revista fevereiro - "política, teoria, cultura"

   POLÍTICATEORIACULTURA                                                                                                    ISSN 2236-2037



Luiz MARQUES

Roberto Longhi e Giulio Carlo Argan - um confronto intelectual

 


1. Em março de 2012, teve lugar na Accademia dei Lincei e na Villa Medici, em Roma, um Convegno su "Lo storico dell’arte intellettuale e politico. Il ruolo degli storici dell’arte nelle politiche culturali francesi e italiane"1. A iniciativa celebrava o centenário do nascimento de Giulio Carlo Argan (1909) e de André Chastel (1912), sublinhando a importância dessas duas figuras maiores da historiografia artística italiana e francesa no século XX. A celebração oferece a ocasião para se propor, muito modestamente, um confronto intelectual entre Roberto Longhi (1890-1970)2e Giulio Carlo Argan (1909-1992)3, confronto que, até onde sei, não tentou os estudiosos. Apenas Claudio Gamba alude, de passagem, em seu perfil biográfico de Argan, ao fato que este é "um dos clássicos da crítica do Novecentos, por seus indubitáveis dotes de escritor, tão lucidamente racional e conscientemente oposto à sedutora prosa de Roberto Longhi".4 Um contraposto, portanto, pouco mais que de "estilo", e nada mais. O que não surpreende. De fato, se todo contraposto pressupõe logicamente um denominador comum, então uma aproximação entre os dois grandes historiadores da arte parece, ao menos à primeira vista, desencorajante, tal é a diversidade de gerações, das linguagens, dos métodos e, sobretudo, das escolhas e predileções que os mobilizaram.

Além disso, Argan foi reconhecidamente o grande discípulo e sucessor de Lionello Venturi (1885-1961), cujo percurso foi dramaticamente conflituoso com o de Longhi5. Pertencentes à crônica da vida intelectual italiana, tais conflitos interessam-nos hoje na medida em que não resultam de simples choques de personalidades mais ou menos idiossincráticas, ou de áreas de influência e de poder, mas exprimem diferenças plenamente intelectuais que importa caracterizar. As diferenças entre Longhi e Argan aparecem num primeiro momento como simples diversidade de interesses, já que sequer os objetos que os atraíram foram os mesmos: a arquitetura não interessou Longhi, sendo ao contrário o objeto por excelência da reflexão de Argan, que se diploma em 1931 com uma Tese di Laurea sobre o arquiteto bolonhês, Sebastiano Serlio (1475-1553/5), que publica, já em 1936, L’architettura protocristiana a preromanica e românica, vindo a se notabilizar por estudos sobre Palladio (1930), Sant’Elia (1930), Brunelleschi (1955), Alberti, Bramante, Gropius (1951), Borromini (1952), L’architettura barocca in Italia (1977), e sobre a obra arquitetônica de Michelangelo (1990)6. Argan jamais incursionou nos domínios da connoisseurship, saber no qual Longhi, de seu lado, mostrou-se insuperável.

É fato que Argan aderiu sem dificuldade ao buonanotte signor Fattori de Longhi, isto é, a recusa do crítico à pintura de Giovanni Fattori (1825-1908) e em geral a quase todo o Oitocentos artístico italiano, crítica que, a mim ao menos, parece hoje injusta em ambos os historiadores (mas é fácil perceber sua injustiça quase cem anos depois), posto que demasiado "franco-centrista" - tratava-se obviamente de uma blague a partir do Bonjour Monsieur Courbet (1854) - e demasiado obcecada pela ideia de um incontestabile ritardo histórico-artístico italiano (mas, de novo, é fácil percebê-lo à distância de quase cem anos)7. É bem conhecida, em contrapartida, a pouca consideração que a arte abstrata e as experiências das vanguardas do segundo pós-guerra mereceram de Longhi, em defesa das quais, ao contrário, Argan dedicou muito de sua energia. Detectam-se aqui os primeiros dissensos. Longhi lamenta o fato, por exemplo, de Ottone Rosai (1895-1957) ter sido preterido na XXVI Bienal de Veneza de 1952 e é oportuno recordar nesse contexto sua crítica à premiação pela XXVII Bienal, em 1954, de um pintor abstrato como Giuseppe Santomaso, pois as obras do artista são, então, apresentadas justamente por Argan, que Longhi considera "troppo edotto di teoretica"8.

De forma talvez simplificadora, mas não substancialmente falsa, o divisor de águas era, ao menos em parte, a questão do alinhamento quase automático à abstração, triunfante no segundo pós-guerra. Argan, que publicara em 1948 uma monografia sobre Henry Moore, tinha canalizado parte importante de seus esforços no sentido de um aggiornamento da arte italiana do segundo pós-guerra, o que significava colocá-la em sintonia com o novo sistema das artes que então se implantava a partir de Londres e de Nova York. De outro lado, Longhi defendia - e com argumentos sem dúvida afins aos do conceito de organicità que Bianchi Bandinelli avançara em 19509- a especificidade da tradição da síntese plástica da figura, própria da civilização italiana antiga e moderna, especificidade mal compreendida pelo júri das Bienais venezianas, composto sintomaticamente por uma maioria não-italiana:10

Gli ‘astratti’ continuano ad essere i preferiti di una giuria dove sono in prevalenza schiacciante i giudici stranieri. Un difetto di struttura che, anche due anni fa, finì per sacrificare un Rosai alla strana congiunzione Cassinari-Saetti. E che cosa mai dovrebbero sapere gli stranieri di quel nostro studioso corso, affaticato, ma non ignobile, che il padiglione centrale va periodicamente rievocando dall’utimo quarantennio con le mostre ‘antologiche’ e ‘cicliche’? Senza ingiuria, assai meno di quanto possiamo saper noi dell’arte di fuori, e ciò per la forte ragione che la nostra lingua è quasi sconosciuta nel mondo e, per intenderla, si aspetta ch’essa si faccia gergo internazionale.

[Os ‘abstratos’ continuam os preferidos de um júri em que os estrangeiros são maioria esmagadora. Um defeito de estrutura que, inclusive, há dois anos terminou por sacrificar um Rosai à estranha conjunção Cassinari-Saetti. Mas o que poderiam saber os estrangeiros acerca deste nosso estudioso curso, afadigado, mas não ignóbil, que o pavilhão central [da Bienal] vem evocando nos últimos quarenta anos com as exposições ‘antológicas’ e ‘cíclicas’? Sem injúria, bem menos do que podemos nós saber da arte de fora e isto pela forte razão de que nossa língua é quase desconhecida no mundo e, para entendê-la, espera-se que se converta ao jargão internacional.]

 

2. Mas, por distantes que tenham sido seus campos de interesse e o sentido cultural de sua atuação, algumas tangências houve e são justamente por elas que se pode iniciar o contraposto aqui tentado. Antes de mais nada, tangências biográficas. Pertencentes a gerações sucessivas - Longhi, repita-se, é de 1890, Argan, de 1909 - os dois historiadores têm em comum a origem piemontesa, pois enquanto Argan é de Turim, Longhi é de Alba, na província de Cuneo. Em um país como a Itália, marcado por tradições históricas e culturais muito distintas e contrastadas, identidades regionais são elementos por vezes relevantes na constituição de um perfil intelectual. Em especial, se esta origem comum é o Piemonte e se os tempos são os anos em torno de 1900, pois a formação das gerações de Longhi e de Argan não pôde permanecer indiferente ao papel fundamental desempenhado por sua região na solução monárquica e sabauda (isto é, da casa de Savoia) do Risorgimento. É impossível não levar em conta o apelo, ainda vigente nos anos iniciais do século XX, do sentimento de um destino histórico próprio, reencontrado na luta contra os austríacos. Toda criança daquela geração nutrira-se da moral cívica de Cuore (1886) de Edmondo De Amicis, ambientado entre 1878 e 1886 na Turim de Umberto I e Longhi guardou desse romance infantil uma forte recordação11. Mais importante talvez, todo jovem piemontês tinha também contas a ajustar com o legado de Giosuè Carducci, cuja ode sáfica, Piemonte12, composta no auge de seu prestígio em 1890, ano do nascimento de Longhi, era ainda ensinada nos bancos de escola da Turim da geração de Argan13. No que se refere mais particularmente à história da arte em Turim, Longhi e Argan foram marcados pelo magistério de seu comum professor, Pietro Toesca (1877-1962), um dos criadores em 1907 da cátedra de história da arte da Universidade de Turim. Longhi foi seu aluno aos 16 anos e ainda em 1950 ressoava em seu sua memória: "certe parole conclusive della Sua prolusione: ‘prima conoscitori, poi storici’, il cui senso mi fu sempre più chiaro"14. Mais tarde, Argan seguirá seus cursos na Universidade de Roma, onde o eminente medievalista ensinaria entre 1926 e 1948.

A intelligentsia piemontesa nos primeiros decênios do século XX, por diversos que fossem os momentos de Longhi e de Argan, tinha dois desafios comuns. Em primeiro lugar, desmantelar o projeto carducciano de uma poesia em registro heroico, entoada em modo itálico, e substituí-lo pela afirmação do caráter, internamente, policêntrico e, externamente, europeu, da cultura italiana. O antifascismo visceral de Longhi e de Argan está necessariamente implicado neste primeiro desafio de recusar o nacionalismo fascista sem negar a especificidade da civilização italiana. Talvez a melhor formulação dessa atitude seja a Lettera a Parigi que Piero Gobetti escreve, justamente de Turim, em 18 de outubro de 1925, após ser espancado pelos fascistas:15

 

Bisogna amare l'Italia con orgoglio di europei e con l'austera passione dell'esule in patria, per capire con quale serena tristezza e inesorabile volontà di sacrificio noi viviamo nella presente realtà fascista. (...) Le nostre malattie e le nostre crisi di coscienza non possiamo curarle che noi. Dobbiamo trovare da soli la nostra giustizia. E questa è la nostra dignità di antifascisti: per essere europei dobbiamo su questo argomento sembrare, comunque la parola ci disgusti, nazionalisti.

