revista fevereiro - "política, teoria, cultura"

   POLÍTICATEORIACULTURA                                                                                                    ISSN 2236-2037



 

Jefferson O. GOULART1

Um país à beira de um ataque de nervos2

 


Um fantasma ronda a Espanha. Melhor seria dizer fantasmas, no plural: são os poderosos espectros do passado e as assombrações inerentes às complicadas escolhas do presente. Em contrapartida, os desdobramentos desses impasses podem sinalizar um futuro original para um país politicamente dividido e mergulhado na incerteza.
Três episódios recentes, aparentemente menores, ilustram tais dilemas. No primeiro, a tradicional cabalgata de reyes foi achincalhada por parcelas do público e da mídia porque a Prefeitura de Madri teria maculado a simbologia cristã que reveste essa tradicional parada. Em um post emblemático de ampla repercussão, após relatar o comentário de sua filha ainda criança de que os trajes do rei Gaspar não seriam “de verdade”, Cayetana Álvarez de Toledo, ex-deputada do Partido Popular, agourou que “jamais perdoaria” a prefeita pela ofensa pagã. Foi o suficiente para uma avalanche de maledicências que repercutiram na mídia internacional.
Na segunda cena, durante os festejos de carnaval, dois bonequeiros contratados pela Prefeitura madrilenha foram presos por quatro dias porque teriam feito apologia do terrorismo ao mostrar um cartaz com a expressão “Gora Alka-ETA” (vivas à Al-Qaeda e à ETA) durante o espetáculo infantil La Bruja y Don Cristóbal. Não fosse o desfecho extremo do cárcere sem fiança, jamais se saberia que era uma peça imprópria para crianças. Mas a ira da oposição política e midiática foi desproporcional para uma seção de teatro de marionetes: os artistas da companhia Títeres desde Abajo seriam delinquentes perigosos e mereceriam ser enquadrados como criminosos que ameaçam a ordem pública, exigindo sua condenação sumária, a demissão dos responsáveis, incluindo a delegada de cultura, e a retratação do Ayuntamiento.
No terceiro acontecimento, novamente a Prefeitura de Madri em pauta. Cumprindo o que determina a lei de memória histórica, de 2007, o governo local deu início à remoção de monumentos que exaltam o franquismo e alguns de seus ícones, além de manifestar a intenção de renomear ruas e logradouros públicos. Sob o pretexto de que uma placa que homenageava 12 monjas havia sido removida injustamente, oposição e segmentos midiáticos vieram novamente a público para pedir a punição (e demissão) dos responsáveis, além da imediata suspensão das remoções.
Nenhuma dessas passagens teria a enorme repercussão que tiveram não fosse a Prefeitura de Madri governada por Manuela Carmena Castrillo. Essa juíza aposentada que usa metrô para ir ao trabalho elegeu-se prefeita por uma coalizão de esquerda, o grupo político municipal Ahora Madrid, tendo combatido e sobrevivido à violência do franquismo. Antes de iniciar a carreira no Judiciário, o escritório onde advogava foi vítima de um atentado patrocinado pela extrema direita, em 1977, no qual vários de seus colegas morreram. Carmena resistiu e fez uma trajetória irreparável na magistratura e na vida pública em defesa da democracia, da justiça e dos direitos humanos. Ao chegar à Prefeitura, em 2015, sinalizou que havia importantes mudanças em curso, ainda mais para um país que, em pleno século XXI, mantém o formato de monarquia parlamentar e luta diariamente contra seus zumbis.
A esses acontecimentos se poderiam agregar as cenas em que o novo presidente da Generalitat da Cataluña, Carles Puigdemont, e os novos membros do governo catalão não juraram lealdade ao rei e à constituição de Espanha quando foram empossados. Mais uma vez as elites ibéricas se sentiram desafiadas e ofendidas, chocadas com a escandalosa provocação de inspiração independentista.

¿Qué pasa?

As últimas eleições municipais de 2015 anunciaram um importante deslocamento político, ao qual se somaram novidades importantes nos arranjos e nos resultados das disputas simultâneas de algumas comunidades autônomas. Uma onda renovadora sacudiu o país e colocou em questão algumas de suas mais tradicionais instituições políticas. O bom desempenho das esquerdas, as vitórias de Ada Colau em Barcelona e de Carmena em Madri - depois de um longo ciclo de 24 anos de governos conservadores dos populares na capital -, somados aos triunfos dos socialistas de oposição, em coalizões, em outras 16 capitais de províncias, mexeram no tabuleiro político. Notável que o Partido Popular (PP), que antes governava 43 dessas cidades, tenha caído para 17.
Os resultados das eleições parlamentares de dezembro do mesmo ano confirmaram o processo de mudança que se anunciava: de um total de 350 assentos no Congreso de los Diputados (a câmara baixa do Legislativo), o PP perdeu 63 cadeiras em relação às eleições anteriores, passando de 186 para 123 e declinando de 44,62% para 28,72% dos votos. De uma folgada maioria absoluta na legislatura anterior que lhe permitiu governar sozinho passou à condição de partido mais votado. Enquanto isso, o Partido Socialista Obrero Español (PSOE) obteve o pior resultado de sua história na democracia, saindo de 110 para 90 cadeiras e caindo de 28,73 para 22,01% do voto popular. Em Madri, o PSOE limitou-se à quarta colocação e, sintomaticamente, na Cataluña o PP ficou em sexto lugar.

 


Ada Colau (esq.) e Rafaela Carmena (dir.), respectivamente prefeitas de Barcelona e Madri.
Fonte: <https://www.google.es>. Acesso em 2/3/2016.

 


Mariano Rajoy (PP) e Pedro Sánchez (PSOE).
Fonte: <https://www.google.es>. Acesso em 2/3/2016.

 

