revista fevereiro - "política, teoria, cultura"

   POLÍTICATEORIACULTURA                                                                                                    ISSN 2236-2037



Adriano JANUÁRIO
Antonia Malta CAMPOS
Jonas MEDEIROS
Márcio Moretto RIBEIRO
Ilustrações: Martha Kiss PERRONE

As ocupações de escolas em São Paulo (2015): autoritarismo burocrático, participação democrática e novas formas de luta social

 


 

 

Manifestação secundarista como reação a prisão de alunos.

 

 

 

Introdução

Entre novembro e dezembro de 2015, mais de 200 escolas estaduais foram ocupadas por seus estudantes, como forma de protesto contra um projeto do governo estadual de Geraldo Alckmin (PSDB-SP) que fecharia quase uma centena de unidades escolares, reestruturaria outras centenas de escolas e atingiria mais de 300 mil alunas e alunos, além de suas famílias.
Em uma primeira abordagem, é possível indicar algumas comparações e continuidades entre este movimento das escolas ocupadas e Junho de 2013 (principalmente se tomarmos como referência a sua primeira fase, quando o Movimento Passe Livre ainda pautava fortemente os atos de rua): o caráter explosivo e inesperado; a centralidade da ação direta; uma nova forma de fazer política, de caráter horizontal e que não passa pelos partidos políticos; a importância das redes sociais; e um formato da luta social que pode ser entendido como “negativo”. Com esta última afirmação queremos dizer que, em ambos os casos, não se tratava de uma negociação em moldes tradicionais por caminhos institucionalizados e nem de propor uma luta ofensiva (que reivindicasse imediatamente a “tarifa zero” ou a “educação pública de qualidade”), mas sim de barrar medidas governamentais e quebrar seus discursos tecnocráticos, que buscavam justificar a inevitabilidade e irreversibilidade das decisões tomadas: o projeto educacional do governo estadual no caso mais recente e o aumento das tarifas de ônibus, metrô e trem (de R$3,00 para 3,20) há três anos atrás.
O artigo buscará: (1) apresentar brevemente do que se tratava o projeto do Executivo estadual paulista que ficou conhecido como a “reorganização escolar”, evidenciando a forma autoritária e burocrática pela qual o plano foi concebido e começou a ser executado; (2) jogar luz nas primeiras reações dos estudantes, da indignação inicial aos primeiros protestos, sob a forma de inúmeras manifestações de rua; e (3) demonstrar como a demanda por participação democrática na educação pública encontrou na forma de ocupação de escolas uma tática de luta igualmente baseada na participação democrática. Por fim, nas Considerações Finais, buscaremos avançar, mesmo que seja no campo das hipóteses, para além de uma comparação superficial das continuidades entre o movimento dos estudantes e Junho de 2013, buscando apontar algumas conexões concretas entre os dois eventos, que simbolizam novas formas de luta social.
Além de ser uma espécie de resumo de livro que alguns de nós estamos escrevendo,1 é relevante afirmar que intentamos fundamentar empiricamente este texto por meio de: entrevistas realizadas com os estudantes durante o movimento de ocupação de suas escolas; entrevistas com alguns militantes do coletivo O Mal Educado (que terá sua relevância para o movimento explicada ao longo do texto); leitura de todas as postagens no Facebook de uma coletânea de páginas que incluiu principalmente aquelas criadas pelos estudantes, seja com o anúncio do projeto, seja com o início das ocupações de suas escolas; dados quantitativos relativos ao número de ocupações coletados e sistematizados pela Apeoesp (o sindicato dos professores da rede estadual); dentre outras fontes.

 