[É preciso amar a Itália com orgulho de europeus e com a austera paixão do exilado em pátria, para compreender com que serena tristeza e inexorável vontade de sacrifício vivemos na presente realidade fascista. (...) Nossas doenças e nossas crises de consciência não podem ser curadas senão por nós. Devemos encontrar sozinhos nossa justiça. E esta é nossa dignidade de antifascistas: para ser europeus, devemos a respeito parecer, conquanto a palavra nos repugne, nacionalistas.]

 

Em segundo lugar, recusar, a exemplo de Croce, o positivismo e o filologismo arquivístico e classificatório, sem, entretanto, se resignar ao silêncio a que a Estética de Croce conduzia quando se tratava de história das artes visuais e, sobretudo, quando se tratava de compreender as crises formais da história recente16. Como, sobre o pano de fundo deste substrato cultural comum, desenham-se as experiências formativas dos dois piemonteses? É preciso salientar aqui dois aspectos, um de caráter local, outro de caráter europeu. No que se refere ao primeiro, deve-se notar a mutação no próprio ambiente cultural e universitário de Turim, então em vias de se tornar um grande polo industrial e urbano. Longhi não reconhece uma grande dívida intelectual ao ambiente da cidade de sua juventude, que ele considera entorpecido de tardo-oitocentismo17. Resta-lhe apenas relembrar com particular afeição sua experiência como aluno, verso il 1906, de um inspirado leitor de Dante, o "inesquecível Umberto Cosmo"18 (1868-1944), um antifascista histórico que seria de resto também professor de outra personalidade importante da Turim daqueles anos, o jornalista e editor Piero Gobetti (1901-1926), morto muito jovem, mas ainda a tempo de marcar Argan, que, de resto, ainda chegou a conhecer Umberto Cosmo. Quando, alguns anos depois, Longhi prepara sua Tese di Laurea sobre Caravaggio, sob a direção de Pietro Toesca, as humanidades tal como professadas na Universidade afiguram-se-lhe destituídas de toda vitalidade e atualidade, e isto a tal ponto que ele prefere então assistir, clandestinamente, aos cursos de direito de Luigi Einaudi, "lapidados em lógica diamantina"19. É possível que sejam ainda os ecos da reputação de Luigi Einaudi que tenham atraído Argan ao curso de direito, que ele deixa incompleto, seduzido que foi pelas aulas de Lionello Venturi, professor na Universidade entre 1914 e 1931.

Estamos, agora, na segunda metade dos anos 1920 e, ao contrário do momento de Longhi, Argan ingressa na Universidade em um momento particularmente rico de renovação intelectual. Por uma curiosa confluência histórica, Turim e, especialmente, sua Universidade tornaram-se então o cenário de uma das mais formidáveis concentrações das humanidades do Novecentos italiano. O crítico literário Giacomo Debenedetti, grande amigo de Argan, define sua experiência daqueles anos como "um período de diálogos apaixonados, animados pela tensão cultural promovida por Croce, Gentile e, em parte, por [Gaetano] Salvemini"20. Uma das chaves para se compreender a particular dinâmica intelectual com a qual Argan adentra na história da arte encontra-se em um ensaio de Debenedetti, "Provável autobiografia de uma geração"21. Mas essa atmosfera é evocada pelo próprio Argan em 1989, em uma intervenção oral, fortemente memorialista:22

Conobbi Giacomo [Debenedetti] a Torino, quand’ero studente: apparteneva alla gerazione che aveva di circa dieci anni preceduta la mia. Facevo parte di un gruppo di orientamento nettamente crociano e insoferente, quanto meno, della crescente volgarità culturale del fascismo: ricordo Leone Ginzburg, Cesare Pavese, Massimo Mila, Norberto Bobbio. I nostri amici più anziani e già culturalmente e politicamente impegnati erano Giacomo Benedetti, Franco Antonicelli, Carlo Levi, Aldo Bertini. Essi avevano vissuto un’esperienza culturale ancora libera, aperta verso l’Europa. Avevano conosciuti Gobetti, forse Gramsci, di cui a noi era impossibile conoscere gli scritti proibiti. Croce era per noi il nostro vero maestro: nei rari ma sempre attesi incontri non ci parlava di politica ma solo di problemi della cultura. Rappresentava per noi la cultura eletta contro l’abbietta, ma a un certo punto si fermava a un limite che non ci sentivamo di accettare. La poesia e la pittura francese che non ammiravamo, non l’interessava: Mallarmé, Rimbaud, Proust, per lui, erano non-poesia. Io studiavo storia dell’arte con Lionello Venturi: era fondamentalmente crociano anche lui, ma si era reso conto che la critica crociana non spiegava nulla o poco dell’arte figurativa. Condannava il Barocc, l’Impressionismo, tutta l’arte del nostro secolo, che - ci spiegava Venturi - era la parte più viva della cultura europea contemporanea.

[Conheci Giacomo [Debenedetti] em Turim, quando eu era estudante. Pertencia à geração de dez anos anterior à minha. Eu fazia parte de um grupo de orientação claramente crociana e indiferente, para dizer o mínimo, à crescente vulgaridade cultural do fascismo: recordo Leone Ginzburg, Cesare Pavese, Massimo Mila, Norberto Bobbio. Nossos amigos mais velhos e já cultural e politicamente engajados eram Giacomo Debenedetti, Franco Antonicelli, Carlo Levi, Aldo Bertini. Tinham vivido uma experiência cultural ainda livre, aberta em relação à Europa. Tinham conhecido Gobetti, talvez Gramsci, cujos textos proibidos eram, para nós, inacessíveis. Croce era o nosso verdadeiro mestre: nos raros, mas sempre esperados encontros, não nos falava de política, mas só de problemas da cultura. Representava para nós a cultura eleita contra a ignóbil, mas em um certo ponto estacava, e era um limite que não podíamos aceitar. A poesia e a pintura francesa que admirávamos não o interessava: Mallarmé, Rimbaud, Proust, para ele, eram não-poesia. Eu estudava história da arte com Lionello Venturi: também ele era fundamentalmente crociano, mas se dera conta de que a critica crociana não explicava nada ou muito pouco das artes figurativas. Croce condenava o Barroco, o Impressionismo, toda a arte do nosso século, que - explicava-nos Venturi - era a parte mais viva da cultura europeia contemporânea."]

 

Em suma, contrariamente a Longhi, Argan vive na Universidade uma experiência de formação intelectual verdadeiramente de grande cenáculo, membro que era daquela "Confraternità D’Azeglio", de que faziam parte alguns dos nomes mais importantes da Turim (e mesmo de toda a Itália) antifascista de sua geração: Cesare Pavese (1908-1950), Carlo Dionisotti (1908-1998), Leone Ginzburg (1909-1944), Norberto Bobbio (1909-2004), Massimo Mila (1910-1988), Vittorio Foa (1910-2008), Giancarlo Pajetta (1911-1990), Giulio Einaudi (1912-1999), Luigi Firpo (1915-1989) e Arnaldo Momigliano (1908-1987)23. Este último, particularmente, deve ser mencionado por ter deixado da Universidade de Turim um testemunho precioso. Em um artigo intitulado "A Piedmontese View of the History of Ideas", o historiador da Antiguidade sublinha, com efeito, como as humanidades na Universidade de Turim daqueles anos fossem fortemente marcadas pelo historicismo alemão24. No ano, por exemplo, em que Argan ingressa na Universidade, em 1924, Federico Chabod (1901-1980), após defender sua Tese sobre Maquiavel em Turim, parte para Berlim, recomendado por Croce, para estudar sob a direção de Friedrich Meinecke. Momigliano mostra, em suma, que é através dessa vertente germânica da história das ideias que a história da cultura, que remontava a Burckhardt, chega a Turim, fato que não deve evidentemente ser negligenciado na reconstituição da gênese do repertório e das inclinações intelectuais de Argan.

 

3. Esta familiaridade da Faculdade de Letras, Filosofia e História da Universidade de Turim com a Ideengeschichte germânica terá favorecido em Argan a mais plena assimilação de um fenômeno intelectual que deve ser considerado como o segundo aspecto maior da diferença de gerações entre Longhi e Argan, aspecto este de envergadura europeia: a irradiação na Itália dos estudos interdisciplinares sobre a civilização italiana, gerados por Alois Riegl, Max Dvorak, Aby Warburg, Erwin Panofsky e Edgar Wilde, entre outros. Uma recepção mais generalizada na Itália dos estudos promovidos, desde os anos 1930 pelo Warburg Institute não ocorrerá, na realidade, senão após a Segunda Guerra Mundial. Mas já desde 1929, Croce citava o Idea de Panofsky em seu Aesthetica in nuce; já desde 1930, ano da morte de Warburg, o grande filólogo italiano, Giorgio Pasquali, assinalava a importância da obra de Warburg e, enfim, já desde 1937, Giuseppe De Logu traduzia para o italiano, ainda que parcialmente, A Escultura Alemã dos séculos XI ao XIII, de Panofsky25. Ao resenhar a edição italiana da Storia della Critica d’Arte de Lionello Venturi, em 1947, Argan observa que entre os grandes interlocutores de seu mestre desde a primeira edição da obra (em inglês), em 1936, estão Riegl e Dvoràk. Desde esse texto de 1947, Argan mostra-se não apenas familiarizado com a tradição germânica, o que não surpreende dado seu background turinense, mas, sobretudo, capaz de propor dessa tradição uma interpretação "social", não isenta de sensibilidade marxista ou gramsciana, diríamos hoje, já "arganiana". Assim, após notar o quanto a historiografia artística germânica é então ainda pouco conhecida da crítica italiana, ele sublinha:26

 

la preoccupazione sociale che traspare nei concetti del Riegl di Volksgeist, e di Kunstwollen (dove già affiora, tra molte contraddizioni, una spiegazione etica dell’arte), o nella stessa impostazione del Dvoràk della storia dell’arte come storia dello spirito.