A comparação dos resultados das duas últimas eleições merece um registro importante, pois o pleito de 2011 teve algumas especificidades: transcorreu no auge da crise econômica que eclodiu no final da década anterior e que produziu profundas fissuras sociais, evidenciou o fracasso das políticas de ajuste fiscal adotadas pelo governo socialista de José Luis Zapatero e contrastou o insucesso de seu segundo mandato com o primeiro, no qual cumpriu a promessa de retirar as tropas espanholas do Iraque e manteve os dispositivos de proteção social do estado de bem-estar.
Em 2015, se PP e PSOE somados fizeram pouco mais de 50% dos votos e alcançaram 213 cadeiras, como se comportou a outra (quase) metade do eleitorado e onde foram parar os outros 137 escaños? Essa é a novidade: desde a transição pactuada que deixou o franquismo para trás - e particularmente após o frustrado golpe militar de 1981, a dissolução da Unión de Centro Democrático (UCD) em 1983 e a refundação da Aliança Popular como Partido Popular, em 1990 -, a Espanha consumou um sistema partidário autenticamente bipolar, uma democracia parlamentar em que dois partidos dominantes (PP e PSOE) rivalizavam, se revezavam e polarizavam a representação política. Cenário político-institucional que, ademais, ainda prevalece nas principais democracias europeias do pós-guerra, como confirmam os casos britânico, francês, alemão, dentre outros. Evidente que na Espanha e nesses países existiam e existem outros partidos políticos, contudo, a bipolaridade se consumava pelo fato de que apenas essas duas facções logravam êxito no acesso ao poder.
Agora, contudo, praticamente metade dos espanhóis escolheu outros caminhos, que são variados. A composição do Parlamento apresenta um expressivo grau de fracionamento comparativamente às legislaturas que se seguiram desde a democratização. Representações territoriais de diferentes comunidades autônomas (Cataluña, País Vasco, Valência) têm posições programáticas bastante diferentes, bastando lembrar suas muitas distinções: o caráter progressista do valenciano Compromís, com 4 votos; o ímpeto nacionalista de vascos, cujo Partido Nacionalista Vasco (PNV) detém 6 cadeiras; e, sobretudo, o independentismo de catalães, cujas representações de Esquerra Republicana e de Democràcia i Llibertat somam, respectivamente, 9 e 8 deputados.
Merece destaque o caso da Izquierda Unida (YU) e sua decadente trajetória política e eleitoral. Herdeira do Partido Comunista Espanhol - do lendário líder Santiago Carrillo, que combateu na guerra civil e foi importante figura na transição para a democracia -, a YU caiu de 11 escaños em 2011 para 2 deputados em 2015, esmagada por um fenomenal deslocamento do eleitorado de esquerda. Para se ter ideia das dimensões desse declínio, na década de 1990 chegou à posição de terceira força eleitoral do país com praticamente 10% dos votos e uma bancada de 18 deputados.
As grandes novidades eleitorais do cenário político-institucional são Podemos e Ciudadanos, partidos cujas posições podem ser mais facilmente entendidas a partir da recorrente agenda que impera no país e que dominou a campanha eleitoral: economia/inclusão social, unidade territorial e combate à corrupção.3
Situado mais ao centro do espectro político-ideológico em relação ao PP, Ciudadanos conquistou 13,93% dos votos, desempenho que lhe valeu a eleição de 40 deputados: tem uma plataforma amplamente favorável à economia de mercado e, face à precariedade do emprego, propõe medidas para contratos de trabalho estáveis (seguro, bonificação), e também defende um imposto de renda progressivo e uma reforma fiscal favorável à classe média. No sentido europeu do termo, é um partido assumidamente liberal. Não obstante, defende que a geração de empregos depende do impulso estatal e do aprofundamento da integração à União Europeia (UE). Quanto à integridade territorial da Espanha, coincide com a posição “constitucionalista” do PP e do PSOE na defesa intransigente da unidade nacional, tanto que faz oposição cerrada aos governos catalães, propondo um (re)financiamento territorial mais equitativo. Albert Rivera, seu principal líder, é um jovem advogado catalão que invoca a constituição e o princípio liberal da igualdade perante a lei (argumento chave da soberania) para justificar a oposição às teses independentistas, argumentando que o modelo de comunidades autônomas já seria uma forma de arranjo federativo em vigência, bastando reequilibrá-lo.
Ideologicamente próximo do PP, o crescimento eleitoral de Ciudadanos, contudo, é inseparável de suas críticas ao partido dominante e à corrupção endêmica que parece tomar conta do Estado. Nos últimos anos abundaram casos de corrupção e malversação do dinheiro público envolvendo altos dirigentes do PP, como o ex-tesoureiro do partido, Luis Bárcenas, operador confesso de recebimento de doações ilegais e acusado por crimes fiscais e evasão de divisas. Bárcenas foi preso, solto sob fiança, o processo continua tramitando e recentemente acusou a deputada María Dolores de Cospedal, secretária geral do PP, de ordenar que fossem apagados arquivos com provas dos atos criminosos. Outra dirigente emblemática dos populares, a condessa Esperanza Aguirre - que foi prefeita de Madri, ministra de Educação e Cultura e presidenta da comunidade autônoma de Madri - renunciou à presidência do PP da capital em fevereiro, depois de mais de uma década no cargo e de virem à tona acusações contundentes de corrupção e financiamento ilegal na seção madrilenha do partido. A renúncia se consumou um dia depois de se realizarem buscas judiciais na sede de seu partido. Muito recentemente, em meio à tentativa de Mariano Rajoy manter-se como presidente de governo pelo PP, veio à tona novo escândalo envolvendo toda a cúpula do partido que esteve à frente da Prefeitura de Valência. Por ora, só a ex-alcaldeza Rita Barberá, agora senadora do partido, (ainda) não foi denunciada por corrupção, recebimento de propina e financiamento ilegal ao partido, mas a imagem pública dos populares parece irremediavelmente abalada. A formalização da denúncia contra Barberá parece ser apenas uma questão de tempo e procedimento jurídico em razão de exercer mandato no Senado, condição que lhe confere foro privilegiado.
Nem mesmo a Casa Real ficou imune, e até a Infanta Cristina de Borbón (irmã do rei Felipe VI) e seu marido, Iñaki Urdangari, estão sendo julgados por delitos fiscais, para os quais a promotoria pede, respectivamente, 8 e 19,5 anos de prisão. Em terras ibéricas o privado também corrompe o público. E não deveria surpreender que os grandes corruptores - prestadores de serviços, fornecedores, empreiteiras, consultorias, concessionárias e similares - capturem grandes contratos públicos. A democracia, portanto, se vê ameaçada pelo tráfico de influência e pelo poder do dinheiro, capaz de subverter a vontade geral, ignorar a cidadania e substituir o bem comum pelo interesse privado. Afora a repulsa que desperta na opinião pública, esse quadro de generalização da corrupção salta aos olhos pela vulnerabilidade do Estado, pois não se trata de qualquer país do terceiro mundo ou dos assim chamados emergentes, e sim da quarta economia da União Europeia.4
Nesse cenário de crescente desgaste do PP, Ciudadanos adota como primeiro ponto de sua plataforma a “regeneração democrática e institucional” do país, propondo, dentre outras medidas, a supressão dos privilégios dos políticos acusados de corrupção, despolitização da Justiça, extinção do Senado e dos legislativos provinciais, reforma da legislação eleitoral e adoção do modelo alemão (proporcional misto), além da constitucionalização da integração à União Europeia.
A crítica ao PP e a acentuada moralização da política não impediram que Ciudadanos fizesse composições com esse partido em outros níveis de governo (municípios, províncias e comunidades autônomas), no entanto, conquistou seu espaço social e eleitoral no espectro político nacional justamente por se distinguir dos populares na crítica à corrupção e na defesa da regeneração.

 


Albert Rivera, líder de Ciudadanos.
Fonte: <http://albertrivera.es/galeria>. Acesso em 2/3/2016.

 

pablo iñigo
Íñigo Errejón (esq.) e Pablo Iglesias (dir.), líderes de Podemos.
Fonte: <https://pabloiglesias.org/category/blog/>. Acesso em 2/3/2016.

 