1. A “reorganização” escolar

O projeto de reestruturação da rede pública estadual de escolas em São Paulo veio a público no dia 23 de setembro de 2015 por meio do jornal Folha de São Paulo e de uma entrevista do secretário de educação ao “Bom Dia SP”, jornal matinal da Rede Globo de Televisão. O anúncio tratava da chamada “reorganização escolar”.2 Essa decisão administrativa visava a divisão das escolas segundo ciclos, isto é, cada escola seria sede de apenas um dos ciclos que compõem a estrutura do ensino em escolas públicas: Ensino Fundamental I, Ensino Fundamental II e Ensino Médio. Para levar adiante tal projeto, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (SEE-SP) utilizou-se de dois argumentos.
O primeiro argumento central se baseava em dados coletados pela Fundação SEADE (Sistema Estadual de Análise de Dados) que teriam indicado a diminuição em quase duas décadas da demanda por matrículas nas unidades de ensino, número que beirava cerca de dois milhões de vagas. Em outras palavras, cerca de dois milhões de potenciais alunos teriam deixado de procurar as escolas públicas do Estado de São Paulo, seja por uma diminuição demográfica - queda de taxa de natalidade em anos anteriores e posterior diminuição de crianças e jovens -, seja por migração para as escolas particulares, movimento que passava por um aumento sensível, pelo menos até 2014.3 Além desses dados, o segundo argumento central do governo estadual se fundamentava em um estudo conduzido pela CIMA (Coordenadoria de Informação, Monitoramento e Avaliação Educacional), um órgão ligado à Secretaria de Educação que sugeriu que o desempenho dos alunos nas escolas de ciclo único seria superior (supostamente 10% acima da média).4
Junto com o anúncio da “reorganização”, o secretário de educação declarava também que a Secretaria “gostaria” de incluir os pais nesse processo. Para alcançar essa meta “inclusiva”, no dia 14 de novembro de 2015 (chamado pela secretaria de “Dia E”, de “Educação”) estaria planejado um grande encontro contando com a participação dos pais, com o intuito de “envolvê-los” no processo.
Mas, com o tempo, tornou-se claro aos alunos e a seus pais que tipo de participação o governo propunha: os pais seriam meramente informados sobre como o processo de “reorganização” iria se dar, pois tudo já estava planejado e decidido. No site da Secretaria de Educação foi possível perceber o verdadeiro teor do que o governo concebia como participação dos pais na seguinte mensagem: “No dia 'E', todos os participantes terão a oportunidade de entender o novo processo de ‘reorganização’, que prevê a ampliação do número de unidades de ciclo único em São Paulo e como serão feitas as transferências de alunos e quais escolas receberão cada um”.5 A mensagem resume a intenção da Secretaria: “os participantes terão a oportunidade de entender” um processo já em curso e, principalmente, “entender como serão feitas as transferências dos alunos”. Essa mensagem é indicativa do modo como a Secretaria de Educação planejou o processo. Ou seja, as decisões seriam implantadas sem que fosse permitido serem ouvidos todos os concernidos no processo e sem levar em conta as necessidades e os direitos das alunas e alunos pertencentes às escolas alvos do processo, pois a “reorganização” foi tratada como assunto meramente administrativo e centralizado na burocracia da Secretaria de Educação. Mesmo antes do chamado “dia E”, já estava claro para os pais e alunos que não se tratava, portanto, de uma discussão aberta à comunidade, e que o governo não tinha intenção nenhuma de criar meios para a comunidade ser ouvida e levada em conta na formação do processo, mas sim de informá-la, comunicá-la, fazê-la entender. Embora a “reorganização” fosse afetar diretamente a vida dos alunos e das famílias matriculadas nas escolas onde sofreriam a mudança, suas opiniões, questionamentos, críticas e sugestões não seriam levadas em consideração. O que o governo tomou por participação democrática, na realidade, foi o envolvimento de alguns extratos burocráticos das Diretorias de Ensino e, mesmo essa participação, possuiu muito mais um caráter de execução do que um envolvimento na formulação da “reorganização” como um todo.
Tentando convencer e defender seu projeto na esfera pública, a Secretaria de Educação tentou outros canais de informação e comunicação, além das entrevistas e “matérias” jornalísticas de costume: escalou, por exemplo, a ex-secretária de educação Rose Neubauer para endossar a “reorganização”, oferecendo entrevista que favorecia a implementação da “reorganização”; enviou material informativo para as Diretorias de Ensino com o intuito de esclarecer alguns pontos que ainda permaneciam (e permaneceram) obscuros, material este - importante mencionar mais uma vez - voltado para extrato burocrático que levaria adiante o projeto de “reorganização”; escalou, enfim, até mesmo um diretor de escola particular6 para endossar esse projeto.
As reações foram imediatas. Representando o segmento dos professores (que, ao final, também seriam afetados pelo processo de “reorganização”, também já prevendo a diminuição de postos de trabalho e remanejamento entre as unidades de ensino), a Apeoesp (o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) veio a público para se posicionar contra a “reorganização” conduzida pelo governo. Seus argumentos se direcionavam para o aumento de alunos por sala de aula e a eventual diminuição de vagas de trabalho. Por outro lado, atacando o argumento da “melhora” da qualidade do ensino ao separar as unidades de ensino por ciclo, Faculdades de Educação de universidades públicas estaduais e federais se manifestaram contra, apontando para o potencial privatizante da educação pública. Posteriormente, após o acesso à “pesquisa” feita pela Secretaria de Educação, intelectuais e pedagogos apontaram para a sua falta de rigor.7 A crítica considerava não apenas para resultados contraditórios de outras pesquisas,8 mas, principalmente, a ausência de critérios minimamente científicos, tais como o isolamento de apenas uma variável na pesquisa - a quantidade de ciclos -, ignorando na análise outras variáveis igualmente importantes, tais como número de alunos por escola e turma, índice socioeconômico da região onde a unidade de ensino está situada, grau de formação das equipes de professores, diretores etc.
Como resultado, formou-se algum debate nas redes sociais, revistas e jornais; sua amplitude foi limitada pois o governo estadual não apresentava claramente as justificativas para sua proposta e não eram liberadas de maneira transparente as informações com relação à amplitude do projeto. Para se ter uma ideia, a primeira estimativa de quantas escolas seriam fechadas veio à público por iniciativa da Apeoesp: suas subsedes realizaram um levantamento sistemático e concluíram no início de outubro (duas semanas após o anúncio do secretário) que estavam sendo consideradas 155 escolas estaduais para terem suas atividades encerradas. O governo apenas liberou a lista definitiva de escolas que fechariam no final do mês: se não fosse o movimento dos estudantes, teriam sido 94. Além disso, se não fosse pelo jornal O Estado de S. Paulo ter entrado com um pedido baseado na Lei de Acesso à Informação, o estudo univariado que fundamentaria a proposta do Governo Alckmin não teria sequer vindo à tona.9