[a preocupação social que transparece nos conceitos de Riegl de Volkgeist e de Kunstwollen (onde já aflora entre muitas contradições uma explicação ética da arte), ou na própria formulação de Dvorak da história da arte como história do espírito]

 

Antes de ser marxista, a história da arte construída por Argan é uma história das formas simbólicas, no sentido que lhe emprestam o pensamento de Ernst Cassirer e de Panofsky. Na realidade, até as incursões de Carlo Guinzburg na história da arte, nenhum estudioso italiano foi mais panofskiano que Argan, mesmo (ou sobretudo) quando tenta reduzir a iconologia panofskiana a um momento da elaboração de sua própria visão. Atente-se, entre tantas outras, para a seguinte passagem:27

 

Estudando uma Crucificação (de Antonello da Messina ou de Mantegna, por exemplo), nem todos observam os detalhes, como os seixos que estão na base da cruz. Aqueles seixos não são apenas um ‘capricho’ do pintor; talvez descubramos que esse detalhe, aparentemente insignificante, possui um valor alusivo ou simbólico.

 

E a análise que propõe a seguir da Ressurreição de Cristo de Piero della Francesca, no Museu Comunal de Sansepolcro, poderia perfeitamente ter saído da pena de Panofsky. Para ambos, o problema da semântica da forma permanece o de entender a natureza da relação entre forma visual e pensamento discursivo que convive na obra de arte, problema a que se retornará adiante.

 

4. Em todo o caso, para Argan, dada sua específica formação intelectual, era fácil dar o passo que o levaria do historicismo alemão dos anos ‘20 a um marxismo particularmente atento à questão da cultura, um marxismo à maneira de Gramsci. Que Croce tenha sido o grande interlocutor, ainda que apenas "mental", de Gramsci, era um fato que não fazia senão reforçar a aposta em uma filosofia que, para além de seu antifascismo tout court, garantisse ao mesmo tempo uma superação do antifascismo idealista de Croce. Para Argan, como para Bianchi Bandinelli (1900-1975) e para tantos outros, o PCI, que sempre tomou as devidas distâncias em relação à barbárie estalinista, oferecia uma possibilidade de exprimir no plano de um concreto engajamento político a consciência crítica e a responsabilidade moral dos intelectuais28.

É quase supérfluo lembrar que nada poderia parecer mais esdrúxulo a Longhi que tal conúbio entre história da arte como história do espírito e engajamento político. É bem verdade que Longhi mostra-se, então (como bem lembra Giovanni Previtali no perfil biográfico que traça de seu mestre), particularmente sensível à agenda dos intelectuais no momento histórico da "reconstrução" da Itália do segundo pós-guerra, quando afirma no programático texto de abertura de sua revista Paragone, de 1950, que a resposta do historiador da arte diante da obra de arte:29

non involge soltanto il nesso tra opera e opere, ma tra opera e mondo, socialità, economia, religione, politica e quant’altro ocorra.

[não envolve apenas o nexo entre obra e obras, mas entre obra e mundo, sociedade, economia, religião, política e tudo o mais.]

 

É ainda Previtali que chama a atenção para a disponibilidade "iluminista" que Longhi mostra então para elevar a "cultura média" da Itália de seus dias, seja ao se valer da linguagem cinematográfica para mostrar a arte de Carpaccio e de Caravaggio, seja pela elaboração de exposições didáticas, seja ainda por uma escrita mais acessível, como é a de seu Caravaggio de 1952, seja, por fim, por um "accostamento alle posizioni del Partito comunista".

Isto posto, nenhum intelectual é menos "orgânico" que Longhi. Seu antifascismo deriva de sua convicção de que a arte é o fruto do exercício da fantasia e da liberdade individual do artista, irredutível a todo ideário, a todo programa, seja ele político ou doutrinário. Este é o fundo ideológico de sua adesão a certa ideia de uma Europa nascida do humanismo românico do século XII (ela mesma depositária do legado da civilização latina) e é também o fundo ideológico de seu grande processo contra a "mão morta" da arte bizantina do séculos XII e XIII, atrofiada pelo Estado e pela doutrina:30

 

E poiché con questo non s’intende già di negare ai popoli dell’impero bizantino la facoltà di fare arte, ché quasi varrebbe negar loro l’umanità stessa, si vorrà significare che fu qualcosa d’altro a impedirli in quell’aspetto dell’umano che nell’arte si esprime; e fu dunque il limite teocratico o liturgico o cesareo che si voglia chiamare. Nè mancò chi riconoscesse, nel fatto iconoclastico iniziale, il riflesso islamico. E non oppresse per sempre l’islamismo la facoltà di fare arte di figura? O, in altra fosca età, non sentimmo anche noi, con le nostre orecchie, l’esortazione cesarea: ‘meno statue, meno quadri’ e via di seguito?

[E posto que com isso não se entende negar aos povos do Império bizantino a faculdade de fazer arte, o que quase equivaleria a lhes negar a própria humanidade, o que se pretende significar é que foi outra a razão que lhes impediu este aspecto do humano que na arte se exprime; e essa razão foi portanto o limite teocrático ou litúrgico ou cesariano como se preferir chamá-lo. Nem faltou quem reconhecesse no fato iconoclasta inicial o reflexo islâmico. E de fato o islamismo não oprimiu para sempre a faculdade de fazer arte de figura? Ou, em outra fosca idade, não sentimos também nós, em nossos ouvidos, a exortação cesariana: ‘menos estátuas, menos quadros’ e assim por diante?]

 

Neste singular paralelo entre Bizâncio e os diversos totalitarismos do século XX, explicita-se a irredutibilidade de Longhi a toda tentativa de compatibilizar a criação artística com um a priori ideológico emanado do Estado ou do partido. Todo o programa político de Longhi está contido in nuce nessa passagem e, de forma geral, no texto de onde se origina, que permanece, creio eu, o mais sublime de seus ensaios: Giudizio sul Duecento, escrito às vésperas da Guerra em 1939 e publicado em 1947. Um texto que decerto incorre em alguma injustiça em relação à arte bizantina ou toscana dos séculos XII e XIII, mas cuja inteligência e fervor crítico emanam de uma esfera de exigência intelectual e moral que torna irrelevante qualquer outra consideração. Sua fé na liberdade do indivíduo no ato da criação artística poderia figurar como um capítulo no mítico projeto de Lord Acton (1834-1902) de escrever uma History of Liberty, e nada perdeu de sua força moral nos dias do novo sistema financeiro das artes em que vivemos. O ideal de saber de Longhi formara-se como síntese do ideal iluminista de Luigi Lanzi (1732-1810) - de cujo estilo sumamente elegante ele fora capaz em 1922 de propor um dos mais belos pastiches de toda a literatura do Novecentos31-, da radical modernidade crítica de Baudelaire e da connoisseurship de Giovanni Battista Cavalcaselle (1819-1897), Adolfo Venturi e Pietro Toesca. Coube a Longhi explorar e levar às últimas consequências as obras dos dois últimos, que foram seus mestres, bem como a de Berenson (1865-1959), que mais que ninguém, talvez, estimulou-lhe o senso de emulação, superando-as, ademais, por uma crítica de suas premissas, positivistas no caso dos mestres italianos, e psicologistas no caso de Berenson32. De outro lado, o universo mental de Longhi provinha de um momento da língua italiana não indiferente a D’Annunzio, a cuja ourivesaria sintática ele se obrigou aos poucos - por uma ética interior de austeridade, e exterior de didática -, a renunciar33.

No segundo pós-guerra, Longhi e Argan encontram-se lado a lado (juntamente com Giuliano Briganti) na comissão de reordenação do patrimônio artístico italiano e de recuperação das obras de arte roubadas das coleções italianas pelos nazistas. E é a ocasião para Longhi de saudar Argan como "um valente inspetor central da nossa administração artística"34, saudação particularmente afetuosa, se lembrarmos de seus desafetos por Venturi e de suas reservas à administração cultural do Estado, sobretudo no que concerne à conservação dos monumentos artísticos do passado, manifestas em um artigo justamente de 194835. Argan, adentrando os 40 anos, está por sua vez à frente de tremendas responsabilidades de tutela e conservação do patrimônio cultural diminuído pela guerra e na iminência de firmar sua centralidade no cenário universitário italiano. A defasagem de geração tenderá a ser doravante cada vez menos importante, tanto mais porque a catástrofe do fascismo e da guerra tornara anacrônicas tantas das diferenças que pareciam intransponíveis no passado. Longhi, então com 55/60 anos, tem mais 20 a 25 anos de atividade pela frente, anos fundamentais de sua carreira de estudioso e de universitário nas Universidades de Bolonha (onde lhe foi discípulo Pasolini)36e Florença, onde ele formará e colaborará com uma plêiade de historiadores da arte da importância de Francesco Arcangeli (1915-1974), Giuliano Briganti (1918-1992), Federico Zeri (1921-1998), Mina Gregori (1924), Ferdinando Bologna (1925), Carlo Volpe (1926-1984), Enrico Castelnuovo (1929), Andrea Emiliani (1931), Giovanni Previtali (1934-1988), Luciano Bellosi (1936-2011) e Bruno Toscano.

 

5. É a partir deste momento, vale dizer, dos anos ‘50, que o confronto entre Longhi e Argan, cancelada a defasagem geracional, passa a ser pensável em termos de um puro confronto de ideias. Não se trata, aqui, de tentar um inventário das diferenças. Baste-nos restringi-las a três casos em que o confronto é, por assim dizer, estruturante de seus pensamentos: Piero della Francesca, Fra Angelico e, curiosamente, um pintor do Novecentos como Arturo Tosi. Ora, o que tais artistas dizem aos dois críticos é claramente diverso. Comentando as possíveis influências francesas que o próprio Tosi reconhecia em um texto de 1931, sem entretanto as nomear, Longhi escreve em 1956:37

Chi aveva in mente, il Tosi, nel suo nuvoloso omaggio? Neppure un critico acclimatato in Francia, come Waldemar George, si interessò di approfondire la vicenda nel suo libretto del ’32 sul Tosi ‘peintre classique et peintre rustique’; e un mio cenno del ’38 sul possibile collegamento mentale col Bonnard vene lasciato cadere (per sfiducia palese non già verso il Tosi, ma verso il Bonnard!) dall’ardua monografia tosiana del professor Argan (1942), dove viene anzi tirato in ballo in Cézanne; che fu pittore di una problematica formale ben altrimenti angosciosa.

