POLÍTICATEORIA
CULTURA
ISSN 2236-2037
A dialética não deve ser uma prestidigitação de palavras Edgar MORIN 1
É preciso saudar a nova edição do primeiro tomo de Marx: Lógica e Política, Investigações para uma Reconstituição do Sentido da Dialética2 - que agora se chama, invertendo título e subtítulo e abreviando o último, Sentido da Dialética, Marx: Lógica e Política3 - por pelo menos três razões. Primeiramente, como aponta o próprio autor, o livro - que, não parece exagerado dizer, tornou-se um clássico do pensamento dialético brasileiro - já estava esgotado há muito tempo (sua segunda e última edição data de 1987, pela editora Brasiliense) e tinha se tornado uma raridade fora das bibliotecas universitárias. Segundo por se tratar, apesar de poucos problemas, que iremos comentar mais adiante, de uma boa nova edição. E, por fim, porque ele recoloca na ordem do dia questões e respostas que - embora passados 32 anos da primeira edição - ainda nos são contemporâneas. *** Na França, à saída de cena de Hegel e do humanismo, somou-se a vitória do anti-humanismo resoluto das gerações de pensadores dos anos 1960. Nas duas décadas seguintes, a questão do humanismo se recolocava como uma reflexão sobre as consequências teóricas e práticas do anti-humanismo do período anterior. Se a dita querela do humanismo, que teve lugar no início da década de 1960, representava o abandono do existencialismo e do marxismo humanista e a adoção de uma gama variada de filosofias anti-humanistas, a primeira metade da década de 1980 verá uma reação de um novo humanismo contra a vaga anterior. Para que se tenha uma dimensão do alcance da discussão, em um livro datado de 1985 e que teve um grande público à época, os autores dizem que a problemática do humanismo "é sem dúvida a questão central da filosofia contemporânea"10 . |
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ilustração: Rafael MORALEZ
1 "La Dialectique et l'Action" (1958), Pour et contre Marx, Champs Actuel, Flammarion, 2012, p. 29
2 Ruy Fausto, Marx: lógica e política. São Paulo: Brasiliense, 1983, tomo I. Há também uma segunda edição que data de 1987 e lançada pela mesma editora.
3 Idem, Sentido da Dialética, Marx: Lógica e Política, tomo I, Vozes, 2015.
4 Vincent Descombes, V. Le Même et l'Autre. Quarante-cinq ans de philosophie française (1933-1978), Paris, Éditions de Minuit, 1979, p. 22-24.
5Idem, p. 93.
6 Ruy Fausto, op. cit., p. 34.
7 Essa é, na verdade, uma terceira crise do marxismo. Fazendo uma esquematização: a primeira havia ocorrido ainda no final do século XIX, seu personagem principal foi o revisionista social-democrata Eduard Bernstein; a segunda, nos anos 1930, em seguida às dificuldades trazidas pela revolução russa e por um refluxodo movimento revolucionário; a terceira, à qual o livro se refere, deu-se nos anos 1960-1970 e teve seu ápice em 1968; a quarta, e última, ocorreu quando da derrocada dos países comunistas, ou seja, nos anos 1990. Em todas essas crises do marxismo, foi trazida para primeiro plano a discussão, e o questionamento, da dialética.
8 Ruy Fausto, op. cit., p. 30
9 Edgar Morin, "La Dialectique et l'Action", Pour et contre Marx, Champs Actuel, Flammarion, 2012, p. 29. Para mostrar como, já à época, havia autores mais habilidosos no trato com a obra de Marx, assinalamos que o texto de Morin é de 1958.
10 Luc Ferry et Alain Renaut. La pensée 68. Essai sur l'anti-humanisme contemporain, col. "Le Monde actuel", Gallimard, Paris, 1985, p. 22.