 

2. A primeira reação dos estudantes
A reação mais contundente, porém, veio daqueles que seriam diretamente afetados: das famílias e, principalmente, das alunas e alunos. Uma avalanche de hashtags, posts, abaixo-assinados, bem como comentários relacionados a essas postagens tomaram conta das páginas de Facebook relacionadas às unidades escolares e grêmios estudantis - muitas delas foram criadas após o anúncio da “reorganização”. É possível acompanhar nessas páginas o sentimento de indignação presente nas declarações de alunos com relação ao modo como o processo estava sendo conduzido pelo governo do Estado. Os alunos passaram também a cada vez mais comentar as publicações do Facebook da Secretaria de Educação. A Secretaria tentou responder alguns desses comentários repetindo seus argumentos de que havia ocorrido uma queda na demanda por vagas e que as escolas de ciclo único teriam rendimento superior, deixando transparecer que não haveria discussão com a comunidade sobre a implementação e indicando que os afetados seriam apenas devidamente informados sobre o processo. Tornou-se cada vez mais claro, em cada posicionamento público da Secretaria de Educação, seja via redes sociais, seja via meios mais tradicionais como jornais e revistas, sua intenção de não deixar a discussão do processo aberta a tal ponto de se colocar em questão sua viabilidade.
A grande maioria desses posts tem como orientação geral posicionar-se contra a “reorganização” escolar, já indicando a radicalidade dos estudantes desde o início. Enquanto o governo parecia acreditar que o conflito se resumia a uma “falha de comunicação” e, portanto, tentava remediar a situação apenas divulgando a medida e os argumentos “pedagógicos” por trás dela, para os estudantes, o problema ia muito além disso. É verdade que parte da revolta se deu porque muitos estudantes descobriram que haveria uma “reorganização” pela televisão ou por boatos e foram pegos de surpresa, porém, isso não significa que se tivessem sido propriamente avisados estes concordariam com a medida. Uma aluna de Guarulhos, por exemplo, expressou na página de Facebook da ocupação de sua escola a sua posição diante dos informes da Secretaria da seguinte maneira:

   
 

[Eu sou contra] a reorganização porque eles não avisaram ninguém, nem os alunos e muito menos os professores. Muitos dos professores serão desempregados, os alunos irão pra escolas muito longe e bairros perigosos. A minha escola será uma das fechadas. E eles não vieram avisar ninguém. Chegaram aqui um dia e falaram “Vão fechar a sua escola”. E como é a minha escola, eles teriam que ter vindo avisar e não foi isso que aconteceu, por isso que eu sou contra.

