunismo russo quanto à sua expressão local, o Partido Comunista do Brasil.
2° - Entre o comunismo como doutrina, e o socialismo democrático, existe uma convergência de objetivos, visto que ambos lutam pela socialização da propriedade, com as consequências decorrentes daí, no campo da produção, da distribuição e da organização social – inclusive a supressão progressiva do arcabouço do Estado como forma suprema de controle.
3o - A referida convergência não existe, todavia, em relação ao capitalismo de Estado que, na URSS, esclerosou numa ditadura permanente o processo de socialização. Segundo as concepções mais elevadas do humanismo ocidental, de que o socialismo é o herdeiro legítimo, os meios empregados para obter um fim não podem substancialmente ser destacados deste, sob pena de desvirtuá-lo, ou, por outras palavras, o fim não é mais do que a cristalização dos meios e sua projeção definitiva. Ora, na URSS — não importa indagar se por contingência histórica ou por desvio político — a concentração estatal criou uma contradição desumana, e portanto antssocialista, entre a razão de Estado e as forças produtivas. Aquela, encarnada numa poderosa e vasta elite burocrática, estas, como nos estados burgueses, mantidas na condição proletária, quando não exploradas em campos de concentração sob a forma de trabalho forçado. Assim sendo, os socialistas declaram que não havendo identificação do capitalismo russo de estado com o comunismo, não há convergência de alvo, mesmo remota, entre ele e o socialismo.
4° - O desenrolar dos acontecimentos colocou em nossos dias o problema da conduta política como escolha entre a adesão ao capitalismo russo de Estado e o capitalismo burguês norte-americano — ambos na fase suprema das suas manifestações imperialistas. Para muitos, a escolha pareceu inevitável, e na Europa vários partidos socialistas optaram por um lado ou outro. O Partido Socialista Brasileiro acha que tal escolha, na fase atual, e para os brasileiros, é não apenas desnecessária como prejudicial. Repelindo o imperialismo soviético, repele igualmente o imperialismo norte-americano que nos ameaça diretamente com a voracidade insaciável dos seus trustes.
5° - Repudiando a doutrina do capitalismo de Estado, do nacionalismo soviético e do imperialismo armado (que se concretizam no Estado totalitário russo), os socialistas repudiam, em consequência, os seus representantes, isto é, os diferentes Partidos Comunistas entre os quais está o brasileiro. Todos eles, mais ou menos declaradamente conforme o país, visam implantar o Estado totalitário, que se revelou incompatível com o socialismo verdadeiro, de vez que esmaga a democracia proletária.
6° - Os socialistas não esperam que o Partido Comunista possa desenvolver uma linha coerente de luta pelo povo, visto que é obrigado a amoldar-se às diretrizes vindas da URSS — o que os poderá levar a propor reformas progressivas em fase de revolução popular ou golpes armados em fase de tática conciliatória. Deste modo, os socialistas repelem o Partido Comunista tanto como expressão pretensa do comunismo, quanto como partido brasileiro — isto é, sob o ponto de vista geral e sob o ponto de vista particular .
7° - Na sua crítica ao Partido Comunista, o Partido Socialista distingue a massa proletária da elite dirigente. Esta, cegamente obediente às fórmulas russas; aquela, em grande parte caracterizada por uma admirável consciência de classe e denotadora de vocação, de uma intrepidez política socialista capaz de servir de base às conquistas mais fundamentais do socialismo. E é esta circunstância que nos torna mais confiantes no futuro das lutas sociais no Brasil .
8° - Repelindo a teoria e o movimento representados pelo Partido Comunista, o Partido Socialista poderá, no entanto, colaborar com os antigos comunistas e com qualquer outro partido que não seja fascista, em questões de detalhe. Na questão da anistia aos presos políticos, os agrupamentos socialistas e antifascistas colaboraram com os comunistas; atualmente, na questão do petróleo, poderemos com eles colaborar na Câmara Federal , os nossos deputados se aliaram a eles mais de uma vez em questões de ordem prática, como ainda hoje se aliam, para os mesmos fins, a deputados de partidos burgueses.
9º - Esta atitude é consequência do próprio panorama político brasileiro. Embora mantenhamos a maior independência em relação aos demais partidos, denunciando-os sem exceção, temos que lutar pelas reivindicações indispensáveis à manutenção do precário regime democrático em que vivemos e, portanto, temos frequentemente de compor forças. Podendo nos encontrar com os comunistas no campo parlamentar e, mesmo, na atividade legal, fá-lo-emos sem a menor concessão teórica e mantendo no plano geral as nossas reservas.
10º - No seu ataque ao Partido Comunista do Brasil, o Partido Socialista Brasileiro não o considera em separado dos outros partidos, porque se opõe igualmente a todos, mesmo quando se articula com eles em questões práticas. Com o Partido de Representação Popular não admite colaboração de espécie alguma; quanto ao Partido Social Democrático, sabe que é o principal baluarte reacionário no seio da burguesia; em relação aos demais, sabe que a União Democrática Nacional é instrumento da burguesia liberal a serviço de interesses comerciais, latifundiários, industriais e bancários; sabe que o Partido Trabalhista Brasileiro e o Partido Trabalhista Nacional são camarilhas de exploração demagógica do proletariado; que o Partido Social Progressista é um híbrido dos demais e que nenhum deles merece a confiança popular .
11º O Partido Socialista Brasileiro se propõe a lutar nos quadros da democracia burguesa, procurando liquidar, nela, as ameaças totalitárias e as escamoteações conservadoras. Sabe que a liberdade burguesa é em grande parte fictícia, mas que é um mínimo passível de ampliação por meio da luta diária, da doutrinação e da atividade legal; um mínimo que importa preservar em nossos dias de depravação do sentimento da liberdade, para que, fiel ao nosso programa de Socialismo e Liberdade, possamos atingir a democracia socialista, com o fim da exploração do homem pelo homem.
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