11 Ver, a esse respeito, a entrevista de Foucault, "L'homme est-il mort?". Ao fazer uma consideração sobre o porquê de haver relações necessárias entre dialética e humanismo - porque ela recupera uma filosofia da história, categorias como alienação etc -, Foucault termina dizendo que: "Os grandes responsáveis pelo humanismo contemporâneo são, evidentemente, Hegel e Marx." . In : Dits et écrits I. 1954-1975. Paris : Quarto Gallimard, 2001, p. 541:
12 Pensemos nas críticas endereçadas a Althusser por seu ex-aluno e colaborador Jacques Rancière - em seu livro La Leçon d’Althusser, de 1973 - e, depois dos textos de Fausto, por Castoriadis - em Les crises d'Althusser. De la langue de bois à la langue de caoutchouc -, de 1978, texto que foi integrado ao livro La Société Française, de 1979. As duas se situam mais no nível político do que num nível propriamente lógico - ainda que haja questionamentos de ordem teórica.
13 E notemos que se trata de uma reconstituição da resposta dada por Marx. O próprio autor tem opinião distinta sobre o assunto; ver, por exemplo, entrevista ao Valor Econômico dada em 2010 (presente em: <www.portaldomeioambiente.org.br/politica-ambiental/3027-por-uma-nova-esquerda-entrevista-com-ruy-fausto> - link acessado em 03.03.2016) e outras entrevistas compiladas no livro Outro Dia. . Logo, vê-se que a resposta dos anti-humanistas seria impotente mesmo frente à perspectiva marxiana original.
14 Louis Althusser, "Sur la Dialectique Matérialiste", Pour Marx, Éditions La Découverte, Paris, 2005, p. 174.
15 Além disso, os dois possuem em comum uma releitura ao menos altamente questionável - se comparada aos grandes livros de historiografia que surgiram nas últimas décadas - da história das revoluções, sobretudo aquelas do século XX. No mais, essas complicações são acompanhadas (muitas vezes, e mais no caso de Zizek do que no de Badiou) de uma linguagem sensacionalista e midiática. Por fim, há também a revalidação, ou pelo menos uma perigosa ambiguidade, frente a líderes revolucionários controversos e autoritários - para dizer o mínimo -, como Lênin, ou autocratas sanguinários, caso de Mao (figura importante nas construções de Badiou) e Stálin (que é mais trabalhado por Zizek). Não se exclui que haja algo de apreciável na longa bibliografia de Zizek e de Badiou. Contudo, a macro direção para a qual apontam suas reflexões prático-políticas e éticas é condenável, assim como a leitura da história das revoluções. Logo, por mais que possam oferecer algo de interesse na teoria, seu lado prático, em linhas gerais, é muito criticável. Alertamos, no entanto, que se trata de uma apreciação geral, seria preciso, como vem sendo feito na própria Revista Fevereiro, analisar rigorosamente algumas das obras - pelo menos as mais significativas - desses autores e descobrir onde se encontram as formulações problemáticas destacadas aqui.
16 Em outro texto, com o qual estamos de acordo, Fausto diz que é preciso "levar em conta o inumano" mas não - o que seria a posição dos anti-humanistas - assumi-lo sem mais. Ver "Na sequência de meu texto "Esquerda/Direita: em busca dos fundamentos e reflexões críticas, e do seu postscriptum (como uma resposta a Vladimir Safatle)", Revista Fevereiro, número 6.
17 Essa ideia está esboçada em linhas gerais, mas não muito bem desenvolvida, tanto em termos de forma quanto de conteúdo, em Ferry et Renaut, op. cit., p. 58-61 e 287-289. Um pequeno adendo: o uso de partes desse livro não significa que aderimos ao conjunto das teses e das críticas dos dois autores - e tampouco ao desenvolvimento posterior de sua filosofia. Ainda que essa obra tenha sido uma importante, e até certo ponto rigorosa, reação aos excessos do anti-humanismo francês, ela está repleta de pontos questionáveis - e mesmo as críticas possuem também seus excessos. Em especial sobre o movimento de Maio de 68, o qual acreditamos que é mal compreendido pelos autores, ver o texto "Les mouvements des années soixante" de Cornelius Castoriadis (texto que se encontra em Carrefours du Labyrinthe 4: La montée de l'insignifiance). Apesar de questionarmos a falta de uma crítica política das microburocracias e das tendências claramente autoritárias presentes no movimento de 68, entendemos que esse texto constitui uma elucidação das grandes confusões do livro de Ferry e Renaut sobre a articulação entre a história política e a história das ideias de Maio de 68.
