revista fevereiro - "política, teoria, cultura"

   POLÍTICATEORIACULTURA                                                                                                     ISSN 2236-2037

Alexandre CARRASCO

je vous salue, godard

 

Film: Socialisme, JLG, 2010 + Godard biographie, Antoine de Baecque, Grasset, Paris 2010 + Je vous salue Godard, 2011.

 

[Mesmo condenado à morte, um simples retângulo de trinta e cinco milímetros salva a honra de todo o real...], JLG



A pergunta seria quem é Jean-Luc Godard, o que é o cinema, o que significa vivermos em um mundo de “imagens”, para derraparmos, antes do fim do primeiro período, no mais vulgar lugar comum, imagem de uma imagem, quem sabe. E esse cliché, como já se deve perceber (para que a fotografia do nosso tempo dê o ar da sua falta de graça), é palavra de ordem do nosso pobre “hoje em dia”. E apesar do excesso de adjetivos, evidente falha de caráter, tento passar ileso pela boa vontade de quem acaso lê essas mal sapecadas e volto a questão e me pergunto, ainda, quem é JLG. A pergunta (também e sobretudo da biografia de Antoine de Baecque) ajuda-nos igualmente a perguntar aos filmes: quem os imagina?


Melhor, façamos uma pausa. Entendamos o deslize de palpiteiro de fim de semana: não é bem essa “a” questão. Tão óbvio. O que um certo JLG, vieil homme, meteur en scène à la retraite (ou presque)? A pergunta, como soe acontecer, retorna ao destinatário (para seu desconforto): o que afinal vemos (e imaginamos) quando imaginamos e vemos? Estamos já às voltas com nosso quase ponto de partida. Porque esta é “a” pergunta que um certo Jean-Luc vem fazendo há mais ou menos cinquenta anos: e desde a abertura de Pierrot le Fou [O demônio das onze horas] em que as “imagens” das coisas se revelam tão flagrantemente as próprias coisas – - “fumo Hollywood para o meu sucesso” – - não há que se “iludir” com o cinema. O que vemos e imaginamos ver é o que somos, vendo e imaginando. Entonces, filmar o quê, filmar como ?


“Esta pobre Europa, não purificada mas corrompida pelo sofrimento, não exaltada, mas humilhada pela liberdade reconquistada – diz uma mulher negra, enquanto se inscrevem em letras godardianas, coloridas, os nomes dos países e cidades em que foi rodado o filme. 'Egito', 'Palestina', 'Smyrna', 'Hellas' [Grécia], 'Odessa', 'Nápoles', 'Barcelona' e que aparecem em composição com 'Do ouro', 'Os canalhas', 'Histórias', 'Palavras', 'Os animais', 'As crianças', 'As lendas'. Esse trailer se fecha com um título: Socialismo e com um autor: J.-L. Godard, de quem este livro tentou retraçar a história. No Festival de Cannes de 2010 poderemos ver o que o cineasta apresenta como seu 'último filme'”.[i]


Assim Antoine de Baecque encerra a biografia de Godard, biografia sui generis, que usamos para melhor calibrar as palavras. Notável na discrição e na precisão, sua maior qualidade é a de acompanhar, junto com sua personagem, um certo olhar, para voltarmos para o nosso ponto de partida (depois de pouco mais de 800 páginas é também ponto de chegada de Antoine de Baecque), um certo olhar que atravessa boa parte do século XX, mas, mais do que isso, um certo olhar que dá a volta na história do cinema para voltar ao próprio cinema. Tudo isso? Talvez, e mais um pouco. E termina onde também começamos: Film Socialismeé o que anuncia o fim da biografia. Agora com o título completo: não apenas Socialismo, mas Film Socialisme. E Jean-Luc nos permite tomar esse filme como o olhar que de Baecque tenta rastrear: da volta ao cinema por meio da história do cinema.


Claro que nossas pretensões (e nosso talento (e sua falta), e nosso fôlego, e nossa disposição entre tantas outras coisas) são menores e infinitamente mais modestas do que as de Jean-Luc. Mas não faltam pistas para entender como esse socialismo pode ser filmando. Enfim, não há como falar desse socialismo do filme sem falar do Film Socialisme, o que o próprio Godard revela em uma entrevista, outros gênero que Godard pratica à exaustão e à excelência, e que vem como bônus de quem comprou o DVD do filme pelas mal traçadas linhas da legalidade.