[Quem Tosi tinha em mente em sua nebulosa homenagem? Nem mesmo um crítico aclimatado à França, como Waldemar George, interessou-se em aprofundar a questão em seu opúsculo de 1932 sobre Tosi, ‘peintre classique et peintre rustique’; e minha sugestão de 1938 acerca de um possível vínculo mental com Bonnard foi abandonado (por desapreço não já por Tosi, ma por Bonnard!) pela árdua monografia sobre Tosi do professor Argan (1942), onde vem à baila Cézanne; que foi pintor de uma problemática formal bem diversamente angustiante.]

 

Da mesma maneira, em Piero della Francesca, Argan procura naturalmente a perspectiva, isto é, o que ele chama "a unidade formal absoluta de espaço e tempo"38; Longhi, ao contrário, os vínculos com a pintura veneziana. A perspectiva é, de resto, um objeto privilegiado da interrogação de Argan, que a ela dedicou estudos antológicos, e não por acaso, já que, pela perspectiva, a pintura exprime e anuncia um novo estatuto ontológico do espaço, categoria geométrica, racional e intelectual por excelência. Longhi, ao contrário, dedicou, em 1952, um único ensaio à questão da perspectiva, "Giotto spazioso", isto é, justamente a um pintor que mantém com a perspectiva uma relação puramente intuitiva, não mediada por qualquer esquema mental euclidiano e não pictórico. E ainda quando tratou da perspectiva no Quatrocentos, Longhi preferiu os artistas que dela se utilizam para verter em pintura, não um construto, mas uma desarmante fantasia espacial, como é o caso dos pintores da Officina ferrarese. Enfim, em Fra Angelico, as divergências se explicitam de modo mais circunstanciado: quem quer que tenha lido uma página de Longhi sobre o Quatrocentos florentino sabe de seu esforço por revalorizar a intuição de Vasari, segundo a qual Angelico é um dos primeiros e mais entusiastas partidários das grandes conquistas plásticas de Masaccio. Nada é, de fato, mais proverbial, no grande crítico, que sua intolerância pela abordagem pré-rafaelita, nazarena, purista ou neo-devocional a que a historiografia oitocentista reduzira os afrescos de São Marcos. Além disso, Longhi sempre foi reticente a toda analogia explícita entre a forma visual e o pensamento discursivo. Assim, quando, em 1955, Argan recusa esta filiação direta de Masaccio e fala de um Angelico "tomista", ele transgride no entender de Longhi dois preceitos de boa crítica:39

L’Argan trascorre addirittura a parlare di um Angelico ‘tomista’; che è certamente dir troppo. Non è punto difficile, sappiamo, citare più di un tratto di San Tomaso dove parli di luce e di colori (e tanto varrebbe risalir più addietro, fino a Sant’Agostino e, magari, a Plotino), ma, per la contraddizione che non lo consente, non sarà mai lecito assumere che si tratti della luce e dei colori come li intendeva e vedeva, secoli dopo, l’Angelico; e che infatti, gli venivano dalle nuove osservazioni fisiche e (per i nuovi tempi) realistiche dei suoi grandi amici.

[Argan chega até mesmo a falar de um Angelico ‘tomista’, que é certamente excessivo. Sabemos não ser nada difícil citar mais de uma passagem de São Tomás onde se fale de luz e de cores (e melhor seria, neste caso, remontar a Santo Agostinho e, decerto, a Plotino), mas, porque a contradição não o consente, não será jamais lícito assumir que se trate da luz e das cores como as entendia e as via, séculos depois, Angelico; e que lhe vinham, de fato, das novas observações físicas e (para os novos tempos) realistas de seus grandes amigos" (Masaccio, Alberti, Donatello).]

 

6. Com estes três casos - Piero, Angelico e Tosi - não se esgotam, mas quase (poderíamos ainda citar Picasso e outros exemplos), os momentos de tangência entre as obras de ambos os estudiosos. Não é, certamente, muito. Mas a própria dificuldade de ampliar o terreno comum a partir do qual estabelecer comparações entre Longhi e Argan não é desprovida de significação e será mesmo, em certo sentido, mais reveladora que quaisquer comparações pontuais. Porque, mais do que propor respostas diversas às mesmas questões, Longhi e Argan distinguem-se, antes de mais nada, pela diversidade das questões que lançam à obra de arte. Em termos gerais, Argan procura revelar na obra de arte a fenomenologia de um pensamento; Longhi, a expressão pictórica de uma singular experiência emocional diante do visível. Os artistas de Argan são, sem dúvida, e não por acaso, Brunelleschi, Alberti, Leonardo e Michelangelo arquiteto, pensadores da forma, artistas pertencentes ao que se considera consensualmente o momento de apogeu da civilização visual italiana. Para Longhi, não é o Renascimento o apogeu dessa civilização, mas, inequivocamente, o Trecento, que ele declara ser, sem nenhum resquício de dandismo, "o século de ouro" da pintura italiana. Os artistas de predileção de Longhi, ou ao menos os artistas em que sua capacidade crítica revela-se exponencialmente, são Cimabue, Duccio e Giotto, Stefano fiorentino, Giottino, Giusto di Menabuoi e Giovanni da Milano, pintores dos séculos XIII e XIV, de um frescor e de um lirismo em que se evidenciam a vontade de um novo contato com o visível. Apoiando-se em um Vasari revitalizado por uma leitura intensamente interpretativa, Longhi reivindica a modernidade desses pintores do século de Dante, e a reivindica contra os admiradores transatlânticos dos "primitivos", que ele ironiza e lança ao ridículo. Masaccio, antes de ser este Brunelleschi da pintura em que o converte Argan40, será então para Longhi o restaurador das intuições poéticas do primeiro terço do século XIV, decisivas para o destino da moderna civilização italiana e ocidental, incompreendidas, no entanto, pelo academismo florentino da segunda metade do século XIV. Partindo de tais premissas, o Renascimento, aos olhos de Longhi, não poderia não resultar totalmente transfigurado. Hoje ainda, seu Renascimento assombra e não cabe nos esquemas históricos oficiais; mas nos anos ‘30 e ‘40 deviam certamente aparecer como um terremoto, a partir do qual tantos pintores, quase desconhecidos ou considerados até então como petits maîtres, recuperavam ou adquiriam pela primeira vez sua verdadeira dimensão, por vezes genial. Longhi abomina o óbvio. Basta dizer que os grandes ausentes de seus estudos renascentistas são Michelangelo e Rafael, aos quais ele dedica apenas três ensaios marginais e ainda por cima sobre suas obras de juventude - aí incluída a Ressureição do Museu de Arte de São Paulo - que ele é, de resto, o primeiro a atribuir ao mestre de Urbino. O que lhe interessa não é a oposição categorial entre clássico e não-clássico ou anticlássico, mas as tensões atuantes no interior do clássico. Florença e Pádua interessam-no igualmente no século XV, mas o interessam como uma antinomia mental diante do patrimônio visual latino. Um dos textos mais conhecidos, mais citados e, sem dúvida, mais reveladores de como Longhi problematiza a antinomia clássico/anticlássico é sua Lettera pittorica a Giuseppe Fiocco (1926), na qual descreve com quase alucinada imaginação o ateliê de jovens pensionistas do pintor Francesco Squarcione (1397-1468), em cujo âmbito nasce a arte de Mantegna:41

Per quanto ciò possa sembrare fantastico, sento profondamente che tutto ciò [che] avvenne tra Padova e Ferrara e Venezia tra il ’50 e il ’70 - dalle pazzie più feroci del Tura e del Crivelli, alla dolorosa eleganza del giovane Giambellino, alla apparentemente rigorosa grammatica mantegnesca - ebbe la sua origine in quella brigata di disperati vagabondi, figli di sarti, di barbieri, di calzolai e di contadini che passò in quei vent'anni nello studio dello Squarcione. (...) Così la grammatica di Mantegna, con tutta l’intenzione di esser classica, fu nel fondo anticlassica. (...). Il misticismo archeologico del Mantegna è sullo stesso piano del misticismo minerale dei ferraresi. In entrambi i casi si tratta di una trasformazione subbiettiva e passionale della ricerca organica e d’analogia naturalista creata dai toscani. (...) Di fronte al Donatello veramente adrianeo nell’altare del Santo o al Masaccio della cappella Brancacci, gli affreschi degli Eremitani sembran dipinti da una squadraccia di barbari che si preparino ferocemente al diploma di latino.

[Por quanto possa parecer fantástico, sinto profundamente que tudo o que ocorreu entre Pádua e Ferrara e Veneza entre os anos 1450 e 1470 - das mais ferozes loucuras de Tura e de Crivelli, à dolorosa elegância de Giovanni Bellini, à aparentemente rigorosa gramática de Mantegna - teve sua origem naquela brigada de desesperados vagabundos, filhos de alfaiates, de barbeiros, de sapateiros e de camponeses que passou naqueles vinte anos pelo ateliê de Squarcione. (...) Assim, a gramática de Mantegna, com toda a intenção de ser clássica, foi no fundo anticlássica. (...). O misticismo arqueológico de Mantegna está no mesmo plano do misticismo mineral dos pintores de Ferrara. Em ambos os casos, trata-se de uma transformação subjetiva e passional da pesquisa orgânica e de analogia naturalista criada pels toscanos. (...) Diante do Donatello verdadeiramente adriânico no altar do Santo [na basílica de Sant’Antonio em Pádua] o ao Masaccio da cappella Brancacci, os afrescos dos Eremitani [em Pádua] parecem pintados por um bando de bárbaros que se preparam ferozmente ao exame de latim.]