18 Ruy Fausto, op. cit., p. 91.
19 Na nota 84, presente nas páginas 90 e 91, o autor admite, por um lado, as limitações de identificar o anti-humanismo apenas com as posições políticas da esquerda autoritária e, por outro lado, de assimilar à posição reformista uma ideologia humanista. Nesse sentido, Fausto ainda ventila a ideia de que o reformismo parece ter deixado completamente ou quase completamente de existir - ao menos no sentido clássico da palavra -, pois os que antes eram reformistas aderiram por completo aos horizontes postos pelo sistema. Mas será essa a única limitação desse conceito? Achamos que não. A noção de reformismo perdeu a validade não apenas por causa dos jogos políticos de certa esquerda, mas também porque ele se tornou um programa impossível, ou pelo menos muito difícil de ser colocado em prática em sua forma clássica (Sobre a estratégia reformista e sua derrocada, ver o importante livro de Adam Prezworski, Capitalism and Social-Democracy, Maison de Sciences de l'Homme et Cambridge University Press, 1985. Em especial, a parte "Postscript: Social Democracy and Socialism".). Em outras palavras, a derrocada do reformismo também é fruto de condições objetivas que vão além dos atores. A renovação necessária da esquerda - e, sobretudo, das práticas econômicas da esquerda - passa muito por um estudo dessas condições.
20 Maurice Merleau-Ponty, Humanisme et terreur, Oeuvres, Éditions Gallimard, 2010, p. 200.
21 Cornelius Castoriadis, Les Carrefours Du Labyrinthe I, Éditions du Seuil, collection Points, 2006.
22 A respeito desse ponto, lemos o comentário na página 265 em que se diz que "se o discurso dialético é um discurso do conceito, ele o é no sentido em que o "conceito" designa um objeto que existe tanto no pensamento como na realidade". Moishe Postone critica Castoriadis se utilizando de ideia muito próxima daquela de Fausto - ainda que fazendo uso de outra linguagem. Na página 171, nota de rodapé 110 de seu livro Time, Labor and Social Domination: A Reinterpretation of Marx's Critical Theory, New York and Cambridge: Cambridge University Press, 1993, Postone diz que Castoriadis se engana em sua crítica, pois há, em Marx, crítica imanente do capitalismo, ou, nas palavras de Fausto, uma adequação entre a contradição ou a metafísica do discurso e aquela do real. Seria possível questionar se realmente há contradição ou metafísica do real, se essa é a melhor análise etc. mas, antes, seria preciso entender a resposta de Marx. Finalmente, sobre as interpretações que procuram imputar antinomias ao pensamento de Marx (não se exclue que elas existam, mas em geral, não se trata de antinomia subjetiva, mas, antes, de contradição objetiva), seria possível dizer, com Postone, que "o incoveniente (drawback) desse tipo de apresentação [a apresentação de O Capital] é que a abordagem reflexiva, imanente de Marx é facilmente sujeita a interpretações erradas. Se O Capital é lido como qualquer outra coisa que não uma crítica imanente, o resultado é uma leitura que interpreta Marx como afirmando aquilo que ele tenta criticar", trecho presente na página 142 do mesmo livro.
23 Ruy Fausto, op. cit., p. 193: "O método é ele próprio interior ao objeto, ele é um momento deste. Por isso mesmo, não se tratará aqui de epistemologia, como se costuma dizer, entendendo a expressão, como se deve entender, como uma expressão que designa uma teoria subjetiva da ciência. Tratar-se-á, na realidade, de lógica, entendendo-a como uma teoria da ciência que é ao mesmo tempo teoria do objeto." Essa compreensão, que, a nosso ver, faz parte da ideia de crítica imanente, rebate as imputações de fetichismo ao pensamento de Marx - feitas tanto por Castoriadis quanto por Benetti e Cartelier.