Voltando, então, à roda do nosso quarto (escuro): O que Godard filma não é “o” socialismo – a mais amaldiçoada herança que a Europa nos deixou –, lugar, coisa, objeto, programa e doutrina. É antes a origem de um lugar imaginado, a gênese de uma … imagem, a origem de … um horizonte. Uma imagem que se delineia e nos dá um horizonte. Do quê, afinal? “De um sorriso que demite o universo” - mote do filme a partir da legenda que dá Godard a uma foto muito conhecida tirada em maio de 1968.


Em 1961 André S. Labarthe dizia a propósito de Uma mulher é uma mulher [Une femme est une femme]: “Uma mulher é uma mulher é uma etapa importante do cinema moderno. É o cinema em estado puro. É o espetáculo e o charme do espetáculo. E o cinema que retorna ao cinema. É Lumière em 1961 ”.[ii] Voltando ao Film Socialisme diríamos mais ou menos o mesmo: é Lumière em 2011. Mas precisemos o sentido: este ensaio mais ou menos bem-sucedido, com momentos muito próximos do sublime, que procura a gênese de uma imagem (ou da própria imagem), do socialismo exige  a contrapartida de um olhar: e como a “L'Arrivée d'un train en gare de La Ciotat” ou simplesmente “A chegada do trem na estação”, “filme” arquetípico de 1895 dos irmãos Lumière (é o cinema antes do “filme”, como houvesse literatura antes do livro), essa imagem nascente (não seriam todas?) ameaça e apavora, e não faltam os que saiam correndo das salas de exibição.


Passemos, pois, ao primeiro esquadrinhamento do filme.


O filme se divide em três sequências mais ou menos distintas ainda que tematicamente muito coerentes e coesas. Nosso assunto é: o que vemos e o que podemos imaginar do que vemos. Ou seria o contrário: o que podemos ver a partir do que imaginamos? No primeiro caso, o amor, que imagina graças ao que vê, no segundo, a política, que aquilo que vê, só vê porque imagina. E desde de Raoul Coutard, o inventor da fotografia de A bout de souffle [Acossado], cinegrafista do exército francês na guerra da Indochina, e que acompanha Godard durante quase todo sua “primeira fase” - de A bout de souffle até La Chinoise - Godard se habituou a filmar as histórias de amor como documentários de guerra. Depois dos anos 80, esse part pris se modaliza, se amplia, se torna mais clássico: é mais ou menos onde estamos.


Na primeira sequência [des choses/ comme ça], um típico cruzeiro de aposentados europeus é origem e destino: da Odisséia, epopéia marítima, ao Costa Brava (com cinco refeições diárias, shopping, piscina, casino e atividades várias), a domesticação da vida é sobretudo rebaixamento da vida, experiência da vida que não há mais. Enquanto os aposentados de hoje, filhos do último suspiro do estado de bem - estar social, a penúltima grande invenção européia (será?), viajam sem sair do lugar – o cruzeiro é a invenção de um deslocamento na mesma paisagem, a viagem como negação da viagem –, há o mar, ainda tão irresoluto, monumental, cinematográfico. (Lembra o mar de um Bergmann (O Sétimo Selo), o mar monumento do cinema, também o mar que se abre da praia na sequência final de Quatre cents coups [Os incompreendidos] e, por certo, o mar épico de um Ulisses). Entre o navio, seu interior ultra kitsch, efeito da reprodução e reiteração e “fetichização” de uma ilusória paisagem familiar (o familiar fraudulento da televisão, abstrato e estéril), e o mar afora, “longe” do navio (como paisagem), mar adentro, para além do navio, há um choque. Desta justaposição que imaginamos a pobre Europa.  Logo, só pode ver o navio de fora, do ponto de vista do mar e do cinema, vale dizer, quem, estando na Europa, permanece “fora” da Europa. É a mulher Negra – e são os palestinos também – (imagem e signo crítico que aparece igualmente na segunda sequência, e parece-nos peça chave do filme). Não há como não lamentar, tão pobre destino dos passageiros desse fim de linha: “ah Europa, humilhada pela liberdade reconquistada”, que bem pode significar: a Europa perdeu a imaginação (aqui, a imaginação é a mais preciosa conquista do espírito). E os Husserls (lido em uma aula vazia de ouvintes no interior do navio, “A origem da geometria”, se não nos falha a memória filosófica) e os Matisses, e os Mozarts ficam estranhamente deslocados na justa imagem da Europa: um cruzeiro pelo Mediterrâneo sob os cuidados do Costa Brava.