 

Fascinam-no, em suma, pintores que a forma mentis acadêmica ulterior tornou exóticos; fascinam-no, os artistas "mundanos" do Quatrocentos lombardo, como Carlo Braccesco42, e será, de resto, ao longo do ‘500, com a tradição propriamente ferrarense e lombarda, que Longhi se identificará sobremaneira: de Dosso a Lotto a Savoldo a Moretto e a Moroni. Percebe-se, pela primeira vez, como é hoje bem sabido, que são os lombardos, e não os venezianos, as condições de possibilidade de Caravaggio, cujo gênio parece-lhe finalmente anunciar a última grande vocação poética da pintura italiana, continuada em Nápoles por Caracciolo, Mattia Preti e os grandes mestres do que se veio a chamar os "pintores da realidade", até Gaspare Traversi. Essa convicção de Longhi de que a civilização italiana tem por vocação, sobretudo, uma aderência lírica à figura43permite compreender por que se refere ele ao contexto ideológico e intelectual em que se movem as obras de arte de modo apenas alusivo, ele que, entretanto, o conhece com imensa erudição.

 

7. O contraste com Argan, que reage à pintura e à arquitetura, contrapondo-lhes com igual erudição, mas quase metodicamente, equivalências ou ressonâncias literárias, retóricas e filosóficas, leva-nos ao âmago das diferenças entre os dois historiadores. Para Argan, a história da arte como disciplina pertence de pleno ao concerto das ciências humanas, pretensão escorada no fato de a arte ser, ela própria, um modo peculiar de pensamento. Fazer história da arte será ipso facto fazer história das ideias. Mas como é possível a Argan afirmar que a arte é um modo de pensamento e, ao mesmo tempo, manter intacta o preceito da autonomia da forma artística, autonomia que lhe garantiria um princípio próprio de inteligibilidade? Toda tentativa de resposta a esta questão supõe enfrentar a questão da natureza da relação entre os diversos níveis de significação que nela convivem. É importante, aqui, antes de mais nada, não perder de vista o sentido da indagação arganiana. Trata-se aqui de tentar entender como uma forma é, enquanto forma, pensamento. Talvez o que melhor defina a sensibilidade intelectual de Argan é sua convicção de que a obra de arte, como a sociedade humana que ela supostamente exprime, é uma ordem, uma racionalidade inteligível. Partamos de um texto de autoridade: a interpretação do pensamento de Argan proposta por um seu reconhecido discípulo, Maurizio Calvesi:44

A literatura sobre arte, de Vasari em diante, ensinou-nos a apreciar e a avaliar a bravura, a invenção e a sensibilidade dos artistas, algumas de suas ideias isoladas e inclusive alguns ‘conceitos’ expressos em suas obras. Antes de Argan, não nos havia ela, entretanto, introduzido na crucial intimidade de seu ‘pensamento’, pensamento entendido como lugar orgânico e finalidade (não apenas teórica, mas também ideológica) da criação, como momento, portanto, não abstrato, mas substancial e substanciante, como motor genético, dir-se-ia, da própria invenção formal. O que Croce chamava ‘intuição’ (e que intuição efetivamente é, mas não indiferente e miraculosamente suspensa), Argan nos fez compreender que é, exatamente, ao mesmo tempo e sem contradição, pensamento, uma forma articulada, ainda que sintética, de pensamento, unitária de ‘ideias’ de impulsos e de sentimentos, reconstruível naquele processo (sistemático como em uma ‘câmara lenta’) que é a crítica.

 

Para explorar como o pensamento é este "motor genético da própria invenção formal", Calvesi lança mão de diversas fórmulas que, admitindo como premissa lógica a diferença entre arte e pensamento, decreta subitamente a identidade entre ambos os termos: a intuição artística seria "ao mesmo tempo e sem contradição, pensamento". A obra de arte é uma "forma articulada" e ao mesmo tempo é uma "forma sintética". Como entender essa identidade entre articulação, que supõe análise, e síntese formal? Por que operação se produziria esta unidade do diverso e mesmo do oposto? É inevitável recorrer à estratégia maior de afirmação da unidade de uma antinomia: o modelo da lógica dialética. O paradigma é bem conhecido; e não menos conhecido é a crítica (vulgar) que se lhe costuma endereçar: a Estética de Hegel, segundo essa crítica, subsumiria a arte ao conceito, considerando aquela um momento da fenomenologia deste. Por certo, Argan não incorre numa crítica redutora do pensamento hegeliano. Não haveria de lhe escapar que definir negativamente o absoluto do conceito seria uma contradição nos termos, pois equivaleria a afirmar que há algo fora do absoluto. Portanto, a forma artística, relativa e contingente, é parte do absoluto hegeliano, que se define inteiramente na história e como história. No prefácio da Fenomenologia do Espírito, que Argan por certo conhecia bem, Hegel define o absoluto como a unidade do infinito e do finito45, unidade portanto da Ideia e de todas as determinações de suas formas históricas particulares, aí compreendida a obra de arte. De onde se poder reconduzir o pensamento de Argan a um Hegel possivelmente mediado por Croce, que em 1912 afirmava em seu Breviario di Estética:46

É inútil evocar o princípio da unidade do espírito, que não é abalado, mas, antes, reforçado pela nítida distinção entre fantasia e pensamento, porque só da distinção nasce a oposição e da oposição, a unidade concreta.

 

Isto posto, parece fundamentalmente correta a ideia de Calvesi de que o pensamento de Argan não é inteiramente assimilável a Hegel, e em particular à intuição crociana, e é o próprio Argan, como visto acima, que define suas reticências em relação ao classicismo restritivo de Croce.

Em Argan, em suma, a unidade entre arte e pensamento não é redução da arte ao conceito, mas condição de possibilidade de uma transitividade, não dada, mas sempre latente, entre diversas funções criadoras do espírito. Ora, se a transmutação da forma em pensamento é uma capacidade em potência, a função da crítica, ou ao menos uma de suas funções mais ambiciosas, seria realizar esta potencialidade, percorrendo as vias (ou antes, criando-as) através das quais esta transitividade entre forma e ideia se efetua.

Um exemplo desta operação crítica, em Argan, é suficiente para caracterizá-la em sua plenitude. Como se sabe, a obra pictórica da primeira maturidade de Michelangelo, do tondo Doni (datável problematicamente entre 1504 e 1507) aos afrescos da abóboda da Capela Sistina (1508-1512), foi considerada pioneiramente por Longhi, desde o início dos anos ‘40, como a matriz dos mais importantes desenvolvimentos da maniera florentina, e posteriormente europeia. Em 1982, a iluminação de Longhi já se tornara um ponto pacífico; perdera, por assim dizer, seu copyright, e Argan a retoma como um ponto de partida de ulteriores desdobramentos especulativos. Diante das violentas justaposições cromáticas de Michelangelo, reveladas em 1985 pelos primeiros resultados da limpeza das lunetas da Capela Sistina, a crítica de Argan reage no sentido justamente de precisar o enjeu filosófico da cor em Michelangelo:47

Colorista é um vocábulo de pouco significado e em nenhum modo referível a Michelangelo, que da cor não teve o gosto, mas um conceito filosófico transcendental. (...) Desde suas primeiras pinturas, Michelangelo tinha procurado aproximações dissonantes, cores que não unissem, mas separassem, subissem sozinhas aos timbres mais altos. (...) Com a ressurgida violência do primeiro furor cromático, as lunetas [da Capela Sistina] provam que foi justamente Michelangelo a encontrar aquela teoria maneirista da cor, fundada sobre dissonâncias quase dodecafônicas, que poucos anos depois aparecerá já amadurecida nas obras de Pontormo e Rosso. Depois, Vasari ocupou-se em ocultar o cromatismo do mestre para reconhecer aos toscanos o primado do desenho, aos vênetos o do tom. A distinção correta era, na realidade, entre duas concepções da cor: tímbrica ou qualitativa em Michelangelo, tonal ou quantitativa em Tiziano. Uma filosofia do ser em si e uma filosofia do ser-em-relação, no mundo.

 

8. Seria imprudente afirmar que Longhi recusaria a tais asserções qualquer teor de verdade. É apenas possível afirmar que ele não as propôs. E isto porque não pertencem às regras do gênero de discurso que ele define como próprios à história da arte. Contrariamente a Argan, para Longhi, o fenômeno artístico mantém com o pensamento uma tensão mais destrutiva que reveladora. Para ele, a historiografia artística, vale dizer, a história da crítica de arte, é a "história das evasões, exitosas ou não, das comportas doutrinais". E como não seria assim, se há, para ele, uma contradição irreconciliável entre arte e pensamento? No manifesto fundador de sua revista Paragone, de 1950, ele escreve a respeito:

Chi disse che anche Socrate non ne abbia qualche colpa com l’accenno al vasaio? Sopprimer l’arte è certo più difficile (...) ma la filosofia, quando riuscì a passare in istituzione, non mancò di provarsi anche in questo.

[Quem diz que inclusive Sócrates não tenha culpa, com seu exemplo do ceramista? Suprimir a arte é de certo mais difícil, (...) mas a filosofia, quando conseguiu tornar-se em instituição, não deixou de tentar inclusive isto.]

 

De tais premissas, as conclusões: invenção formal e conceito, para Argan, são categorias em contínua reação alquímica, da qual resulta a obra de arte. Para Longhi, invenção formal e conceito permanecem, por natureza, categorias heterogêneas e, em potência, reciprocamente hostis. Tal é a razão porque para Longhi, bem longe de reivindicar cidadania nas ciências humanas, a história e a crítica de arte devem ser uma forma particular de ekphrasis48. Por ekphrasis, entende-se aqui um discurso que alie saber histórico, precisão filológica e as qualidades de escrita de um talento literário, pois só a combinação de tais qualidades é apta a criar os "equivalentes verbais" do valor poético de uma forma, pintada em um preciso momento histórico, em um preciso contexto cultural e por uma insubstituível personalidade artística. Longhi conclama o historiador da arte a conceber seu ofício, antes de mais nada, como um saber rigoroso do ponto de vista histórico e filológico, contrário por conseguinte a toda tentação idealizante e estetizante, mas a concebê-lo ao mesmo tempo como uma "risposta parlata alle opere d’arte"49. A história da arte será portanto, em Longhi, não uma ciência humana, mas um gênero literário, e como tal, não plenamente acessível ao não-escritor: "Nada de estetizante", insistirá ele em 1950 em um trecho muito citado do primeiro editorial de sua revista Paragone50, "na exigência de recolocar a crítica, e por isso a história da arte, não digo no seio da poesia; mas, certamente, no coração de uma atividade literária". Consequentemente, seus modelos de críticos de arte são, como ele próprio os elenca em 1950, Paulus Silentiarius, Dante, Vasari, Baudelaire, Huysmans, Paul Valéry, Félix Fénéon...