No campo ideológico oposto, Podemos é um fenômeno social, político e eleitoral. O tradicional jornal El País qualificou-o como “verdadeiro terremoto na política espanhola”. Em pouco mais de dois anos amealhou centenas de milhares de filiações para obter seu registro legal como partido político, é um autêntico herdeiro dos Indignados e dos movimentos sociais pela cidadania, tendo conquistado 5.189.333 votos (20,66%) nas eleições de 20 de dezembro último, resultado que lhe valeu 69 cadeiras no Congreso de los Diputados (contagem da qual devem ser subtraídas 4 cadeiras do valenciano Compromís) e outras 16 no Senado. Seu principal líder é outro jovem, Pablo Iglesias, politólogo de formação marxista com doutorado na Universidade Complutense de Madri, onde também já foi professor, que começou a ganhar fama e simpatia com La Tuerka, programa de entrevistas online na TV. Iglesias causa arrepios às mais tradicionais elites espanholas, recusando a gravata e o paletó mesmo agora como deputado no Parlamento.
Podemos apresenta um programa de mudanças que não se rende às imposições de qualquer ajuste fiscal em nome de políticas públicas de inclusão e de compromissos populares históricos, tanto que propõe textualmente a reestruturação da dívida pública (originalmente, advogava o calote). Sinaliza claro enfrentamento à ortodoxia econômica e aos ditames que emanam do Banco Central Europeu. Tem uma plataforma de “democracia econômica” que prevê um plano nacional de transição energética, mudança do correspondente marco regulatório e auditoria no sistema de infraestrutura de energia. Adota a diversificação industrial como alternativa e aposta em um pacto pela Ciência e pela Inovação. Também defende a implantação de um imposto sobre grandes fortunas. No plano social, prevê acesso universal ao sistema de saúde e aumento do seu orçamento, regime único de seguridade social, revogação da reforma trabalhista empreendida pelos populares que suprimiu garantias dos trabalhadores, direito à moradia e despenalização dos que tomam posse de casas vazias e abandonadas, aumento do investimento em educação, enfim um firme combate à pobreza e a ampliação da geração de emprego e renda por meio da elevação do gasto público em projetos de infraestrutura e em políticas sociais - caminho diametralmente oposto ao trilhado pelo PP desde 2011, de desmantelamento do Estado do bem-estar.
Como se vê, um programa tipicamente socialdemocrata para os padrões europeus e que, ademais, já foi suavizado em sua curta trajetória. Essa caracterização de seu conteúdo programático, contudo, não significa que Podemos possa ser rotulado ideologicamente como um partido socialdemocrata. Qualquer redução simplória tende à superficialidade e interpretá-lo política e sociologicamente em profundidade ainda é um trabalho que está por ser feito, mas há pistas importantes que sugerem a originalidade desse fenômeno.
Em primeiro lugar, trata-se de uma instituição que não se filia a nenhuma doutrina socialista, embora se assuma como herdeiro da tradição de lutas da esquerda. Seu programa abarca múltiplas políticas públicas que aprofundam e universalizam os direitos de cidadania e advoga mudanças institucionais, incluindo reformas constitucionais. Assume-se como representante dos que não têm voz e é intransigente na defesa ética da justiça e da igualdade, daí realçar sua condição de representante da esquerda. Como ser socialista nessas paragens significa confundir-se ou filiar-se à tradição socialdemocrata, esta associação é categoricamente evitada. Em segundo lugar, diferente da maioria dos partidos socialdemocratas europeus mais tradicionais, Podemos não mantém fortes laços orgânicos com o movimento operário e as organizações sindicais, o que pode ser explicado pelos vínculos históricos desse segmento com socialistas, comunistas a anarquistas na Espanha. Ademais, nas sociedades contemporâneas, pós-industriais, o peso sociopolítico desses segmentos e sua capacidade de persuasão ideológica são crescentemente declinantes. Em terceiro lugar, e de certa forma relacionado ao item anterior, o partido é assumidamente tributário do 15-M (alusão à manifestação iniciada em 15 de maio de 2011), do movimento dos Indignados que se iniciou espontaneamente com um grupo de acampados no coração da capital, a Puerta del Sol, e que congregou milhares de jovens, desempregados e cidadãos mais duramente atingidos pela crise econômica que abateu a Europa no final da última década. Essa origem nos movimentos sociais, contudo, sofreu uma mudança decisiva quando parte de sua liderança conduziu uma transição no ambiente de suas lutas, passando do terreno da sociedade civil para a sociedade política, vale dizer, assim se promoveu sua institucionalização ao tomar a decisão de fundar um partido político e disputar a condução do Estado. Tal opção não só revela ousadia, também é uma resposta a muitos segmentos políticos - à direita e à esquerda - que desafiavam o movimento a disputar eleições nos marcos da democracia representativa.
Por último, não se trata de uma frente no sentido clássico de expressar uma identificação demasiado difusa e de congregar diferentes organizações políticas com programas igualmente distintos, mas Podemos tem outra originalidade: adotou uma estratégia de aproximação com grupos politicamente próximos e emergentes em algumas comunidades autônomas, casos das “confluências regionais” com En Comú Podem (Cataluña) e En Marea (Galícia), o que lhe rendeu ótimos resultados eleitorais. Se até aqui essa política de associação a grupos regionais foi exitosa política e eleitoralmente, não é improvável que enfrente problemas no futuro próximo, como sugerem a anunciada disposição de En Comú Podem de formar um novo partido, a postulação da bancada andaluza de formar um grupo parlamentar próprio e as tensões com as direções das seções da Galícia e do País Vasco.

 

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Cartaz eletrônico apócrifo de denúncia das supostas ligações de Iglesias e
de Podemos com o governo da Venezuela.
Fonte: <https://www.google.es>. Acesso em 2/3/2016.

 

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Manifestação do Movimento 15-M, Puerta del Sol, Madri.
Fonte: [espormadrid.es] <https://www.google.es>. Acesso em 3/3/2016.

 