24 Pensamos em especial no livro de Isaak Rubin, A Teoria do Valor em Marx. Livro absolutamente notável. Há grandes convergências entre as respostas dadas por Rubin e os resultados alcançados por Fausto. A despeito de suas diferenças de linguagem, Rubin mais próximo da economia (apesar de utilizar por vezes a ideia de pressuposição, entre outras) e Fausto mais próximo da tradição filosófica, as respostas dadas a muitos problemas são praticamente as mesmas. Crítica da concepção fisiológica do trabalho; apresentação correta da validade lógica e histórica da categoria de trabalho abstrato; distinção entre economia mercantil simples e economia capitalista; assunção da categoria de valor como "substância social" etc. Fausto também comenta, mesmo que rapidamente, o que é a tese central do livro de Rubin: a importância da compreensão do caráter fetichista da mercadoria para que se entenda o significado e a validade das categorias de valor e de trabalho abstrato. Enfim, se não há convergência absoluta, diríamos que há grande semelhança - ver, por exemplo, que os textos citados por Rubin e Fausto são muitas vezes os mesmos. Há aí um modelo do que pode ser uma articulação profícua entre uma análise filosófica e uma análise econômica. Diríamos o mesmo, apesar das diferenças políticas, da análise feita por Fausto e daquela de Postone. Há divergências, por certo; acreditamos, contudo, que se deve observar as inúmeras convergências entre os dois trabalhos - o que tentamos, em parte, fazer.
25 Seria preciso ler com cuidado o dizer, presente na página 187, que Castoriadis seguiu “em sentido inverso - volta clássica que se conhece bem desde História e Consciência de Classe - o caminho que conduz de Kant a Hegel.”. Se isso é verdade para sua leitura de Marx, não é possível extrapolar essa frase para além dessa leitura específica. Nesse sentido, também questionamos a ideia de que Castoriadis seja “tributário” da “tradição filosófica” de raízes kantianas (p. 157). A rigor, algo ainda pouquíssimo estudado, Castoriadis, a sua maneira, procura instaurar uma nova lógica (chamada por ele de Lógica dos Magmas). Para isso, ele parte de uma crítica do positivismo, ou, mais, da lógica conjuntista-identitária (ensembliste-identitaire), da dialética (ao menos em sua forma hegeliana e marxista) e também da tradição fenomenológica - ainda que ele deva mais à última do que à segunda. O movimento de volta a Kant foi personificado de forma exemplar por Lucio Colletti, que trilha o caminho exatamente oposto ao de Fausto.
Nota sobre a retomada da “questão” lógica: o esforço por parte de vários autores para repensar os limites do marxismo após os acontecimentos do Maio de 1968 e o conhecimento e estudo das sociedades autoritárias e totalitárias formadas a partir de revoluções ditas socialistas ou comunistas resultou em uma reflexão sobre a lógica - lembremos, para ficar em dois grandes, do próprio Castoriadis, como dissemos, e de Edgar Morin. Esse retorno à lógica vem de reflexões do final nos anos 1960 e dá frutos nos anos 1970 e 1980. Não por acaso, tanto os textos de Fausto (desse primeiro volume, ver nota 9) quanto os de Castoriadis e Morin datam dessa época. A diferença seria que, ao contrário dos dois últimos, Fausto propõe uma retomada crítica da dialética, e não uma recusa dela - caso de Castoriadis - ou seu acolhimento em um esquema teórico mais amplo - como em Morin. Fica a se desenvolver essa relação de como a crise do marxismo ensejou uma “volta à lógica” por parte de alguns autores da esquerda e de como essa volta ocorre de formas distintas.