Ainda sobre literatura, uma última precisão faz-se necessária, sobre os modos diversos como Longhi e Argan dela se apropriam. Proust, melhor que qualquer outro exemplo, mostra como se distinguem esses modos. No texto acima citado de 1989 sobre Debenedetti, Argan recorda como a leitura da Recherche, estimulada pelo amigo, havia-lhe: "aiutato a capire in profondità, nella struttura linguistica la pittura impressionista e post-impressionista". [ajudado a compreender em profundidade, na estrutura linguística, a pintura impressionista e pós-impressionista.]

Há aqui, portanto, a suposição de um paralelismo possível entre estrutura linguística e estrutura visual. Para Longhi, a escrita de Proust é não menos fundamental, mas não porque lhe forneça uma analogia estrutural com o impressionismo, e sim porque a própria forma pela qual Proust descreve os quadros pintados por Elstir, o pintor da Recherche, ensina-lhe como exprimir pela escrita a essência lírica da experiência visual que um quadro qualquer, não necessariamente impressionista, propõe.

Não é da natureza desse exercício de síncrise de retratos em contraposto ceder ao desequilíbrio. Observemos apenas que nada caracteriza melhor a amplitude da cultura italiana do Novecentos que a coexistência no âmbito de um mesmo campo de estudos - a história da arte -, de dois espíritos tão diversos e tão diversamente fecundos quanto o foram Longhi e Argan. Se houvesse lugar para conclusão, ela seria a de que cada um deles encarna, não apenas uma trajetória exemplar, mas um tipo de intelectual e talvez mesmo um tipo de inteligência. Isto posto, a síncrise acima sugerida mobiliza esses tipos numa final e mais profunda contraposição, bem expressa na metáfora de um Janus bifronte, embora não sem paradoxo. E este reside no fato de que se a fronte de Longhi olha o passado, não deixa ele de acreditar que a arte deve continuar a existir no futuro, já que é parte constitutiva da natureza humana. Relembremos a sentença acima citada, que, escrita após a catástrofe da Segunda Guerra, tinha o valor de uma profissão de fé: "negar aos povos do Império bizantino a faculdade de fazer arte (...) quase equivaleria a lhes negar a própria humanidade". Os bizantinos de Longhi, como ele mesmo explicitava em seguida, éramos nós, os sobreviventes dos totalitarismos. A se crer em Longhi, portanto, enquanto houver homens ou ao menos natureza humana, haverá arte, convicção ainda hoje largamente compartilhada. Inversamente, é certo que a fronte de Argan olha com mais empenho que Longhi para o futuro, mas (ou talvez justamente por causa disso) não deixa de considerar a arte, ao fim e ao cabo, um fenômeno em vias de se esgotar no passado. Entre os anos 1930 e os anos 1980, muda radicalmente a percepção de Argan do fenômeno artístico. Pois se para o jovem Argan a arte é "projeto", para o último, ela será "destino". A morte da arte, escreverá Argan em 1984, fora vivida por ele e por sua geração como um "estado de consciência". Afligia-o, o fato de que a nova geração não a vivesse senão como ignorância: "mas o sabem os jovens da última leva, os vagantes entre as sombras de uma arte do passado, que conserva a mutante ilusão das imagens, mas perdeu a substância cognitiva da forma? A deles não é lúcida consciência da morte, mas desesperada, confusa incerteza do além. Não filosofia e nem mesmo filologia, mas escatologia, frequentemente supersticiosa"51. Já em 7 de novembro de 1982, dez anos antes de morrer, no tom sereno dos testamentos, Argan escrevia no L’Espresso52:

Com a segunda guerra, o destaque entre os artistas e o sistema precipitou-se em abismo. Já antes Husserl tinha descrito a crise das ciências europeias, das quais a arte era uma, ainda que não levada em consideração. Após a guerra, os filósofos da crise, de Jaspers a Adorno, excluíram que a criatividade da arte pudesse subsistir em um mundo que, com a bomba atômica, havia escolhido a destruição. Pode surpreender que, ao invés do silêncio, tenha-se produzido então uma densa proliferação de tendências que subiam verticais, abriam-se em guarda-chuva e dispersavam-se deixando a terra queimada. Desprezá-las como baixas manobras, jurando crer apenas na bendita qualidade da obra era idiota. O fenômeno era sério. Refletia a crise interna da arte que, não mais definida por sua função no mundo, procurava definir-se por si mesma, frequentemente por tautologia. A eternidade da arte é uma lorota. O verdadeiro problema é a sobrevivência da civilização após o fim da arte. E isto dependerá também do modo com o qual a arte terá vivido o próprio fim, que será ainda um momento da sua história, de todos o mais iluminante.

































fevereiro #

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ilustração: Leonardo GUIDUGLI






1Veja-se o programa do encontro em http:// www. giuliocarloargan .org/

2Roberto Longhi (Alba, província de Cuneo, 1890 - Florença, 1970). A bibliografia de Longhi está reunida em Opere Complete, Florença, Sansoni, 14 volumes, 1956-1986. A esta edição é preciso acrescentar um texto didático de juventude, Breve ma veridica storia della pittura italiana (1914), Florença, Sansoni, 1980, trad. port. São Paulo, CosacNaify, 2005, e uma coletânea póstuma, Il Palazzo Non Finito. Saggi inediti 1910-1926, aos cuidados de Francesco Frangi e Cristina Montagnani, prefácio de Cesare Garboli e um ensaio de Mina Gregori. Milão, Electa, 1995. Neste ensaio, Gregori, diretora da Fondazione Longhi, adverte para o fato que há ainda de Longhi uma quantidade apreciável de material inédito a ser publicado. A bibliografia sobre Longhi é vasta. Sobre a prosa longhiana são essenciais as intervenções de Emilio Cecchi, "Roberto Longhi scrittore" (1928), in Letteratura italiana del Novecento, Milano, Mondadori, 1972, pp. 1249-1253, e de Gianfranco Contini, publicadas em Paragone e em Esercizî di lettura, Turim, Einaudi, 1974 e Ultimi esercizî ed elzeviri, Turim, Einaudi, 1989. Não menos interessante, o depoimento de amizade entre Longhi e Contini, em Diligenza e Voluttà, Ludovica Ripa di Meana interroga Gianfranco Contini, Milão, Mondadori, 1989, pp. 95-107. Além dos textos citados, com ampla bibliografia, cf. as Atas do Congresso, L'Arte di scrivere sull'arte. Roberto Longhi nella cultura del nostro tempo", aos cuidados de Giovanni Previtali. Roma, Riuniti, 1982.

3Sobre Giulio Carlo Argan (Turim, 1909 - Roma, 1992), veja-se o site http://www. giuliocarloargan. org/, de iniciativa de um Comitê presidido por Antonio Pinelli, contendo um perfil biográfico de autoria de Carlo Gamba, sua bibliografia, as teses que têm sua obra por tema, uma exposição iconográfica, além de diversos de seus textos. Veja-se também o site Memofonte dirigido por Paola Barocchi e, nele, a seção Carteggio dell'archivio di Giulio Carlo Argan, sob a responsabilidade científica de Antonio Pinelli, que se diploma em 1947 na Università di Roma 'La Sapienza' com uma Tese di Laurea sob a direção de Argan. Enfim, o verbete do Dizionario Biografico degli Italiani http:// www. treccani.it/ enciclopedia/ giulio-carlo-argan /#vita-1. Sobre o amplo leque de estudiosos que o homenageiam em 1984, vejam-se os Studi in Onore di Giulio Carlo Argan, Roma, Multigrafica Editrice, 1984, 2 volumes, organizado por seus discípulos, com apresentação de Maurizio Calvesi.

4Cf. C. Gamba, "Giulio Carlo Argan. A cento anni della nascita": "uno dei classici della critica del Novecento, per le sue indubbie doti di scrittore, così lucidamente razionale e coscientemente opposto alla seducente prosa di Roberto Longhi" http:// www. giuliocarloargan .org/mostra2010 /2010_mostra _argan.htm.

5Laureado em 1931 sob a direção de Venturi, Argan sucede-o na Università di Roma 'La Sapienza' após 1955. Sobre as múltiplas dimensões dos conflitos entre Longhi e Lionello Venturi (1885-1961) - desde os contrastes entre os perfis da coleção Riccardo Gualino de Turim e da coleção Contini-Bonacossi de Florença, inspiradas pelos dois críticos respectivamente antes dos anos '30, até a escolha de Mario Salmi, em 1949 por indicação de Venturi, para ocupar a cátedra de história da arte na Universidade romana, em detrimento de Longhi, veja-se G. Previtali, "Roberto Longhi. Profilo biografico". In, G. Previtali (ed.), L'Arte di scrivere sull'arte. Roberto Longhi nella cultura del nostro tempo", op. cit., pp. 141-170. A respeito, Giuliano Briganti escreveu: "È difficile ignorare che si configurò allora (dagli anni ' 50 in poi), nel campo dei nostri studi, lo schieramento di due parti avverse che si estese, dal campo specifico della storia dell' arte, all' università e di conseguenza ai concorsi universitari, all' editoria, alle rubriche dei giornali e delle riviste, ai rapporti con l' arte contemporanea. Da una parte Lionello Venturi, dall' altra Roberto Longhi". Cf. G. Briganti, Affinità. A cura di Laura Laureati. Milão, Archinto, 2007.