Portanto, Podemos se distingue pela identidade de esquerda, por um reformismo com tons mais radicalizados e pelo recorte geracional, pois não só é um partido organizado e liderado por jovens como sua influência e votação se concentram nitidamente em redutos desse eleitorado. Nesse sentido, além das ideias propriamente politicas, o partido exprime seu perfil contestador também no plano da cultura e dos costumes.
No item da unidade territorial, a posição de Podemos é a mais polêmica e ousada: propõe que as comunidades autônomas possam realizar referendos para decidir se permanecem ou se se separam do país - posição que, no passado recente, havia sido defendida timidamente por lideranças do PSOE. Embora argumentem que não são independentistas e que não defendem o fracionamento da Espanha, seus líderes sustentam que não há melhor método para desbloquear o debate e resolver o dilema que não seja o respeito ao princípio da autodeterminação e a manifestação direta dos interessados. Advogam a tese de um país plurinacional, incluindo uma reforma constitucional para redefinir as competências e repactuar a distribuição de recursos dos diferentes níveis de governo, em especial das comunidades autônomas.
Embora não se tenha explicitado, a hipótese do referendo remete inevitavelmente à adoção de algum formato federativo, de modo a repactuar o país internamente com um sistema de freios e contrapesos mais equilibrado entre os diferentes níveis de governo. Tal mudança institucional recolocaria na agenda outro câmbio ainda mais sensível, a saber, reintrodução do indigesto debate sobre adoção do sistema republicano.5 Como se vê, a cada vez que se puxa o fio do novelo (re)aparecem novos e complicados nós. Desembaraçá-los requer uma complexa engenharia política e um elevado grau de consenso que, por ora, não são tangíveis.
O tema da unidade nacional é dos mais sensíveis, verdadeiramente arrepiador. Ensina a geopolítica que perder território é o mesmo que desperdiçar poder, ainda mais pelo efeito cascata que lhe é subjacente, ou seja, a uma eventual separação da Cataluña poderiam se seguir processos separatistas em outras comunidades históricas: País Vasco (Euskadi) e Galícia. Se é verdade que o referendo tem a virtude potencial de desinterditar o debate conduzindo a uma obrigatória renegociação entre os litigantes, há, contudo, outro obstáculo institucional nada vulgar: a constituição democrática “se fundamenta na indissolúvel unidade da Nação espanhola, pátria comum e indivisível de todos os espanhóis, e reconhece e garante o direito à autonomia das nacionalidades e regiões que a integram e a solidariedade entre todas elas” (Art. 2, sem destaques no original). Mesmo que se admita que não se trata de cláusula pétrea e que, portanto, seja passível de reforma, a constituição impõe os mecanismos correspondentes: é prerrogativa exclusiva do Rei convocar qualquer referendo (Art. 62); o Estado tem competência privativa para autorizar “convocatória de consultas populares por via de referendo” (Art. 149); é vedada a federação de Comunidades Autônomas (Art. 145); reformas constitucionais exigem maioria qualificada de 3/5 nas duas casas legislativas (Senado e Congreso de los Diputados) ou, em um segundo caso, maioria absoluta na primeira e 2/3 na segunda; num caso e no outro, o apoio entre os deputados é grandioso, respectivamente 210 e 234 votos.
Nessas condições, as possibilidades jurídicas, institucionais e mesmo políticas de o referendo na Cataluña se realizar proximamente são próximas de zero. Primeiro: porque há os notáveis empecilhos constitucionais assinalados. Segundo: porque as bancadas de PP, PSOE e Ciudadanos (partidos que se opõem radicalmente à proposta do referendo) juntas somam 253 votos, pouco mais de 72% do Congreso de los Diputados, o que lhes confere notável poder de veto à tramitação da proposta. Terceiro: porque a sociedade espanhola está indecisa sobre como lidar com esse tema espinhoso. Conclusão elementar: ou as elites políticas se entregam de corpo e alma a um esforço de negociação para produzir um consenso substantivo e procedimental ou não haverá solução duradoura dotada de um mínimo de legitimidade.
Outra assombração majestosa: no imaginário do país, face à memória da experiência da Segunda República, falar deste sistema político remete ao trauma da guerra civil. Nesse sentido, a figura da Coroa como espécie de poder moderador encarregado de preservar a unidade e a estabilidade do país contrasta com os princípios tradicionais de império da lei, governo dos homens e igualdade de direitos que distinguem a tradição republicana. A consequência é que a República se revela autêntico tabu na agenda pública. Ainda mais complicado é o fato de que contemporaneamente a República está bastante associada ao separatismo catalão, o que só reforça a interdição do debate sobre a adoção desse sistema de governo.
Voltando ao programa de Podemos, no debate sobre a corrupção o partido assumiu posição crítica semelhante aos opositores do PP, propondo iniciativas como a criação de um portal anticorrupção, auditorias, reforma do sistema de imposto de renda, fim do segredo bancário em paraísos fiscais, além de outras mais específicas e de uma retórica regeneradora dos costumes políticos. Como é um partido ainda sem passagem pelo governo, goza de largo prestígio na opinião pública como um agrupamento não contaminado pelas práticas de corrupção.
Apesar disso, Podemos sofre toda sorte de objeções e críticas tanto por seus gestos simbólicos quanto por sua trajetória. No primeiro caso, um exemplo ilustrativo: no dia da posse no Parlamento, a deputada Carolina Bescansa levou seu bebê de seis meses à cerimônia e foi duramente censurada pelas vozes tradicionalistas, que advertiam haver uma creche disponível. No segundo caso, repete-se exaustivamente que Podemos teria sido financiado indiretamente pelos governos da Venezuela, Ecuador e Irã através de uma fundação ligada ao partido. A Fazenda espanhola abriu investigação para apurar suposta fraude fiscal, sem que nenhuma evidência da acusação fosse provada, tanto que a denúncia foi arquivada no conturbado mês de fevereiro. No mais, não é incomum que se publiquem vídeos ou se façam debates midiáticos com menções a depoimentos e discursos dos líderes de Podemos de tempos passados, nos quais se realçam o “radicalismo” e o “bolchevismo” dessa ameaça. Como era de se esperar, os alvos preferenciais são o próprio Iglesias e seu “número 2”, Íñigo Errejón, outro jovem cientista político com fisionomia de adolescente. Nas ruas não é raro que cartazes eleitorais com a foto de Iglesias tenham pichações de “assassino” e “terrorista”.
A síntese dessa repugnância a Podemos foi explicitada por Federico Jiménez Losantos, jornalista e locutor de rádio e televisão, que declarou que o único político que lhe despertava ódio de classe era Iglesias. Impossível esperar maior demonstração de “transparência” da direita espanhola.
A mudança em curso na Espanha não é apenas política em sentido estrito, de rejeição ao programa que Podemos representa, ela é também cultural e ideológica. Os citados exemplos da cabalgata de reyes, dos bonequeiros presos sem fiança ou da remoção dos monumentos franquistas - nenhum deles diretamente associados ao partido, embora este apoie e participe do governo madrilenho de Carmena e de Ahora Madrid - indicam uma profunda reação dos segmentos mais conservadores do país não só a políticas públicas de governos progressistas, mas a valores e a padrões éticos associados à esquerda. Está escancarada, portanto, uma crucial disputa hegemônica cujos resultados serão decisivos para o futuro do país. Para além das escolhas políticas que cada partido representa, estão em pauta itens nada triviais como tolerância, valoração dos direitos humanos, alternância no poder, fazer de uma monarquia constitucional um Estado laico. Enfim, um processo nem sempre silencioso de republicanização da vida pública que tensiona a sociedade e esbarra sistematicamente em obstáculos poderosos instalados no sistema político, na mídia e em outras tantas instituições com larga influência ideológica na formação da opinião pública espanhola.

 

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Acampamento do Movimento 15-M, Puerta del Sol, Madri.
Fonte: [movimiento15m.org]  <https://www.google.es>. Acesso em 3/3/2016.

 

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Manifestação do Movimento 15-M, Madri.
Fonte: [eldiario.es] <https://www.google.es>. Acesso em 3/3/2016.

 

A propósito dessas tensões, dados oficiais do Ministério do Interior revelam que os crimes de ódio cresceram 13% no último ano: discriminação de gênero e ideologia, racismo e xenofobia lideram o ranking da intolerância. Quase ¼ desses delitos (23,3%) foram motivados por juízos ideológicos, identificados de forma abrangente como intolerância a ideias fundamentais compartilhadas por determinados segmentos sociais em matérias de natureza política, moral, comportamental ou cultural.
A essa pelea se soma a gravidade do cenário socioeconômico. Embora os dados e projeções da União Europeia sejam moderadamente otimistas com a Espanha, com um crescimento do PIB de 3,2% no último ano e uma perspectiva de 2,7% para 2016 (todos esses índices superiores ao desempenho de Alemanha, Inglaterra e França), a situação está longe de ser animadora. Além de ter o segundo maior desemprego da UE - os dados variam conforme a fonte, mas não é inferior a 20,8% da população economicamente ativa, chegando a 46% entre jovens com idade inferior a 25 anos -, o país carece de investimentos externos, tem uma economia ainda pouco desenvolvida em alguns setores estratégicos, precisa se submeter à rigidez fiscal imposta pela União Europeia e, ainda mais grave, apresenta um quadro brutal de desigualdade que se agravou fortemente com as medidas de encolhimento da proteção social e de diminuição do Estado de bem-estar promovidas sem hesitação pelo governo de Mariano Rajoy.
Nas grandes cidades, Madri à frente, não se passa por um só quarteirão ou em um ônibus ou vagão de metrô sem que se depare com pedintes, ambulantes e trabalhadores informais cuja marca comum é a vulnerabilidade social. Pobreza e desamparo para os quais não se vê solução no curto prazo porque a Espanha não tem um sistema de proteção social dos mais avançados na Europa (comparativamente à França, Alemanha ou aos países nórdicos). Exemplo objetivo: face à precariedade que caracteriza boa parte dos contratos de trabalho, mais da metade dos desempregados do país não dispõe de nenhum tipo de guarida como seguro-desemprego. Ademais, o país não só não está imune como também é atingido pela explosiva agenda dos refugiados e imigrantes ilegais, assunto sobre o qual o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados contabilizou mais de 100.000 pessoas nessas condições que, apenas através do Mediterrâneo, chegaram à Europa desde o início de 2015.
O drama social pode ser sintetizado por cenas nada insólitas levadas à mídia pela TeleMadrid: ciganos de origem romena montam à noite e desmontam de madrugada suas barracas precárias à beira do farol de Moncloa, uma torre esteticamente arrojada situada em elegante zona turística da capital. Ali repetem a mesma rotina diariamente há tempos e pernoitam a menos de dois quilômetros do Palácio La Moncloa, sede do governo espanhol. Mas não podem permanecer durante o dia porque as autoridades proíbem os que não têm teto nem proteção de exibir sua condição de vulnerabilidade social, no entanto, quando a luz natural se vai e a noite se aproxima, a estética urbana não é contaminada porque os deserdados pouco são vistos. Consta que à noite todos os gatos são pardos. No caso, homens e mulheres que formam o povo, e que, na descrição inspirada de Eça de Queiroz, “vivem sem o sol e as doçuras consoladoras da natureza, respirando mal, comendo pouco, sempre na véspera da morte, rotos, sujos, curvados”. Se em outros tempos seriam “classes perigosas” a atemorizar a paz social e a vida urbana, na gramática hegemônica contemporânea não representariam mais do que um risco ao déficit público, apenas uma ameaça ao equilíbrio fiscal. Na acepção do sociólogo francês Robert Castel, “inúteis para o mundo”.