26 Essa tese, que vem do livro de Postone, pode ser confimada também por algumas passagens do livro de Fausto. Além daquelas citadas nas notas 20 e 21, ele diz, algo um pouco diferente, mas que converge com a conclusão de Postone, que o estatuto da linguagem em Marx é objetivo, na página 214 Assim, tem-se a articulação entre os dois elementos: a análise imanente do capitalismo, que o apresenta como ele é, necessita da utilização de uma linguagem com estatuto objetivo.
27 Ruy Fausto, op. cit., p. 34.
28 Como as entrevistas "Filosofia Francesa, Esquerdas no Brasil e na Europa, Universidade brasileira" e "Seminários sobre O Capital, Política brasileira, esquerda e universidade", páginas 186-199 e páginas 200-216, respectivamente, do livro Outro Dia, Perspectiva, 2009. Além deles, também a resenha crítica "Adorno ou Lukács?"(em especial as páginas 194-197), em A Esquerda Difícil, Perspectiva, 2007. Nos textos citados anteriormente, temos valiosos, ainda que breves, apontamentos críticos para esmiuçar a história dos dois seminários. Além disso, apontamos para o fato de que as recentes contribuições de trabalhos historiográficos e sociológicos sobre os seminários, se já não incorrem na mitificação e na mistificação - que a grande parte dos participantes já denunciou em algum momento - de seus objetos, tampouco adotam uma postura crítica em relação a eles. A tarefa mais urgente é a análise crítica dessas experiências: o que foi válido e o que não foi? O que se sustenta - e o que não se sustenta - naquelas obras? De outra forma, apenas se reforça o mito de intelectuais brilhantes que leram Marx em um país da periferia do capitalismo, mito que apenas ajuda a bloquear a reflexão.
29 Ruy Fausto, Sentido da Dialética, Marx: Lógica e Política, Vozes, 2015, tomo I, p. 18-19.
30 Usamos essa expressão clássica como referencial, mas sabendo que ela é questionável. Não se trata de minorias em sentido numérico, bem entendido, mas de grupos que são minoritariamente representados, sub-representados no espaço político.
31 Ruy Fausto, op. cit., p. 18.
32 Esse claramente não é o caso de Fausto. Veja-se, por exemplo, a nota 31 do tomo III de Marx: Lógica e Política. Lá, ele fala que “os progressos no plano da emancipação da mulher (e da liberdade sexual) são talvez, apesar dos limites das conquistas obtidas, os avanços mais importantes do século XX.”. No livro A Esquerda Difícil, na página 239, Fausto diz que “o feminismo, embora também não tenha escapado dos fundamentalismos, é talvez o movimento que teve maior êxito, e aquele cujos resultados representam da maneira mais nítida (...) o que pode haver de progresso autêntico na história do século XX e do XXI nascente.”. Por isso, diríamos que no esquema do autor, o problema é menos da ordem de rechaçar essas lutas do que de tematizá-las de maneira forte. Por outro lado, muitas vezes aqueles que teorizam e tocam essas lutas - coletivos, movimentos sociais etc. - não têm uma visão clara dos perigos e riscos burocráticos e autoritários que qualquer movimento corre e também, por vezes, abandonaram, ou pelos menos relegaram a um plano menor, a crítica do capitalismo e do produtivismo. Há a necessidade real de estabelecer pontes entre esses discursos.