A diferença entre dentro e fora do navio não para aí: por oposição aos planos majestosos do Mar, planos muito clássicos do ponto de vista técnico, há o experimentalismo da captação e composição da imagem quando se filma o navio e seu interior: vídeo e tecnologia digital vulgarizam a imagem em todos os sentidos – a imagem vulgar é mais familiar, mais petrificada, mais fetichista e mais fácil. Sobretudo mais fácil. Não que aja nisso uma crítica passadista, algo em torno de “como era gostoso meu (cinema) francês”. É sabido que Godard é entusiasta das novas tecnologias e foi um dos pioneiros na produção de vídeos. Seu entusiasmo, porém, não é “fácil”, naturalmente. Porque a televisão, tanto comodismo da imaginação quanto coerção da imaginação, é uma fraude, quase exatamente no sentido em que se constrói a oposição entre o mar e o interior do navio. Ela produz e salvaguarda a fraude da imagem “familiar” (ou do “familiar” como imagem). E ei-nos no interior do navio, pensando que estamos “acolhidos”, quando não há nada de mais anônimo, mais anti-pessoal que o kitsch de um cruzeiro. A televisão, conforme Godard sentencia (e este modesto que vos concorda) é a impostura do nosso tempo. Ela ocupa o território do imaginário e não deixa que se imagine. Ele dirá justamente em um programa de televisão: “Estou contente de ter vindo dar uma volta neste país ocupado, a televisão, e ver como posso resistir para continuar a me respeitar...”[iii] e completa em outra ocasião: “Na sala de cinema, levanta-se a cabeça. Quando se olha a televisão, abaixa-se. Bom, é necessário levantar a cabeça”. [iv]. Isso tudo levando-se em conta que Godard alimenta vários projeto de fazer televisão, alguns dos quais leva a cabo, com notável êxito.


Retomando, pois, Films Socialisme, no interior da oposição que mencionávamos, há uma miríade de personagens, embarcados na Europa: a mulher Negra, os asiáticos servindo os brancos, o financista, o judeu, os palestinos, as crianças, o filósofo, a cantora popular, cada qual com seus dilemas e cinismo, mal expressos em frases e diálogos mais ou menos truncados. Entretanto, a imagem que fica é a de uma pobre Europa: não poder imaginar significar viajar sem sair do lugar, significa olhar o mar e não ver o mar.


Na segunda sequência [comme ça] estamos no meio de um dilema familiar. A família Martins sob os auspícios do pai e da mãe decide vender a oficina e o posto de gasolina da família, o negócio de família, por não saber mais o que fazer, por o negócio ter se tornado inviável. Fica subentendido que não há mais como levar adiante a oficina e o posto de gasolina, que um certo modelo se esgotou. Simultaneamente, os filhos decidem participar da política, uma maneira de responderem à decisão dos pais. E aqui reencontramos a casa que a televisão não capta, o familiar que não se enquadra nos programas televisivos: porque se a televisão mostrar o que há dentro das casas, ninguém suportaria assistir por muito tempo. Ocorre que há uma equipe televisiva que acompanha as intermitências do coração da família Martin, justamente para servir de contraprova: a televisão não é capaz disso, decididamente. E o que ela não capta é o mesmo problema e duas visadas, mostradas pelas duas gerações da família, algo como a imagem de uma diferença: os velhos aceitam as regras do jogo, os jovens querem inventar outras regras, se voltando-se para a política. Entre um e outro há uma proximidade real, difícil e pontuada pela incompletude: o pai pergunta várias vezes à filha, a mais velha dos filhos: “você não nos ama?”. Na família, o amor deve vir antes da política, é uma pergunta/inquietação do pai, ao que os filhos parecem responder: na vida, a política vem antes ou junto com o amor. Em família, tudo que se faz passa pelo afeto do outro, mas é também poder sobre o outro e sujeição. E se a política é um afeto, negar a solução dos pais para a situação de impasse familiar é, também, duvidar do amor.