Tiendas de camapaña junto al Faro de Moncloa
Acampamento de imigrantes sem-teto ao lado do farol de Moncloa, Madri.
Fonte: <http://www.telemadrid.es/content/tiendas-de-camapana-junto-al-faro-de-moncloa>. Acesso em 2/3/2016.

Os dilemas para formar governo

Nesse quadro de imensas mazelas sociais, penosa instabilidade e indefinição política, coube ao rei Felipe VI, chefe de Estado conforme reza a constituição, conduzir conversações e consultas junto aos líderes dos partidos para aferir as possibilidades de formação de governo. O primeiro a ser ouvido foi Mariano Rajoy (PP), “presidente de gobierno en funciones”, que, depois de cinco semanas, anunciou publicamente a impossibilidade de liderar uma coalizão majoritária. Na sequencia, o rei incumbiu Pedro Sánchez (PSOE) de tentá-lo, e assim abriu-se uma nova etapa repleta de pontos de interrogação.
Rajoy não logrou êxito por uma razão que ainda não foi suficientemente explorada, por estranho que possa parecer: o total isolamento do PP. Nem mesmo Ciudadanos aceitou compor seu governo, pois no cálculo de seus dirigentes seria um autêntico suicídio político em razão de sua bandeira em prol da regeneração. Diz Albert Rivera que quem não saneou a própria casa não tem autoridade moral para sanear o país. Rajoy insiste que venceu as eleições e tem o direito de governar. Repete exaustivamente uma meia-verdade para contar uma mentira. É fato que o PP foi o partido mais votado, assim como não é menos verdadeiro que não é capaz de liderar uma aliança majoritária porque não tem nenhum outro interlocutor no Parlamento para construir um governo de coalizão: afora a proximidade ideológica com Ciudadanos, não tem diálogo com qualquer outro grupo parlamentar. Nessa democracia parlamentar, primeiro são eleitos os representantes populares (diretamente) e depois escolhido (indiretamente) o governo - primeiro-ministro ou “presidente de governo”, no caso espanhol. Rajoy e o PP não têm maioria nem podem consegui-la porque não têm interlocutores e muito menos parceiros.
Bola com o PSOE. Estraçalhado pelo seu pior resultado depois da transição democrática, agastado pelas denúncias de corrupção e dividido internamente pelas diferenças ideológicas, pelo poder de que ainda desfrutam seus barones (chefes políticos regionais de comunidades autônomas e províncias) e a velha guarda socialista, o partido viu cair do céu um prêmio que não fez por merecer. Mas Sánchez está obstinado pelo desafio, embora fazê-lo pareça esforço de Sísifo.
Tão logo Sánchez foi anunciado como “presidenciável”, Podemos e Ciudadanos ratificaram o que antes já haviam declarado: não podem e não aceitariam pertencer a um mesmo governo, como pretende Sánchez, então que ele e o PSOE fizessem a sua escolha entre um ou outro. Podemos e Ciudadanos se reconhecem como água e azeite, pertencem a espectros ideológicos diferentes, são programaticamente distantes. Mas Sánchez insistiu: dialogaria com todas as forças políticas (exceto o PP e os partidos independentistas da Cataluña) e pediu uma negociação sem vetos que destacasse o que todos tinham em comum, ignorando circunstancialmente as (muitas) diferenças que os separam.
Ao PSOE interessa um governo de coalizão com ambos porque lhe caberia arbitrar os conflitos, mantendo-se como centro político que neutralizaria Podemos (à esquerda) e Ciudadanos (à direita), impondo seu próprio programa. Se isso não fosse suficiente, bastaria a aritmética: juntos, PSOE, Podemos e Ciudadanos somam 199 votos e teriam um governo de coalizão com sólida maioria no Parlamento.
Ciudadanos não só recusou a oferta de coalizão com Podemos como defendeu publicamente a inclusão do PP na negociação. Não aceitou o namoro solitário com o partido de Rajoy, mas, sob o comando de Sánchez, insiste que esta seria a melhor fórmula para obter governabilidade, incluindo o desafio de obter maioria parlamentar qualificada (3/5 dos votos) para alterar a constituição. Ideologicamente, esta não seria uma composição estranha face ao percurso mais centrista e menos reformador assumido pelo PSOE, mas esbarra nas conveniências e cálculos políticos. Rajoy já anunciou reiteradas vezes que seu partido votará contra qualquer proposição de governo da qual ele próprio não a lidere. E Sánchez reiterou que seu objetivo primeiro é um governo sem o PP. A julgar pela trajetória recente dos dois partidos e por seus programas, vale insistir, um governo com PP e PSOE não seria impossível, pelo contrário, mas se Sánchez avalizasse tal possibilidade decretaria o infortúnio político de seu partido, pois o espectro de esquerda e centro-esquerda tenderia a se inclinar automaticamente para Podemos. A propósito, algumas pesquisas especulativas sobre possíveis novas eleições admitem essa tendência, com Podemos alcançando ou ultrapassando o PSOE, hipótese que lhe permitiria disputar o posto de segundo partido mais votado do país.
A situação do PSOE é das mais difíceis, qualquer opção que faça (à direita ou à esquerda) implica enormes custos políticos. Desde a renúncia ao marxismo como ideologia partidária e a adesão às teses socialdemocratas europeias, no congresso extraordinário de 1979, o partido trilhou um caminho de consolidação que lhe direcionou progressivamente a uma posição de centro-esquerda no espectro ideológico. Tal trajetória é explicada teoricamente pelo cientista político italiano Angelo Panebianco: o processo de institucionalização e a superação do modelo originário conduzem os partidos a um tipo de estabilização que se traduz precisamente no abandono do timbre político mais ideologizado e na acomodação ao ambiente do establishment, uma vez que a manutenção da instituição se torna um valor per se. No plano programático, essa guinada produziu uma aproximação com o PP ao longo do tempo e, politicamente, foi afastando o PSOE do eleitorado situado mais à esquerda. A propósito, não obstante a rivalidade política doméstica, chama atenção o fato de que populares e socialistas têm votado sistematicamente nas mesmas posições no Parlamento europeu.6 Assim, no cenário atual o interlocutor ideológica e politicamente mais próximo dos socialistas seria Ciudadanos. Mas essa possível aliança enfrenta dois problemas: o primeiro é meramente aritmético, pois a soma de votos entre esses partidos (130) é insuficiente para formar e sustentar um governo; o segundo é que, por definição, alianças entre partidos ideologicamente próximos têm baixa capacidade de ampliação social e política justamente pela limitação de seu espectro, vale dizer, não agregam além do que já representam porque são próximos e similares.
Outra possibilidade para Sánchez e o PSOE seria aceitar a proposta de uma coalizão com Podemos e Yzquierda Unida. Voltemos à aritmética: neste caso, seria uma coalizão com 161 votos, já contabilizada a adesão da representação valenciana (Compromís). Juntos, PP e Ciudadanos têm 163 votos para vetar esse hipotético governo. Mais ainda: Sánchez teria que combinar com os russos, melhor dizendo, com vascos e catalães, para contar com os (seis) votos dos primeiros e que os segundos se abstivessem. Com os votos dos nacionalistas vascos do PNV e outro da bancada das Canárias, a coalizão de centro-esquerda liderada pelo PSOE poderia chegar a 168. O custo político de uma negociação com os independentistas catalães seria altíssimo, razão pela qual a Sánchez interessa decisivamente que Podemos e Ciudadanos abandonem seus vetos e aceitem formar um governo nomeado como “progressista e reformista”, como sugere o documento lançado pelo PSOE em 8 de fevereiro.
Em uma democracia parlamentar, na qual vigora um sistema pluripartidário, a negociação é um imperativo. Sem isso não há governo, tampouco governabilidade. Os espanhóis estão às voltas com essa inovação que altera profundamente o modelo anterior em que um partido dominante ganhava as eleições e governava sem sobressaltos. O cenário mudou porque a sociedade também mudou e está dividida. A propósito, coalizões têm se revelado uma necessidade política tanto no parlamentarismo como em sistemas presidencialistas, em que pese o Executivo também exercer forte controle da agenda legislativa.
A “solução” derradeira, prevista constitucionalmente caso não se forme um governo, seria convocar novas eleições. Tal hipótese apavora a (quase) todos: ao PP porque, embora provavelmente se mantenha como o partido mais votado, as chances de ampliar sua votação são remotas em razão dos desgastes que vem sofrendo por causa da fragilidade econômica, das mazelas sociais e das sucessivas denúncias de corrupção; a Ciudadanos porque, em um cenário de polarização, não se poderia descartar a tendência de parte de seu eleitorado migrar tanto à direita quanto ao centro como espécie de “voto útil”; ao PSOE porque sua trajetória eleitoral é claramente declinante, situação agravada no cenário de um insucesso na tentativa de formar governo.
A posição do PSOE é ainda mais complicada e imprevisível em razão de suas disputas internas. Caso se concretize a convocação de novas eleições parlamentares, não se descarta inclusive a possibilidade de que Sánchez sequer seja o candidato e não permaneça no comando do partido: são fortes os rumores de que Susana Díaz, presidenta da Junta de Andalucía, lançaria sua candidatura à secretaria geral do partido e à presidência de governo. A inclinação política de Díaz pode ser aferida por pronunciamento interno deliberadamente vazado à imprensa, no qual disse categoricamente que “un gobierno de coalición con Podemos no lo veo”.
A Podemos, contudo, novas eleições parlamentares abririam a inédita possibilidade de disputar o privilegiado lugar de segunda força política com representação no Parlamento e de primeira do campo de esquerda, a quem caberia, no provável cenário de um segundo insucesso do PP, o desafio de tentar liderar uma nova coalizão de governo à esquerda. Nesse caso hipotético, sob o fogo cerrado da direita, não seria inverossímil que tal possibilidade tivesse sua viabilidade decidida justamente pelo PSOE, que teria que optar entre uma aproximação com Podemos ou outra aliança, à direita, com PP e Ciudadanos. A primeira possibilidade causa calafrios às elites espanholas, e não se deve descartar um amplo movimento de rearticulação do campo conservador.
A hipótese de novas eleições é uma emenda que pode sair pior que o soneto, e aparentemente nenhum dos atores políticos relevantes aposta nesse caminho, pois sabem da imprevisibilidade que caracteriza qualquer pleito e temem que o eleitorado possa punir os partidos identificados como obstáculos a acordos de governabilidade. Eleição é mesmo uma caixinha de surpresas, muito embora as sondagens disponíveis sugiram uma razoável estabilização no comportamento do eleitorado.