6Em colaboração com Bruno Contardi, Milão, Electa, 1990.

7Cf. G.C. Argan, "Pittura italiana e cultura europea" (1946). Republicado em Studi e note, Roma, Bocca, 1955, pp. 21-56, p. 32: "L'incontestabile ritardo della pittura italiana sul gusto europeo dipende, anzitutto, da una scarsa responsabilità morale nella valutazione del nostro Ottocento. Dopo tanti fastidiosi appelli per una rivalutazione impossibile, chi non si sentiva disposto ad augurare, col Longhi, la buonanotte al signor Fattori?"

8Cf. R. Longhi, "La Polemica sui Pittori Astratti Italiani. Dove vai? Le son cipolle" (1954). Scritti sull'Otto e Novecento. Opere Complete, vol. XIV, Florença, Sansoni, 1984, pp. 147-149. Argan retornará ainda a Santomaso em um artigo de 1983, republicado postumamente em Ritratti di opere e artisti, editado aos cuidados de A. Roca De Amicis, Roma, Riuniti, 1993, pp. 123-124.

9Como lembra o próprio Ranuccio Bianchi Bandinelli no prefácio a seu Organicità e astrazione, Milão, Feltrinelli, 1956, o conceito de organicità em oposição ao de astrazione fora avançado pelo autor, evidentemente sobre o pano de fundo do pensamento de Worringer (1908), em uma conferência proferida no Istituto Storico Olandese, em Roma, em 22 de novembro de 1950 e depois em diversas outras cidades italianas, a convite de Associazioni e Circoli di Cultura, ocasiões "vivaci discussioni". Vale lembrar como Bandinelli  concluía em 1956 seu percurso: "Non si tratta, dunque, di pronunziare una condanna; ma di chiarire una scelta e un rifiuto. E se il pericolo del realismo sta di cadere, ove manchi un adeguato contenuto poetico, nel piatto verismo fotografico (...), il pericolo dell'astrattismo è di ricadere nel 'suprematismo' di Kasimir Malevich, che dipinse, nel suo sforzo supremo, l'ultima sua pittura: in mezzo a una tela candida un candido quadratino bianco. Dopo di che, è evidente, non resta che il suicidio".

10Cf. R. Longhi, "La Polemica sui Pittori Astratti Italiani (art. cit.), p. 147.

11Sobre o apreço de Longhi por Cuore, cf. Contini, Diligenza e Voluttá, op. cit., p. 22: "Cuore certamente è sorpassato. Ma la cosa curiosa è questa: chi penserebbe che Longhi disprezzava Pinocchio e amava Cuore? (...) Forse è la torinesità di Cuore che lo toccava, e lui, piemontese di nascita, col Piemonte...".

12Composta em Ceresole Reale em 27 de julho de 1890. Publicado em 1899 na coletânea Rime e Ritmi. Cf. Poesie di Giosuè Carducii MDCCCL - MCM, Bologna, Nicola Zanichelli, 1913, 10 ed., pp. 951-956.

13A importância de Giosuè Carducci como modelador das gerações do tardo oitocentos é bem sintetizada na fórmula de Croce, "il dannunzianismo propriamente detto è cosa della generazione che si formò dopo il 1890. La mia generazioine, se mai, fu carducciana". Apud Eugenio Garin, Cronache di filosofia italiana, 1900-1943. Bari, Laterza, 1975, 2 vol., vol I, p. 180. Mas a posição de Carducci, vale lembrar, não é simplesmente a de um marco do status quo literário, sendo bem reconhecida, por exemplo, a influência de um hino juvenil como A Satana sobre Giovanni Papini. Que sua obra tardia seja, contudo, uma referência basilar contra a qual se insurge a cultura italiana do primeiro Novecentos é fato que pode ser aferido na programática cultural das diversas revistas literárias italianas que surgem no primeiro decênio, dentre as quais lembremos La Critica (Nápoles, 1903) de Benedetto Croce, Leonardo (Florença, 1903-1907), de Giovanni Papini, Emilio Cecchi e Giuseppe Prezzolini,  e  La Voce (Florença, 1908-1013), igualmente de Prezzolini. Em reforço da fórmula de Croce, acima citada, a superação de Carducci por D'Annunzio é relembrada ainda em 1930 por Gramsci, em um comentário sobre um ensaio de Ugo Ojetti: "Uma certa continuidade e unidade parece existir do Risorgimento até Carducci e Pascoli, para os quais era possível reportar-se até a literatura latina; continuidade e unidade que foram quebradas por D'Annunzio e sucessores". Antonio Gramsci, Letteratura e Vita Nazionale, trad. port. Rio de Janeiro, Ed. Civilização Bras., 1968, p. 91. Como se sabe, os inícios de Longhi como escritor e crítico são marcados seja pela prosa de D'Annunzio, seja pela programática renovadora de La Voce, para a qual colabora desde 1912. Cf. Previtali, "Roberto Longhi, profilo biografico", in L'Arte di scrivere sull'arte, op. cit., p. 142 e seg.

14Cf. R. Longhi, "Omaggio a Pietro Toesca". Proporzioni, III, 1950, pp. v-ix, republicado em Opere Complete, vol. XIII: Critica d'arte e buon governo. Florença, Sansoni, 1985, pp. 242-248.

15Citado no verbete italiano sobre Piero Gobetti de wikipedia: http://it. wikipedia.org /wiki /Piero_Gobetti.

16Na imensa bibliografia sobre o papel desempenhado por Croce na Itália da primeira metade do século, cf. E. Garin, Cronache di filosofia italiana, 1900-1943. Bari, Laterza, 1975, 2 volumes; A. Momigliano, "Reconsidering Croce" (1952), in Essays in Ancient and Modern Historiography, Oxford, Basil Blackwell, 1977, pp. 345-363; Gianfranco Contini, La parte di Benedetto Croce nella cultura italiana (1951), Turim, Einaudi, 1989.

17Em uma carta de 1909 a Giuseppe Prezzolini, editor da revista La Voce, anexa a um ensaio a esta endereçado, mas jamais publicado, sobre o ambiente da Universidade de Turim, Longhi exclamava: "Dio che muffa, che lezzo" (Deus, que mofo, que fedor!). Citado por F. Bellini, "Una passione giovanile di Roberto Longhi: Bernard Berenson", in L'Arte di scrivere sull'arte. Roberto Longhi nella cultura del nostro tempo", cit., p. 12.

18Cf. Longhi, "Avvertenze per il lettore", Scritti giovanili, cit., p. viii.

19R. Longhi, "Avvertenze per il lettore", Scritti giovanili, 1912-1922. Opere Complete, Florença, Sansoni, 1956, 2. ed. 1980, p. viii: "Per il resto la facoltà più strettamente umanistica languiva e non dovrà sorprendere che fosse un sollievo per me seguire clandestinamente, fra i corsi di diritto, le lezioni sfaccettate in una logica diamantina di Luigi Einaudi."

20Giacomo Debenedetti, "Nota autobiografica", in Rosita Tardi (ed.), Il Novecento di Debenedetti, Atas do Congresso promovido pela Università di Roma 'La Sapienza'. Milão, Mondadori, 1991: "Fu un periodo di dialoghi appassionati, animati dalla tensione culturale promossa dal Croce, dal Gentile e anche in parte dal Salvemini" http://www. giacomodebenedetti .it/index.php? option=com_ content&view= article&id= 53:nota-autobiografica& catid=7: il-novecento -di-debenedetti &Itemid =7.

21O ensaio, de 1948, reaparece como prefácio a G. Debenedetti, Saggi Critici, Mondadori, 1952.

22Cf. Argan, "Introduzione ai lavori", in Rosita Tardi (ed.), Il Novecento di Debenedetti, op. cit., Prefácio. http:// www. giacomodebenedetti. it/index.php? option=com_ content& view=article& id=14: introduzione-ai- lavori-di-giulio -carlo-argan &catid=7: il-novecento-di -debenedetti &Itemid=7.

23Cf. G. Clemente, "Arnaldo Momigliano (1908-1987). Venti anni dopo". Rivista Storica Italiana, CXIX, III, 2007, pp. 1150-1161.

24Cf. A. Momigliano, "A Piedmontese View of the History of Ideas" (1972), in Essays in Ancient and Modern Historiography, Oxford, Basil Blackwell, 1977, pp. 1-8.

25Cf. G. Previtali, "Introduzione" (1975) a E. Panofsky, Studi di Iconologia. I temi umanistici nell'arte del Rinascimento. Turin, Einaudi, 1999.

26G.C. Argan, "Storia della critica d'arte" (1947), in Saggi e note. Roma, Bocca, 1955.

27G.C. Argan, "Il primo Rinascimento". Classico Anticlassico. Milão: Sansoni, 1984, p. 2

28Veja-se a respeito, P. Lucia, Intellettuali italiani del secondo dopoguerra. Impegno, crisi, speranza, Nápoles,  Guida, 2003

29Citado por G. Previtali, "Roberto Longhi, profilo biografico", cit. p. 168.

30Cf. R. Longhi, "Giudizio sul Duecento" (1939/1947). Opere complete, vol. VII, Florença: Sansoni, p. 23.

31Cf. R. Longhi, "Un ignoto corrispondente del Lanzi sulla Galleria di Pommersfelden. Note in margine al catalogo della Mostra sei-settecentesca del 1922 [Scherzo]". Redigido em 1922, o texto é publicado e dedicado a Toesca em 1950 Opere complete, vol. I, Florença: Sansoni, 1980, pp. 475-492.

32É sabida a amizade entre os Berenson e os James, e em particular a importância para Berenson dos cursos de psicologia de William James que ele segue em Harvard a partir de 1884. Em 1956, nas "Avvertenze per il lettore" da edição de seus "Scritti giovanili", Opere Complete, vol. I, Florença, Sansoni, 1980, p. viii, Longhi refere-se aos quatro volumes que compõem The Italian Painters of the Renaissance (1894-1907) de Berenson como "inficiati de estética sensoriale".