Talvez seja fácil falar de como se muda de escala da primeira para a segunda sequência, do falso familiar da viagem de cruzeiro, do familiar kitsch de televisão cifrado nas luzes de cassino, no serviço de bar, nas paredes espelhadas, e a passagem para o interior da casa, com sua vida imperfeita, incompleta, na segunda sequência. Mas é mais do que isso: há como que uma imersão no dilema do tempo, dilema do futuro, dilema da imaginação: sem “futuro” quase não imaginamos (decididamente não imaginamos). E o tempo, relógio, medida e sentido está presente nas duas sequências. Este é o assunto da família: os velhos se acomodam no tempo que o tempo lhes dá (mas qual tempo?), os jovens querem inventar um novo tempo. Há um momento, muito grandioso em sua modéstia familiar, em que a filha, ao pé do pai, a meia luz, naquilo que poderíamos chamar facilmente de intimidade doméstica (mas profundamente intensa), diz mais ou menos o seguinte: “4 de agosto de 1789: fim de todos os direitos particulares, início do sentido moderno de igualdade. Saint-Just tinha 20 anos”. É profundo, é surpreendente, é difícil. A política irrompe no lar. A imagem de um outro tempo pode ser reinventado como nossa imagem? No nosso tempo? Na nossa casa?


Quem acompanha as intermitências da família Martin é a Televisão local, na forma de uma repórter branca e de uma cinegrafista negra. Deparamo-nos, mais uma vez, com a Negra, agora como cinegrafista de roupa militar (jaqueta, calça e boné) e a parte de cima do biquíni por debaixo da jaqueta. Há um estranhamento permanente em ver a cinegrafista de biquíni (ela logo abandona a jaqueta), sendo ela Negra, por oposição aos outros. E há algo como uma consciência disso presente no filme. O que nos leva a crer que Godard quer mostrar justamente isso: o Negro nunca está “devidamente trajado”. Se os Negros aparecem bien tenues para a Europa, quando enquadrados por Gauguin (em um momento particularmente feliz desta segunda sequência), quando eles saem do quadro (poderíamos dizer, do museu “do homem”), perdem o decoro. Essa pequena equipe televisiva, no trabalho, é errática e patética: tenta se aproximar da família, dos filhos, dos pais, mas não consegue muita coisa. No meio desse desconforto (de afetos e olhares), somos surpreendidos por duas sequências belíssimas, pungentes. E difícil é enquadrá-las criticamente, pois Godard há muito já se pôs à parte de qualquer condicionamento narrativo. Daí elas surgirem soberbas e misteriosamente – o mistério da imagem? Falo da sequências em que o pai ouve música com a filha, na sala, trava com ela o diálogo político que mencionávamos acima, enquanto a mãe lava a louça com o filho na cozinha. Além da música notável (Bethoveen, se não estou enganado), há não sei que coreografia, contato e respiração da família para a família, criando o precioso círculo protegido do lar, “essa flor da infância”, como alguém já nomeou, e lá, com suas dissensões, pais e filhos se encontram. Perceba-se que contar a imagem não diz nada. E isso é bem godardiano: é preciso ver.


Chegamos à terceira parte: [Humanités]. Agora a coruja de Minerva na escadaria de Odessa vai recontar a “história do que vimos”. Será mesmo? A coruja de Minerva godardiana não é hegeliana, por certo. É antes, anti-helegiana, suspeitamos. Ela não totaliza, ela dispersa, numa colagem inventiva e instigante de imagens, quase todas oriundas do museu Godard de imagens. E os impasses que os dois primeiros movimentos mostram reaparecem nessa colagem: democracia/tragédia, passado/futuro. A democracia é contemporânea da tragédia, dito e repetido ao longo da terceira sequência. A história da Europa é a história de suas guerras civis. E aqui temos pano para muita manga, mas fiquemos por aqui. E fiquemos com o penúltimo fotograma: FBI Warning: a lei proíbe a pirataria – todo direito ao autor (?). E segue o texto: Quando a lei não é justa, a justiça passa para além da lei. A origem de um horizonte – Film Socialism - socialismo: um sorriso que demite o universo.