Crônica de um impasse anunciado

O leitor que suportou a narrativa até aqui deve ter percebido que os tempos verbais alusivos aos dilemas políticos foram usados predominantemente no presente, vale dizer, o texto foi originalmente redigido em meio ao desenrolar dos acontecimentos que se seguiram às eleições de dezembro de 2015 e assim foi mantido na tentativa de captar e reproduzir a atmosfera política com mais fidelidade. A partir deste ponto, os episódios serão narrados de maneira diversa em razão das negociações no período seguinte e das decisões cruciais tomadas na primeira semana de março.
Desde que Pedro Sánchez recebeu do chefe de Estado o encargo de tentar formar governo, objetivamente apenas duas hipóteses de coalizão se desenharam. Na primeira, o PSOE lograria êxito na proeza de agregar Podemos e Ciudadanos em um mesmo pacto político. Na segunda, optaria por uma aliança à esquerda com Podemos, Compromís e Izquierda Unida.7 Natimorta, a primeira previsivelmente não prosperou porque nenhum dos interlocutores assentiu, enquanto a segunda se revelou uma quimera. Na prática, Sánchez rejeitou ambos os caminhos e optou por um percurso alternativo condenado ao fracasso e consumado nos primeiros dias de março, quando o Congreso de los Diputados rejeitou sua investidura em duas ocasiões.
O candidato socialista cumpriu um longo périplo de conversações protocolares com todos os grupos parlamentares. Além desses diálogos bilaterais, por iniciativa da Yzquierda Unida, foi constituído um grupo quadripartite também integrado por Podemos e Compromís em um momento crítico no qual se vislumbrava o completo malogro das negociações. Exatamente no dia em que os negociadores das quatro forças finalmente se juntaram e trabalharam noite adentro, Sánchez e Albert Rivera se reuniram reservadamente no mesmo prédio do Parlamento para selaram o acordo em torno de um projeto político distinto.8 A essa altura pouco importavam as qualificações de “nova geração do Partido Popular” e de “nova direita” que Sánchez havia atribuído a Ciudadanos durante a campanha eleitoral, em alusão à juventude de sua liderança e à identidade ideológica do, agora, seu sócio principal.
Anunciado publicamente sob os holofotes no dia seguinte, 24 de fevereiro, e qualificado por Sánchez como “histórico”, o pacto da centro-esquerda com a centro-direita sintetizou o resultado axiomático dos jogos de soma zero: um contrato de centro que propõe a substituição das diputaciones provinciais, manutenção da carga tributária, veto categórico a referendos de autodeterminação, negociação para elevação do teto da dívida pública etc. Ato contínuo, Podemos, Compromís e Izquierda Unida suspenderam as negociações com o PSOE. Na outra ponta, o PP reiterou que votaria contrariamente a essa proposta, em que pesem os pedidos públicos de Ciudadanos para que se somasse ao “Acuerdo para un gobierno reformista y de progresso” - postulação tão ingênua quanto improvável e mesmo impraticável precisamente porque o alvo da crítica era o governo de turno.
Para tentar conquistar a adesão de Podemos, Compromís e Izquierda Unida, o PSOE argumentou reiteradamente que esta iniciativa seria um desbloqueio do impasse político, um não ao PP e ao governo de Mariano Rajoy. A resposta das esquerdas foi categórica: “más de lo mismo”, não se emite um cheque em branco e não se pode substituir um projeto político com um programa que não só não promove mudanças substantivas como tem caráter de continuidade, em aberta alusão à aliança com Ciudadanos.
E assim chegamos às horas decisivas em que os deputados votariam a investidura de Pedro Sánchez. Por exigência constitucional, a primeira votação requeria maioria absoluta (176 votos). Depois de uma liturgia retórica agressiva e repleta de acusações, provocações e ironias na qual o candidato apresenta seu programa, os demais líderes partidários fazem arguições, há réplicas e tréplicas, no dia 2 de março fez-se enfim a votação aberta.9 Sánchez teve exatos 130 votos, a soma estrita das bancadas de PSOE e Ciudadanos, 219 contrários e 1 abstenção. A segunda votação ocorreu dois dias depois, na qual se exigia maioria simples, mas o resultado não foi alterado substantivamente: 131 votos favoráveis (com a adesão da Coalizão Canária), 219 contrários e nenhuma abstenção.
Pedro Sánchez é provavelmente o dirigente socialista mais contestado na historia recente de seu partido, a despeito de ser o primeiro secretário geral eleito em votação direta pelos filiados e de sua conduta ter sido ratificada pela militância socialista através de uma consulta igualmente direta.10 Durante as negociações políticas que antecederam a votação de sua investidura, havia qualificado de “históricos” o acordo com Ciudadanos e os termos de sua candidatura, mas verdadeiramente histórico foi seu desempenho à frente do PSOE: o pior resultado eleitoral do partido no período democrático; a mais baixa votação de um candidato à chefia de governo no Parlamento; a primeira reprovação a uma candidatura, em segundo sufrágio, desde a democratização.11
Que fazer? Minutos antes do segundo escrutínio, analistas políticos resumiram o dilema em uma frase: sem PSOE não há governo do PP, assim como sem Podemos não há governo do PSOE. Tão simples quanto profético. E complicado.
Logo após o malogro de seu candidato, o PSOE anunciou uma medida e fez vazar uma ameaça travestida de “aviso”. A ação: a partir de então todas as negociações seriam feitas em conjunto com os dirigentes de Ciudadanos, vale dizer, assumia-se, de um lado, o caráter frentista da aliança e, de outro, sinalizava a condição irrevogável dessa coalizão que assim passou a assumir status de bloco parlamentar. O ultimato: a manutenção da “intransigência” de Podemos poderia custar o rompimento de alianças similares em outros níveis de governo, retirando-se, por exemplo, o apoio a seus prefeitos e aliados, casos dos governos municipais de Madri, Barcelona, Zaragoza, La Coruña, Santiago, Ferrol e Cádiz. Nesse cenário, em contrapartida, vale lembrar que seis governantes de comunidades autônomas do PSOE foram eleitos com apoio de Podemos.
É difícil prever se tais ameaças serão levadas às ultimas consequências, o que certamente causaria uma reviravolta na estabilidade política dos governos de esquerda e centro-esquerda, mas é evidente que a hostilidade é indissociável da recusa do apoio à candidatura de Sánchez e às manifestações dos dirigentes de Podemos, sobretudo, de Pablo Iglesias. Ainda não foram digeridas pelos socialistas as duras críticas e acusações feitas na tribuna do Parlamento, particularmente ao ex-presidente Felipe González, marcado por ter “as mãos sujas de cal viva” em alusão ao seu presumido envolvimento com ações paramilitares.12