33Para a evolução do estilo de Longhi em direção a uma sobriedade e a uma simplicidade exemplares, além dos trabalhos de Cecchi e Contini, citados na nota 1, vide Contini, "Varianti del 'Caravaggio'. Contributo allo studio dell'ultimo Longhi", e G. Previtali, Roberto Longhi, profilo biografico", ambos em L'Arte di scrivere sull'arte. Roberto Longhi nella cultura del nostro tempo, op. cit., pp. 66-82 e 141-170

34R. Longhi, "L'Angelico, non sempre al convento" (1955), in Critica d'Arte e Buongoverno, 1938-1969. Opere Complete, vol. XIII, Florença, Sansoni, 1985, p. 403: "valente ispettore centrale dela mostra amministrazione artística". Argan vence em 1933 o concurso para o cargo de Ispettore presso la Direzione Generale delle Antichità e Belle Arti, em cuja posição elabora, com Cesare Brandi, o projeto do Istituto Centrale del Restauro, de Roma.

35Cf. R. Longhi, "'Buongoverno': uma situazione grave", publicado em Proporzioni, II, 1948, pp. 185-188 e novamente em Opere Complete, XIII - Critica d'Arte e Buongoverno, Florença, Sansoni, 1985, pp. 1-5.

36Sob a orientação de Longhi, Pasolini prepara uma Tese di Laurea, jamais concluída, sobre Carrà, De Pisis e Morandi. Sucessivamente, Pasolini lhe dedicará o roteiro de Mamma Roma (1962) com as palavras: "A Roberto Longhi cui sono debitore della mia fulgurazione figurativa".

37R. Longhi, "Buona pittura di Gentiluomo di Campagna" (1956), in Scritti sull'Otto e Novecento. Opere Complete, vol. XIV, Florença, Sansoni, 1984, p. 184; G.C. Argan, "Pittura italiana e cultura europea" (1946). In, Studi e note, Roma, Bocca, 1955, p. 46.

38G.C. Argan, "O primeiro Renascimento" (1965-66), em Classico anticlassico. Il Rinascimento da Brunelleschi a Brueghel. Milão, Feltrinelli, 1984. Tradução portuguesa, Clássico anticlássico, o Renascimento de Brunelleschi a Brueghel. São Paulo, Companhia das Letras, 1999, pp. 283-295, especialmente p. 285.

39R. Longhi, "L'Angelico, non sempre al convento" (1955), art. cit. p. 403.

40G.C. Argan, "Brunelleschi", in Classico anticlassico, Milão, Feltrinelli, 1984, trad. port. São Paulo, Companhia das Letras, 1999, p. 112: "Por isso, não seria surpreendente se o jovem Masaccio, indo além da 'lição' perspectiva detectada por Longhi, [...] tivesse refletido longamente sobre os novíssimos módulos plásticos que as articulações arquitetônicas de Brunelleschi sugeriam".

41R. Longhi, "Lettera pittorica a Giuseppe Fiocco" (1926), publicado em Saggi e Ricerche (1925-1928), Opere Complete, vol II, Florença, Sansoni, 1967 pp. 77-98. Republicado em "Crivelli e Mantova: due mostre interferenti e la cultura artistica nel 1961" (1962). Ricerche sulla pittura veneta i(1946-1969). Opere Complete, vol. X, Florença, Sansoni, 1978, p.145:

42Cf. R. Longhi, "Carlo Braccesco" (1942). Opere complete VI, Lavori in Valpadana, Florença, Sansoni, 1973, pp. 267-287.

43Cf. R. Longhi, "'Buongoverno': una situazione grave" (1948), cit.,  p. 5: "Ma la nostra casa, se ben ricordo, è l'Italia; e all'intera comunità appartiene quel patrimonio artistico che non è soltanto, si rammenti, la più alta testimonianza poetica che l'Occidente abbia dato dopo i giorni della Grecia, ma anche, ormai, la principale ricchezza che ci resti".

44Cf. M. Calvesi, "Presentazione" a Studi in Onore di Giulio Carlo Argan, Roma, Multigrafica Ed., 1984, vol. I, p. 9: "La letteratura sull'arte, da Vasari in poi, ci ha insegnato ad apprezzare e valutare la bravura, l'invenzione e la sensibilità degli artisti, alcune loro singole idee e persino alcuni 'concetti' expressi nelle loro opere. Prima di Argan, non ci aveva però introdotto alla cruciale intimità del loro 'pensiero', pensiero inteso come luogo organico e finalità (non solo teorica, ma anche ideologica) della creazione, come momento, dunque, non astratto ma sostanziale e sostanziante, come motore genetico, vorrei dire, della stessa invenzione formale. Ciò che Croce chiamava 'intuizione' (e che intuizione effettivamente è, ma non indifferenziata e miracolosamente sospesa), Argan ci ha fatto capire che è appunto, al tempo stesso e senza contraddizione, pensiero, una forma articolata benché sintetica di pensiero, unitaria di 'idee', di impulsi e di sentire, ricostruibile in quel processo (sistematico come 'al rallentatore') che è la critica".

45Cf. F. Beiser "Hegel and the problem of metaphysics". The Cambridge Companion to Hegel, The Cambridge University Press, 1993, pp. 1-24.

46Citado da tradução portuguesa, São Paulo: Editora Ática, 1997, p. 38.

47Longhi elabora esta ideia em uma série de intervenções que tem sua mais acabada expressão nos artigos da revista Paragone de 1951, 1953, 1958 e 1969. De 1951, na resenha sobre a monografia que Paola Barocchi dedicara a Rosso Fiorentino, é a mais enfática caracterização da obra: "Se não um 'movimento' regulado e disposto, como ocorre hoje nos fatos de arte, ao menos uma atitude que se pode chamar 'maneirística', houve de certo, e muito difundida, no nosso Quinhentos. Mas como a entender, se não se admite que começa ao menos desde o tondo Doni, na realidade seu emblema fundamental? Aproximadamente há dez anos, já o advertia: 'De resto, também na Itália, o próprio ápice clássico não tivera vigência senão poucos anos. Máximo autor do desvio ninguém mais que Michelangelo'".

48A citação justapõe passagens de dois artigos: G.C. Argan, "Il restauro della Sistina", L'Espresso, xxvii, n.3, 1982. Republicado em Ritratti di opere e di artisti, ed. aos cuidados de A. Roca De Amicis. Roma, Riuniti, 1993, pp. 27-30, p. 29; e G.C. Argan, "Michelangelo colorista". L'Espresso, xxx, n.2. Republicado na mesma coletânea póstuma aos cuidados de A. Roca De Amicis. Roma, Riuniti, 1993, pp. 30-32: "Ma colorista è un vocabolo di poco significato e in nessun modo riferibile a Michelangelo, che del colore non ebbe il gusto, ma un concetto filosofico trascendentale (...) Fin dai primi dipinti, Michelangelo aveva cercato accostamenti dissonanti, colori che non unissero ma stacassero, salissero da soli ai timbri più alti. (...) Con la riapparsa violenza del nativo furor cromático le lunette provano che fu próprio Michelangelo a trovare quella teoria manieristica del colore, fondata su dissonanze quasi dodecafoniche, che pochi anni dopo apparirà già matura nelle opere del Pontormo e del Rosso. Poi il Vasari s'adoperò a occultare il cromatismo del maestro per riconoscere ai toscani il primato del disegno, ai veneti quello del tono. La distinzione giusta era invece tra due concezioni del colore: timbrico o qualitativo in Michelangelo, tonale o quantitativo in Tiziano. Una filosofia dell'essere in sé e una filosofia dell'essere in relazione, nel mondo".

49Cf. A. Chastel, "Roberto Longhi: il genio del''ekphrasis". L'Arte di scrivere sull'arte, op. cit., pp. 56-65.

50R. Longhi, "Avvertenze per il lettore", Scritti giovanili, 1912-1922. Opere Complete, Florença, Sansoni, 1956, 2. ed. 1980, p. viii.

51"Proposte per una critica d'arte" (1950), reeditado em Opere Complete, XIII - Critica d'Arte e Buongoverno, Florença, Sansoni, 1985, p. 20.

52Cf. G.C. Argan, "Questi non sono i morti". L'Espresso, XXIX, 45, 2, dezembro de 1984. Republicado como "Attraversamenti", título da exposição de Perégia, de que o artigo era um comentário, em Ritratti di opere e di artisti, cit., 1993, pp. 148-150: "Ma lo sanno i giovani dell'ultima leva, i vaganti tra le ombre di un'arte del passato, che conserva la cangiante illusività delle immagini, ma ha perduto la sostanza conoscitiva della forma? La loro non è lucida coscienza della morte, ma disperata, confusa incertezza dell'aldilà. Non filosofia, neppure filologia, ma escatologia spesso superstiziosa".

53Cf. G.C. Argan, "Le tendenze dell'arte". Republicado em Ritratti di opere e di artisti, cit., pp. 151-153: "Con la seconda guerra il distacco tra gli artisti e il sistema precipitò in voragine. Già prima Husserl aveva descritto la crisi delle scienze europee, di cui l'arte era una, benché non messa nel conto. Dopo la guerra i filosofi della crisi, da Jaspers a Adorno, hanno escluso che la creatività dell'arte potesse prodursi in un mondo che, con la bomba atomica, aveva scelto da distruzione. Può sorprendere che, invece del silenzio, si sia avuta da allora una fitta proliferazione di tendenze che salivano verticali, si aprivano a ombrello, dileguavano lasciando la terra bruciata. Spregiarle come basse manovre giurando di credere solo alla benedetta qualità dell'opera era idiota. Il fenomeno era serio. Rifletteva l'interna crisi dell'arte che, non più definita dal suo ruolo nel mondo, cercava di definirsi da sé, spesso per tautologia. L'eternità dell'arte è una frottola, il vero problema è la sopravvivenza della civiltà dopo la fine dell'arte. E questo dipenderà anche dal modo con cui l'arte avrà vissuta la propria fine, che sarà ancora un momento della sua storia, di tutti il più illuminante".