revista fevereiro - "política, teoria, cultura"

   POLÍTICATEORIACULTURA                                                                                                    ISSN 2236-2037



 

Tradução de Davi Pessoa CARNEIRO

Nenni

 


Esta carta em versos de Pasolini a Pietro Nenni foi escrita em 1960 e publicada pela primeira vez em “Avanti!”, no dia 31 de dezembro de 1961, juntamente com uma breve nota do autor, publicada posteriormente, em 1982, em “L’Espresso”, aqui traduzida:

 

Caros amigos do jornal “Avanti!”, escrevi estes versos no ano passado, durantes esses mesmos dias. Sempre os conservei, como se costuma dizer, na gaveta, porque sentia vergonha deles: foram jogados ali, de fato, numa manhã. Como tantos outros que não publiquei. Mas a minha vergonha não era apenas estética, era também moral. Tinha medo de que esta “carta a Nenni” soasse como uma espécie de renúncia a certas posições extremas que tenho, ou seja, as únicas com as quais posso viver. E, de fato, na base da inspiração desses versos, há um desânimo profundo, não posso negá-lo. Mas agora penso que, no fundo, tenho o direito de encorajar-me: existem razões também objetivas - além de pessoais - num desalento político. O importante é que o desânimo dure o espaço de tempo de um poema… E, além disso, o “problema” tratado nesses versos se tornou de extrema atualidade, pois é o problema essencial do nosso novo período histórico: e - isso é aquilo que desejo destacar - a sua solução (o centro-esquerda), que um ano atrás me parecia possível - por minhas razões pessoais - pelo desalento, me parece agora, ao contrário, defensável no plano racional e político. Passou apenas um ano e esta “carta sem objetivo” encontrou o seu objetivo. (Depois, em relação à “vergonha estética”, continuei, mesmo que em mínima parte, com um certo cuidado. Naturalmente - é inútil dizê-lo -, é claro que esses versos foram escritos para lhes desejar, amigos do PSI, um feliz ano novo.

 

Nenni 

Era pleno verão, o verão
do ano bissexto, muito triste
para a nação em que sobrevivemos.
Um governo fascista havia caído, e em todos os lugares
havia não um ar novo, mas uma luz
nova que coloria pessoas, cidades, campos,
e o vinte cinco de julho - mesmo com luz
duvidosa, transmitia ao coração uma alegria
excepcional, tal como uma festa.
E eu como o “náufrago que espreita” (escrevo
a um homem que certamente me permite fazer
referência a algumas citações antidannunzianas…),
feliz por ter salvado a pele - o ano foi
duplamente bissexto para mim -
senti, por um instante, dentro de mim, o sentido
de um “poema a Fanfani”: e não apenas
por solidário antifascismo e gratidão,
mas por uma contribuição, embora ideal,
de literato: um “apoio moral”, como se
costuma dizer. A ideia de uma manhã
queimada pelo sol daquele verão,
que alguém amaldiçoara, e cuja brancura
tornava a rica Itália - que zumbia
em praias populares, em grandes hotéis e
nas ruas das Olimpíadas dominantes -
uma imitação de uma civilização sepultada.

Depois, eu estava reduzido a uma única ferida:
se ainda era capaz de resistir,
era por causa de uma força pré-natal, dos avós
paternos ou maternos, não sei, por uma natureza
radicada agora em outra sociedade.
Porém, naquele meu salto, meio
louco e muito racional,
havia uma necessidade real: vejo
melhor agora que a colaboração
é um problema político: e Você o sabe.
Desde 48 somos a oposição:
dozes anos de uma vida: por Você
toda dedicada a esta luta - por mim,
em grande parte, embora pessoalmente
(quantos terrores interiores, quantas raivas).

Com amor eu o vejo amargo,
os olhos e a boina de intelectual,
e aquele rosto familiar, da Romanha,
em fotografias que, se fossem alinhadas,
narrariam a mais verdadeira história da Itália, a única.
Eu ainda usava fraldas, depois me tornei um menino,
e depois um adolescente antifascista por estética
revolta… Timidamente o seguia
através de uma geração: e a vi triunfar
com Parri, com Togliatti, nos grandiosos,
sofridos, picarescos dias do pós-guerra.
Depois recomeçou: e agora,
mesmo distantes, recomeçamos juntos.

Doze anos são, no fundo, toda a minha vida.
E me pergunto: é possível passar uma vida
sempre a negar, sempre a lutar, sempre
fora da nação que vive, no entanto,
excluída de si mesma, das festas, das tréguas,
das estações, quem se coloca contra ela?
Ser cidadão, mas não cidadão,
estar presente, mas não presente,
ficar furioso em toda ocasião feliz,
ser testemunha apenas do mal,
ser inimigo dos vizinhos, ser odiado
de ódio por quem odiamos com amor,
estar num contínuo, obcecado exílio,
mesmo vivendo no coração da nação?