Pedro Sánchez e a direção do PSOE têm respeitado estritamente a resolução partidária de recusa ao PP e ao seu governo, posição que se traduz em voto contrário à postulação de reeleição de Mariano Rajoy. Não admite sequer a abstenção em nenhuma circunstância. Da mesma forma, embora não exista uma resolução similar, foi abandonada a opção de uma aliança à esquerda. O paradoxo desta orientação é que, para liderar um governo, ela carece de um acordo e dos votos de Podemos. Por que, então, se celebrou o pacto com Ciudadanos e agora este é tratado como irrevogável? Sánchez e seu partido não dominam a aritmética? 161 (a soma do PSOE, Podemos, Compromís e YU) vale menos que 130 (a soma de PSOE com Ciudadanos)?
Parece bastante evidente que o PSOE fez um duplo movimento: atacar a direita e simultaneamente evitar tornar-se refém da esquerda. Assim imagina diferenciar-se de ambos, promovendo um acordo no campo centrista. Operação de alto risco, para não dizer inviável, porque não só não assegura a ampliação do seu arco de alianças e interlocutores como porque depende do êxito das pressões sobre Podemos para que este mude sua posição. PP à direita e Podemos (e seus aliados) à esquerda são os atores mais previsíveis: ambos se limitam a um movimento em direção ao centro, e este centro é precisamente o PSOE. Ocorre que os socialistas têm recusado um passo à direita (compor com o PP ou abster-se) e aspiram uma adesão subordinada da esquerda, mas as evidências revelam que esta já recusou esse papel uma vez e assim anunciou que continuará fazendo. Em resumo: o centro não se move. E isso acontece porque parcelas importantes da sociedade (empresariado, elites políticas, boa parte dos estratos médios, segmentos da mídia etc.) sinalizaram um veto à coalizão com Podemos, recado prontamente acatado pela maioria da direção socialista sob as bênçãos de seus barones e da velha guarda.
No final de seu pronunciamento durante os debates da primeira votação, Pablo Iglesias constrangeu Pedro Sánchez ao citar frase originalmente cunhada por seu homônimo fundador do PSOE: “merecer o ódio dos que envenenam o povo deverá ser, para nós, uma honra”. O que o outro Iglesias antecipava é que o antagonismo ideológico impõe um limite às composições políticas que também tem uma valoração ética. Visto da perspectiva da esquerda, esse enunciado soa moralmente como consolo, mas da ótica do centro se reveste de outro sentido, qual seja, acirra a luta de classes em uma direção que não só não lhe interessa como lhe é impróprio. Essa dialética remete a um ponto futuro em que os diferentes atores políticos terão que estabelecer as fronteiras de suas composições. No caso da esquerda, até onde ceder ao centro. E vice-versa. Em tradução livre, o futuro das esquerdas dependerá das escolhas e das relações bilaterais que estabelecerem PSOE e Podemos. Na hipótese de novas eleições, a consolidação da aliança PSOE-Ciudadanos pode sugerir que estes partidos se apresentem em coligação na expectativa de alcançarem uma posição de liderança privilegiada para futuras negociações.
Mas o PSOE também promoveu uma inovação em sua ronda de conversações depois da derrota: por pressão de Ciudadanos, os socialistas incluíram o PP no rol de partidos a dialogar com vistas à formação de governo, advertindo, porém, que seu candidato dispunha de 131 votos, contra 123 dos populares. Tanto pode aspirar uma improvável abstenção como intensifica a pressão para que Rajoy seja substituído no comando do PP.13
O impasse político tem cronograma definido constitucionalmente: dois meses para novas tentativas de formação do novo governo, do contrário, se até 2 de maio isso não acontecer, o Parlamento é dissolvido e novas eleições convocadas para 26 de junho. Nesse caso, para desbloquear as soluções institucionais, os desfechos dependerão dos eventuais deslocamentos do eleitorado. Impossível prever. É certo que a soberania repousa do povo, mas nas democracias que conhecemos os gabinetes abrigam as decisões mais importantes tomadas pelas elites políticas. Na longínqua década de 1930 a Espanha foi a esperança das esquerdas14 , cujo projeto ecumênico de socialismo ainda não havia sido maculado pelas tragédias que o século XX não tardou a revelar. Quase quatro decênios depois, o Chile simbolizou a possibilidade de uma sociedade justa e inclusiva pela via eleitoral. Essas e outras experiências históricas não se confundem com a Espanha e o mundo contemporâneos, mas podem ensinar muito sobre as possibilidades de revigoramento de um pensamento que insiste em se distinguir normativa e historicamente pelo ideal de equidade, enfim tornar mais iguais os desiguais. Seja como for, a Espanha voltou a despertar expectativas em uma esquerda renovada e vocacionada para a transformação. Por isso mesmo, é uma ameaça que assombra a península ibérica. Quiçá, a Europa.
Em situações extremas, nada melhor que invocar fantasmas para justificar o próprio fracasso. Por ora, prevalecem a incerteza e uma profunda angústia quanto ao futuro de um país politicamente fragmentado, socialmente desigual e culturalmente diverso.
Tierno Galván, jurista responsável pelo preâmbulo da constituição democrática de 1978, invocou a história que se reflete no Barroco para lembrar que os traços comuns dos espanhóis eram “o ressentimento e o ódio a si mesmos e que nosso próximo em princípio era sempre um inimigo se não nos pertencia”, em aberta analogia com o estado de natureza hobbesiano, no qual os aspectos distintivos são a guerra de todos contra todos e a ausência de ordem. Em texto contundente para El Mundo, o jornalista Raúl Del Pozo se reportou à reflexão de Galván para pensar os impasses atuais: desencantado, concluiu que, quando “parecia que a modernidade e a democracia haviam acabado com a autointoxicação psíquica do ódio, o ressentimento, a intolerância e a falta de razão seguem entre instituições, classes e partidos”. O objeto original de Del Pozo era a disputa interna entre os socialistas, mas é evidente que sua análise se generaliza e se estende ao universo sociopolítico espanhol contemporâneo. Nervos e ódios à flor da pele.