   

 

 

Do que foi possível averiguar, nenhum fator que não estivesse expresso em planilha contribuiu para o planejamento da “reorganização”, feito sem consideração nenhuma pela experiência concreta dos envolvidos. A promessa de que os estudantes seriam transferidos para escolas no máximo a 1,5km de distância não tem impacto algum na hora de convencer os estudantes de que o transporte para outra escola não seria um problema, pois este transporte, na prática, não implica somente distância em números. Fatores como a disponibilidade dos pais para acompanhar filhos menores à sua nova escola - agora separada da escola do irmão maior -, a natureza do trajeto a ser realizado e mesmo a necessidade de pessoas com deficiência física foram fatores completamente ignorados pela Secretaria em seu “planejamento”. Esse tipo de crítica, muito presente no discurso dos estudantes, levou a Secretaria a oferecer-se para negociar caso a caso, conforme fossem apresentadas as demandas, mas sem abrir mão da “reorganização”. Porém, a recusa dos estudantes em negociar separadamente cada caso, deixou claro que a participação no processo não poderia se resumir à conquista de exceções e que o governo precisaria condicionar o projeto como um todo à aceitação do coletivo.
Em realidade, o que houve foi também um desencontro de visões do que é a experiência escolar. A visão tecnicista que o governo tem da educação não corresponde à experiência dos estudantes, para quem a escola é muito mais que apenas um prédio e vagas em uma sala de aula. Grande parte da recusa dos alunos em aceitar a “reorganização” foi seu apego pela escola, pelo que ela significa enquanto parte de sua história e memória, e enquanto parte da comunidade e lugar da construção de laços sociais. Esse apego se mostrou presente tanto nas escolas com melhores condições quanto nas escolas mais precarizadas. Independente de qualquer insatisfação, os estudantes mostraram que tinham a escola como um lugar social central em suas vidas. Uma aluna de uma escola na região central em São Paulo, por exemplo, resumiu seus sentimentos em um vídeo compartilhado no Facebook da seguinte maneira:

 

   
 

Eu particularmente detestava a escola, desculpa a sinceridade, mas eu detestava a escola por ela ser um ambiente muito opressor [...], só que eu detesto a escola mas eu acho que quem faz a escola somos nós [...], porém, tipo eu falo que eu não gosto assim só que é a minha escola, sabe, tipo eu quero estar aqui, eu quero mudar esse costume chato dos professores entrarem aqui e jogarem qualquer coisa na lousa, porque a escola pode ser do jeito que for mas é um ambiente nosso que a gente tem que lutar por ele [...].

   

 

Comentários assim foram muito presentes desde o início da contestação da “reorganização” e o governo e defensores da proposta desprezaram essas críticas como uma espécie de sentimentalismo. A questão central dos protestos não era porque as alunas e alunos não entendiam como seria a “reorganização” ou porque tinham um apego emocional à escola, mas sim porque se opunham a ela enquanto política pública. Os argumentos “pedagógicos” dados pela Secretaria de Educação não encontraram ressonância nenhuma entre os alunos que, a partir da sua própria experiência, tiravam conclusões bem diferentes. Diante da superlotação das salas e falta de infraestrutura nas escolas, a “reorganização” simplesmente não faz sentido algum enquanto política pública com fins de melhora da qualidade da educação; seria um contrassenso. Um estudante de uma escola em Araraquara, por exemplo, expôs esse fato no Facebook de sua ocupação em um raciocínio muito simples: “O governador do estado alega que há um déficit de 2 milhões de alunos, no entanto entendemos que esta seria uma oportunidade para o governador melhorar a educação e não piorar”.
Tornou-se relativamente comum expor a contradição da “reorganização” com a expressão de que não é possível reorganizar algo que não está organizado, como demonstram estas citações retiradas do Facebook:

 

   
 