Em tempo: o aviso que costuma aparecer no início dos DVDs, está aqui no fim do filme e inserido no filme: o “direito do autor” revela mais do cinema, criticamente, (em uma arte da montagem, quem é o pirata?) do que qualquer vã teoria estética.


O que é, enfim, Film Socialisme ? A pergunta é evidentemente inadequada (mais uma vez). E se houvesse resposta, a resposta seria ainda prova maior do desacerto da pergunta. Mas o que permanece de Film Socialisme ? Agora, a pergunta parece pretensiosa (desse que vos). De fato, muita coisa permanece. É cinema, quando quase já não há cinema. É imaginação em território ocupado, é resistência. Por oposição ao antigo regime, a Primeira República (Francesa) imaginou-se República Romana: o anacronismo da imagem vem da força da imaginação. É o socialismo que nos falta. A imaginação continua território ocupado.[v]


Concluo com um diálogo de Godard com Marguerite Duras:


Je défais les films davantage que je le fais. [Eu desfaço filmes mais do que os faço]


Tu es dans la damnation, Jean-Luc. [Você está em danação Jean-Luc] Tu ne peux pas écouter, lire, pas écrire, donc le cinéma te sert à oublier ça. [Você não pode escutar, nem ler, mesmo escrever, logo, o cinema te serve para esquecer de tudo isso]


La représentation nous console de la tristesse de la vie. Et la vie nous console de ce que la réprésentation n´est rien. [A representação nos consola da tristeza da vida. E a vida nos consola do fato que a representação não é nada.][vi]


Um última nota, à guisa de conclusão: a câmera lenta é o silêncio da velocidade: je vous salue Sarajevo.


“Desde o início do ano de 1993, Jean-Luc Godard consagrou um filme de dois minutos, fulgurante, para dizer o sofrimento da cidade bósnia e ao mesmo tempo mostrar seu desgosto face a indignação “voyeur” e mediática das “belas almas” (Bernard Henry-Levy, por exemplo, AOTC). Em Je vous salue, Sarajevo, o cineasta decupa uma fotografia de guerra, a de Luc Delahaye, tomada em 20 de julho de 1992, em Sarajevo, mostrando civis bósnios estirados no chão, feridos, aterrorizados, sob a ameaça de armas e das botas dos soldados sérvios. Esta foto o revoltou, pois se vê um soldado chutar um moça ferida, deitada no chão: vergonha do soldado, evidentemente, carrasco sádico e quase desenvolto. Mas vergonha também do fotógrafo, que toma essa imagem sem ir ao socorro da vítima, protegido por seu profissionalismo, e que vai se beneficiar na sequência, em termos de notoriedade e direitos, da larga difusão de uma imagem que fez a volta ao mundo em jornais e revistas.


Tendo reencontrado a moça da foto por intermédio de Francis Bueb, o diretor do Centro André Malraux de Sarajevo, Bibjana Vrhovac, derrubada pela explosão de um obus, gravemente ferida no braço, o vestido branco manchado de sangue, chutada pelo soldado, ele, Godard, lhe pede, e, para ela e não para o fotógrafo, o direito de reproduzir a foto, propondo-lhe que haja um voz em off no filme”.[vii]




E pela segunda vez concluímos como Godard: no comments.































fevereiro #

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ilustração: Rafael MORALEZ



[i]Godard Biographie. Antoine de Baecque, Grasset, Paris 2010, p. 864.

[ii]Idem, ibidem, p. 177.

[iii]Idem, ibidem, p. 648.

[iv]Idem, ibidem, p. 652.

[v]A expressão “território ocupado” não é fortuita. Vem quase automaticamente do anti-sionismo de Godard, bastante cristalizado e problemático. Preferimos não abordar o tema neste artigo pela razão óbvio de que ele vale pelo menos um artigo exclusivo, dada sua complexidade e o cuidado, nem sempre fácil, que exige.

[vi]Godard Biographie. Antoine de Baecque, Grasset, Paris 2010, p. 649.

[vii]Idem, ibidem, p. 741.