33 Ruy, Fausto, Sentido da Dialética, Marx: Lógica e Política, Vozes, 2015, tomo I, p. 19.
34 Ruy Fausto, op. cit., p. 346. Grifo do autor.
35 Ruy Fausto, op. cit., p. 261 e 337-344.
Acreditamos que, na continuação desse esboço de crítica da dialética clássica, seria preciso fazer uma reconsideração das críticas à dialética - sem, necessariamente, assumir a posição de seus críticos. Essa crítica deve partir, além de questões lógicas, do destino histórico da dialética: ela foi, afinal, a lógica assumida como justificativa ideológica de regimes autoritários e totalitários. Como foi possível que uma lógica que, em sua acepção materialista, pretendia-se crítica tenha tido tal destino? Seria possível falar pura e simplesmente em desvio, erro de interpretação - mas assim estaríamos mais fugindo do problema do que tentando oferecer uma resposta rigorosa para ele. Que há uma afinidade oculta entre a racionalidade positivista e algumas formas autoritárias, já sabemos com precisão pelo menos desde a Dialética do Esclarecimento. Mas quais seriam afinal as afinidades secretas da dialética com determinadas formas de autoritarismo? Pergunta crucial e que deve estar no centro de qualquer projeto que pretenda fazer um balanço adequado da dialética clássica. Não podemos separar a dialética, que procura pensar o processo histórico, da própria história da dialética, o que inclui também o uso da dialética como retórica ideológica. Assim, pensar o elo perdido entre a crítica do totalitarismo e a crítica da própria dialética, ou seja, entre a crítica política e a crítica filosófica, é tarefa urgente. Evidente que isso vai de par com uma crítica não apenas do hegelianismo, mas igualmente do marxismo - que seria como que o portador da dialética crítica clássica. Em uma das passagens de seu ensaio "Conteúdo da Experiência", presente no livro Três Estudos sobre Hegel, Adorno diz, a propósito do uso dos elementos reacionários da dialética hegeliana para a construção da repressão no regime totalitário soviético, que "A verdade dialética se expõe a tal abuso: sua essência é frágil." E, afinal, por que é frágil a essência da verdade dialética?
Além disso, há outra perguntas relevantes: quais os limites da dialética? Como é possível saber a quais objetos ela se aplica? Quais objetos resistem a ela? O enfretamento dessas perguntas é absolutamente fundamental para a reconstituição da dialética.
36 Artigo de julho de 2000 presente em Novos Estudos CEBRAP, nº 57, p.59-79 (que pode ser encontrado em: http://www.cebrap.org.br/v2/files/upload/biblioteca_virtual/GIANNOTTI_Dialetica%20futurista%20e%20outras%20demaos.pdf. Acessado em 04.02.2016). A propósito dessa crítica de Gianotti, ver também a breve resposta dada por Fausto no livro Conversas com Filósofos Brasileiros de Marcos Nobre e José Marcio Rego, p. 172-174. Não poderíamos deixar de citar o já clássico livro de Paulo Arantes, Um Departamento Francês de Ultramar. Estudos sobre a formação da cultura filosófica uspiana (Uma experiência nos anos 60), em especial o capítulo V "Falsa consciência como força produtiva", no qual faz uma breve discussão, histórica, genética e filosófica, das teses de Gianotti e Fausto. Finalmente, para um balanço que acreditamos ser bem equilibrado - e que não se furta a fazer as discussões lógicas necessárias - das discordâncias entre Fausto e Gianotti, ver Leda Paulani, "Ruy Fausto e o Pacto com a Dialética". In: Ricardo Musse; Maria Isabel Loureiro. (Org.). Capítulos do Marxismo Ocidental. São Paulo: Edunesp, 1998, p. 209-228.
37 Por exemplo, a nota 26, na página 35, tem o termo “altusseriano” que remete, entretanto, a Althusser; na página 53, abre-se um parêntese na penúltima linha, mas ele não é fechado depois; na nota 61, página 72, notamos a ausência de aspas para fechar a frase “o homem é o capitalista”; na página 77, lê-se “Com feito”, onde provavelmente a grafia correta seria “Com efeito”; na página 90, na quinta linha, vê-se “ó” quando, na verdade, trata-se de “o”, sem acento; nota 85, página 92, as chaves estão no início da frase, quando deveriam se iniciar em “De fato...”; a nota 158, página 134, traz a palavra eminentemente grafada como “enimentemente”; na página 145, há uma indicação de fechamento de aspas no final da frase “E como justificar...”, mas elas não tinham sido abertas anteriormente. Na página 159, trata-se do argumento ontológico, e não de argumento "antológico". Por fim, faltam as aspas iniciais antes de uma citação de Marx no final da página 168.
38 Ruy Fausto, op. cit., p. 23.