E se não lutamos por nós,
mas pela vida de milhões de homens,
podemos assistir impotentes a uma fatal
paralisação, assim como a expansão, entre eles,
da corrupção, da omissão, do cinismo?
Para querer o desaparecimento desse estado
de injustiça meta-histórica, precisaremos ver
sua reordenação sob os nossos olhos?
Se não podemos realizar tudo, então não é
justo se contentar com a realização de pouco?
A luta sem vitória torna tudo árido.

(Uma carta, habitualmente, tem um objetivo.
Esta que lhe escrevo não tem nenhum.
Acaba com três questões e uma cláusula.
Mas se aqui fosse confirmada a necessidade
de alguma ambiguidade de sua luta,
de sua complicação e de seu risco,
ficaria, do mesmo modo, feliz de tê-la escrita.
Sem sombras a vitória não ilumina).

 

 

 

 

 

 

 

 

foto: Mercedes Torres

 

NENNI

Era il pieno dell'estate, quell'estate
dell'anno bisestile, così triste
per la nazione in cui sopravviviamo.
Un governo fascista era caduto, e dappertutto
c'era, se non quell'aria nuova, quella nuova
luce che colorò genti, città, campagne,
il venticinque Luglio - una sia pur incerta
luce, che dava al cuore un'allegrezza
eccezionale, il senso di una festa.
E io come il "naufrago che guata" (scrivo
a un uomo che certo mi concede il cedere
a delle citazioni dannunziane…)
felice d'aver salvato la pelle - bisestile
doppiamente per me, è stato l'anno -
ho avuto, per un attimo, dentro, il senso
d'un "poema a Fanfani": e non soltanto
per solidale antifascismo e gratitudine,
ma per un contributo, anche se ideale,
di letterato: un "appoggio morale", com'è
uso dire. Fu l'idea di un mattino
bruciato dal sole di quell'estate
che qualcuno aveva maledetto, e il cui biancore
faceva dell'Italia ricca - che ronzava
in lidi popolari e in grandi alberghi,
nelle strade delle Olimpiadi incombenti -
l'imitazione d'una civiltà sepolta.

E poi, ero ridotto a una sola ferita:
se ancora ero in grado di resistere,
lo dovevo a una forza prenatale, ai nonni
o paterni o materni, non so, a una natura
radicata ormai in un'altra società.
Eppure, in quel mio slancio, mezzo
pazzo e mezzo troppo razionale,
c'era una necessità reale: lo vedo
meglio ora, che la collaborazione
è un problema politico: e Lei lo pone.
Dal quarantotto siamo all'opposizione:
dodici anni di una vita: da Lei
tutta dedicata a questa lotta - da me,
in gran parte, seppure in privato
(quanti interni terrori, quante furie).
Con che amore io vedo Lei, acerbo,
gli occhiali e il basco d'intellettuale,
e quella faccia casalinga e romagnola,
in fotografie, che, a volerle allineare,
farebbero la più vera storia d'Italia, la sola.
Io ero ancora in fascie, e poi bambino,
e poi adolescente antifascista per estetica
rivolta… Timidamente La seguivo
d'una generazione: e L'ho vista trionfare
con Parri, con Togliatti, nei grandiosi,
dolenti, picareschi giorni del Dopoguerra.
Poi è ricominciata: e questa volta
abbiamo, sia pur lontani, ricominciato insieme.
Dodici anni, è, in fondo, tutta la mia vita.
Io mi chiedo: è possibile passare una vita
sempre a negare, sempre a lottare, sempre
fuori dalla nazione, che vive, intanto,
ed esclude da sé, dalle feste, dalle tregue,
dalle stagioni, chi le si pone contro?
Essere cittadini, ma non cittadini,
essere presenti ma non presenti,
essere furenti in ogni lieta occasione,
essere testimoni solamente del male,
essere nemici dei vicini, essere odiati
d'odio da chi odiamo per amore,
essere in un continuo, ossessionato esilio
pur vivendo in cuore alla nazione?

E poi, se noi non lottiamo per noi,
ma per la vita di milioni di uomini,
possiamo assistere impotenti a una fatale
inattuazione, al dilagare tra loro
della corruzione, dell'omissione, del cinismo?
Per voler veder sparire questo stato
di metastorica ingiustizia, assisteremo
al suo riassestarsi sotto i nostri occhi?
Se non possiamo realizzare tutto, non sarà
giusto accontentarsi a realizzare poco?
La lotta senza vittoria inaridisce.

(Una lettera, di solito, ha uno scopo.
Questa che io Le scrivo non ne ha.
Chiude con tre interrogativi ed una clausola.
Ma se fosse qui confermata la necessità
di qualche ambiguità della Sua lotta,
la sua complicazione ed il suo rischio,
sarei contento di avergliela scritta.
Senza ombre la vittoria non dà luce.)

 

 









fevereiro #

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