Estudamos em situação precária, no jeito que podemos, em situação que coloca em risco nossa saúde. Tirando o direito do ser humano. [...] Nas fotos vemos a quadra e o espaço ao seu redor com gramas e moitas com um grande volume (o que pode trazer pragas urbanas, trazendo doenças ou até podendo ferir algum aluno ou funcionário). Infiltrações por toda a escola. Água sai pela fiação das lâmpadas das salas de aulas. Buracos nas paredes com “remendos”, mas sem uma manutenção devida. Banheiros com portas quebradas e sem alguns azulejos nas paredes (o que pode trazer doenças por acumular bactérias). Uma palavra para definir isso: IRRESPONSABILIDADE! Como o Governador quer uma reorganização, sendo que nem o que há está organizado? Reflitam sobre isso.”

Nas condições em que as escolas estaduais se encontram, não é possível fazer uma reorganização em algo que não está organizado. Acho que primeiro ele deveria investir na estrutura escolar, em vários outros fatores, no salário dos professores por exemplo, nas salas superlotadas que já existem e ele ainda vai piorar com essa reorganização. Então acho que tem várias outras coisas em que ele podia investir antes de pensar em reorganizar ou reestruturar alguma coisa dentro das escolas.

   

 

 

Assim, o discurso tecnocrático, quando confrontado com a experiência concreta dos estudantes, revela-se nada mais que uma “desculpa” para o corte de gastos, única explicação possível para a decisão do governo. A convicção de que por trás da “reorganização” não haveria nada além de corte de gastos foi generalizada e inabalável desde o início no movimento, pois se trata de uma conclusão lógica tirada a partir de suas próprias experiências.
Diante da postura da Secretaria de Educação em ignorar as críticas dos estudantes ou diminuí-las como “falta de entendimento”, insistindo nos mesmos argumentos, de saída rejeitados pelos estudantes pelos motivos que expusemos, além da atuação nas redes sociais, o que se presenciou foi a expressão da indignação em atos de rua contra a “reorganização” em cerca de 60 diferentes municípios do estado de São Paulo. Durante seis semanas, os estudantes foram às ruas em quase 200 ocasiões para protestar contra a “reorganização”, eventualmente com a participação de pais e/ou professores. Esses protestos, no que foi possível de ser averiguado, ocorreram a partir de 28/09/2015, contando inicialmente com um protagonismo intenso do interior do estado de São Paulo. Num primeiro momento, esse protagonismo foi impactado pela atuação das subsedes da Apeoesp. No entanto, com o passar do tempo, o sindicato dos professores foi perdendo espaço para uma participação cada vez mais autônoma das alunas e alunos.
Houve várias formas de manifestações: atos em frente às unidades escolares - simples protestos que paralisavam as aulas; grandes abraços em torno da escola; ato fúnebre no Dia de Finados para velar a escola que seria fechada -, passeatas (às vezes percorrendo vários quilômetros), trancamentos (de ruas, avenidas e até de rodovias) e atos-debate. Havia, em geral, cartazes, faixas, panfletos e, eventualmente, bexigas, rostos pintados, narizes de palhaço, apitos, barricadas, carros de som e abaixo-assinados. No caso das passeatas, o início e destino tiveram diferentes trajetos: Diretorias de Ensino; a Secretaria Estadual de Educação; os poderes públicos locais; praças ou terminais de transporte público; a Assembleia Legislativa; o Palácio dos Bandeirantes, sede do Governo Estadual; e, por fim, aparições públicas do governador Geraldo Alckmin.
No entanto, com o passar do tempo e com a intransigência da Secretaria em discutir o projeto em sua integralidade, os protestos e atos centralizados na capital paulistana foram diminuindo não só de tamanho como também na frequência. As estudantes e os estudantes entendiam que havia certa estratégia governamental de vencimento pelo cansaço. As negociações estavam travadas ou sequer existiam, pois do lado do governo não havia abertura, apenas a repetição de como o projeto seria implementado. Um estudante, em entrevista concedida aos autores, conta como foram recebidos na Diretoria de Ensino após uma manifestação de rua que unificou algumas escolas estaduais da Zona Oeste de São Paulo:

 

   
 

Foram lá, conversaram com dois supervisores de ensino e mais uma vez lá a gente chegou cobrando poder de decisão, cobrando que a gente pudesse falar e pudesse decidir se a nossa escola iria ou não ser afetada por esse projeto e mais uma vez lá o que eles fizeram? Explicaram pra gente. E é uma coisa que a gente já tava cansado, a gente não queria ouvir, a gente já tinha entendido o projeto, se a gente tava na rua era porque a gente era contra esse projeto! Bom, e aí essa manifestação é como uma última aqui da região né?