    
    

 









fevereiro #

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ilustração: Rafael MORALEZ




1 Professor do Departamento de Ciências Humanas da Universidade Estadual Paulista (UNESP) e atualmente pesquisador visitante na Universidad Complutense de Madrid (UCM), onde faz estágio de pós-doutorado com bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). E-mail: <jeffoliv@ucm.es>.

2 O autor é grato a Estevam Otero pelas pertinentes retificações sugeridas e a Luis Cortés Alcalá pela leitura prévia atenta e pelos comentários valiosos sobre o cenário político contemporâneo da Espanha, cuja inclusão tornou o texto mais próximo da realidade.

3 A propósito desses temas, a mais recente pesquisa do Centro de Investigaciones Sociológicas (CIS) confirma que a percepção dos espanhóis sobre os três principais problemas do país mantém o desemprego como preocupação fundamental para 78% dos entrevistados, ao qual se poderiam agregar os “problemas de natureza econômica”, com 25,1%. O item “corrupção e fraude” ficou em segundo lugar, com 47,5% nesse levantamento de fevereiro de 2016. Extraordinária a evolução deste indicador, que no início do governo do PP, em fevereiro de 2012, atingia apenas 8,6% das respostas. Poderia surpreender que, no mesmo levantamento, o item “Los nacionalismos (el estatuto de Cataluña, independentismo...)” só seja citado por apenas 1,6%, contudo, se trata de um quesito de baixa citação se se considerar a série histórica, tendo atingido seu pico de 6,6% em janeiro de 2006. Nesse sentido, o tema da unidade territorial parece mais sensível para as elites políticas do que para a sociedade. Observações e críticas metodológicas à parte - a pesquisa é feita por meio de resposta múltipla a três indicadores e os resultados finais ponderam as respostas espontâneas e estimuladas -, o CIS é uma instituição governamental de larga reputação em investigações sociais e seus estudos são importantes parâmetros para interpretar o comportamento sociopolítico da sociedade espanhola. Dados completos disponíveis no portal desse órgão: <http://www.cis.es/cis/opencms/ES/index.html>. Acesso em 8 mar. 2016.

4 Os casos aqui mencionados não mencionam o PSOE, mas este ostenta o título nada honroso de um dos partidos mais corruptos do país, cujo caso mais notório envolve graves denúncias de corrupção nos governos anteriores de Andalucía, contabilizando no total 264 casos abertos de investigação, contra 200 do PP.

5 Não seria ocioso recordar que os pioneiros do federalismo moderno conceberam este modelo para a República. Para confirmar essa indissociabilidade, bastaria rememorar a genial metáfora de síntese cunhada por James Madison: “remédios republicanos para males republicanos”.

6 Dois exemplos emblemáticos dessa proximidade que resultou em votos iguais de populares e socialistas no Parlamento europeu: aprovação do TTIP (Acordo de livre comércio entre UE e Estados Unidos), o qual implica rebaixamento dos dispositivos de proteção ambiental, diminuição de direitos trabalhistas, liberalização e desregulamentação do mercado financeiro, dentre outras medidas; e aceitação dos termos do acordo de permanência da Inglaterra na UE imposto pelo primeiro-ministro David Cameron, cuja principal exigência foi a diminuição de direitos trabalhistas para estrangeiros.

7 Sánchez até insinuou essa possibilidade logo após as eleições, quando fez uma visita simbólica a Portugal ainda em dezembro. No vizinho país ibérico as eleições de 2015 produziram cenário semelhante: a coalizão de direita “Portugal À Frente”, liderada pelo Partido Social Democrata e pelo Partido Popular, foi a mais votada, no entanto, não logrou êxito em formar maioria parlamentar, resultando daí um governo de centro-esquerda integrado por socialistas, Bloco de Esquerda e comunistas. Tal viagem, porém, não foi além da publicidade.

8 Disponível em: <http://www.psoe.es/media-content/2016/02/acuerdo-gobierno-reformista-y-de-progreso-2016.pdf>.

9 A íntegra do pronunciamento do candidato, bem como as réplicas dos líderes partidários e tréplicas do postulante são acessíveis no sítio do Congreso de los Diputados. Disponível em: <http://www.congreso.es/portal/page/portal/Congreso/GenericPopUpAudiovisual?next_page=/wc/audiovisualdetalledisponible?codSesion=4&codOrgano=400&fechaSesion=4/03/2016&mp4=mp4&idLegislaturaElegida=11>.

10 A consulta foi contestada em razão de seu caráter demasiado genérico. Na forma de referendo, os filiados respondiam afirmativa ou negativamente à seguinte questão: “El PSOE ha alcanzado y propuesto acuerdos con distintas fuerzas políticas para apoyar la investidura de Pedro Sánchez a la presidencia del Gobierno. ¿Respaldas estos acuerdos para conformar un gobierno progresista y reformista?”. No cômputo final, praticamente 79% dos votantes referendaram a posição da direção partidária.

11 Desde a constituição democrática de 1978, o Parlamento votou e aprovou investiduras de presidente de governo (primeiro-ministro) em 11 ocasiões, cujos resultados se seguem em ordem cronológica com menção ao partido dominante: Adolfo Suárez (UCD/1979): 183 votos; Calvo-Sotelo (UCD/1981): 186; Felipe González (PSOE/1982): 207; Felipe González (PSOE/1986): 184; Felipe González (PSOE/1989): 167; Felipe González (PSOE/1993): 181; José María Aznar (PP/1996): 181; José María Aznar (PP/2000): 201; José Luiz Zapatero (PSOE/2004): 186; José Luiz Zapatero (PSOE/2008): 169; Mariano Rajoy (PP/2011): 187.

12 A insinuação se refere à ação dos Grupos Antiterroristas de Liberación (GAL), agrupamentos que levaram a cabo o terrorismo de Estado contra a ETA durante o primeiro governo de González na década de 1980. As investigações judiciais e jornalísticas do caso evidenciaram que a guerra suja fora financiada por meio de altos dirigentes do Ministério do Interior. Assim seriam caracterizados “crimes de Estado”, enfatizou Pablo Iglesias.

13 Tal hipótese foi finalmente tornada pública na semana seguinte à rejeição da candidatura socialista, com o agravante de que seus autores são dirigentes históricos do próprio PP: Alberto Garre, ex-presidente da comunidade de Murcia, e Jaime Ignacio del Burgo, ex-presidente do partido em Navarra. Para Garre [a substituição de Rajoy] “es un clamor en el PP, pero un clamor silencioso”. Para Del Burgo, o atual presidente “tiene derecho a salir de la Moncloa por la puerta grande y la cabeza muy alta”.

14 O crédito por essa lembrança mais do que oportuna é de Renato Maluf.