   

 

 

No entanto, essa fase de manifestações não surtiu o efeito esperado, ou seja, abertura do governo para discutir o projeto de “reorganização” a tal ponto de se colocar em pauta a viabilidade e efetividade da “reorganização”. A avaliação das alunas e alunos era a de que estavam sendo “enrolados”. A Secretaria, insistindo na estratégia de cansaço, repetia a cada vez como seria o processo de “reorganização”, tentando “explicar”, como se os protestos se devessem por falta de entendimento, por limitação intelectual por parte das alunas e alunos.

 

3. As ocupações

Diante desse aparente beco sem saída, as alunas e alunos encontraram outra forma de crítica e expressão de suas insatisfações: a ocupação das unidades de ensino. Segundo uma das estudantes entrevistadas na E.E. Ana Rosa, a ideia da ocupação surgiu numa assembleia conjunta feita na E.E. Fernão Dias (ambas as unidades na Zona Oeste da cidade de São Paulo): “Foi depois de uma manifestação, a gente tava tentando arrumar um jeito de ficar na escola, sabe? Arrumar um jeito de ter um impacto… porque nada mais tava dando jeito… [fazer manifestações] não tava adiantando, não tava dando certo”. Mas é num vídeo publicado no site Passa Palavra,10 que um estudante conseguiu ressaltar o caráter coletivo e estratégico para as alunas e alunos envolvidos no movimento. Na tentativa de explicar para um policial militar postado na porta da E.E. Sílvio Xavier (Zona Norte de São Paulo), um aluno tentava explicar que a intenção da ocupação não é “vandalizar” ou destruir a escola, mas sim “serem ouvidos”, isto é, participar da decisão de implementação ou não da “reorganização”:

 

 

Primeiramente, boa noite pro senhor, desejo um bom trabalho pro senhor, apesar de tudo que tá acontecendo. E, assim, como ela mesmo disse, [ocupar] foi a última medida. O senhor acompanhou na mídia, de repente até participou de alguma ocorrência. Não é o primeiro caso, nós tiramos como exemplo outras escolas. E foi a única forma que eles foram ouvidos. A gente já foi pra rua, a gente já protestou na Praça da República, já protestamos em frente à Diretoria de Ensino, já protestamos na Avenida Paulista. Em momento algum deram ouvido pros estudantes. E essa foi a única forma que a gente encontrou de ser ouvido, entendeu? Aqui ninguém quer vandalizar nada, até porque, se a gente tivesse aqui pra vandalizar, a gente não faria isso, porque a gente tá lutando pra manter a escola aberta e por qual motivo que nós mesmos que estamos lutando pra manter a escola iríamos quebrar?

 

 

Cada unidade escolar que aderiu à ocupação enquanto nova forma de luta social tomou essa decisão à sua maneira. No entanto, as primeiras escolas ocupadas se inspiraram na cartilha “Como ocupar um colégio?”, texto traduzido e adaptado pelo coletivo O Mal Educado11 a partir de documento elaborado pela seção argentina da Frente de Estudiantes Libertários. O texto tinha como meta descrever e registrar a experiência argentina de luta, que foi inspirada, por sua vez, na luta dos secundaristas chilenos. A pequena cartilha, composta por oito páginas, começa com uma “Abertura” relatando a “Revolta dos Pinguins” que ocorreu no Chile em várias etapas, com duas grande mobilizações entre 2006 e 2011. Em seguida, o manual passa a apresentar um “Plano de ação” para os estudantes secundaristas de São Paulo; é preciso que a sua estratégia permita-lhes “vencer a luta por educação pública, gratuita e de qualidade”. Não se pode esquecer que as ocupações de escolas são uma tática, ou seja: “uma das ferramentas dentro desta estratégia”. Além disso, a cartilha se preocupa em deixar claro a todos os estudantes que não será fácil: “Não é nenhuma festa ter que dormir todos os dias no colégio, suportando as mentiras do governo e dos meios de comunicação que nos apresentam como vagabundos que não querem estudar”. Por isso, o manual também deixa claro que “uma ocupação é sempre o último recurso, depois que todos os canais de diálogo e as outras formas de luta tiverem se esgotado”.
No entanto, uma das características que mais chamam a atenção é que o manual “Como ocupar um colégio?” traz sugestões de como organizar assembleias, algo que vai se tornar comum no interior das ocupações. Os estudantes aderiram à ideia, pondo em discussão coletiva desde a organização mais “prática” do dia a dia, tais como as equipes de limpeza e “segurança”, até decisões a respeito dos rumos da ocupação e da articulação externa com outras escolas. Além disso, o manual recomenda a organização de atividades (recreativas ou formativas) a serem feitas durante o dia, envolvendo não só a participação de alunos, como também dos professores, pais e todos aqueles que apoiam a ocupação. Numa das partes mais importantes, por marcar a orientação da organização das ocupações, o texto explicita alguns princípios básicos a serem seguidos para a “Organização da ocupação”. Como se pode perceber, não se trata de uma fórmula secreta e perfeita que, se aplicada daí decorreria necessariamente a melhor administração da ocupação, mas apenas que sua organização garantisse que as tarefas fossem cumpridas e que a democracia direta presente nas assembleias fosse respeitada:

 

 

O mais prático e recomendável é que a assembleia geral nomeie comissões para cada tema específico, que fiquem responsáveis de supervisionar e cumprir as tarefas designadas para elas. As seguintes comissões são básicas e não devem faltar em nenhum processo de ocupação: COMIDA […] SEGURANÇA […] IMPRENSA […] INFORMAÇÃO […] LIMPEZA […] RELAÇÕES EXTERNAS […].

 

 

Seguindo essas orientações gerais, o movimento de ocupação das escolas alvos da “reorganização” acabaram adotando como base a formação de assembleias para a discussão coletiva dos problemas e dos rumos do movimento. Apesar das frequentes tentativas de partidos políticos e movimentos sociais intervirem nas ocupações, ao acompanhar sua trajetória, é possível perceber que os estudantes conseguiram impor a autonomia, não só das ocupações, mas também da agenda do movimento como um todo. Houve um apoio muito grande de vários desses partidos, movimentos sociais e coletivos, porém é importante destacar que eles nunca se tornaram protagonistas no lugar das alunas e alunos de cada unidade escolar. Mesmo o coletivo O Mal Educado, aquele que forneceu o manual de ocupação, não atuou exatamente como dirigente do processo político, mas muito mais como um catalisador que iniciou uma virada tática - das manifestações de rua às ocupações -, apresentando uma nova forma de ação coletiva, antes desconhecida ou impensável não só para os dirigentes ligados à Secretaria de Educação, como também para as próprias alunas e alunos. Essa afinidade entre o autonomismo d’O Mal Educado e a autonomia dos alunos em cada unidade escolar é muito clara numa fala de um estudante da E.E. Fernão Dias em entrevista a nós concedida:

 

 

A gente teve contato com esse manual [d'O Mal Educado], começamos a ter um interesse, né, em ocupar a escola e tal, mas a princípio era isso, a gente só tinha o material, o texto, e aí a gente começou a entregar essa cartilha pra gente trocar a ideia e tal [entrevistadora pergunta como eles conheceram o manual] Ah, através desse coletivo, O Mal Educado, né? Eles tavam fazendo panfletagem nos atos […] aí a gente começa a falar “É uma ideia interessante, vamo começar a se organizar pra fazer isso acontecer”, então a gente foi atrás de material, então, por exemplo, um documentário chamado “Revolução Pinguina”,12 a revolução dos pinguins, que é os estudantes no Chile que ocuparam as escolas contra a privatização do ensino, enfim, por uma pauta específica deles, mas que ocuparam as escolas. Então a gente começou a ir atrás pra ver como que seria a entrada na escola, como seria a entrada pra ocupar, como seria a organicidade, como seriam feitas as assembleias. Então a gente começou a ir atrás de material pra fazer essa luta. “Vamo ocupar a escola? Vamo! Como?” É botando cadeado no portão? É vendo a hora que a gente vai entrar, é agilizando colchonete, é preparando assembleia pra fazer comida, pra fazer segurança, pra ter porta-voz pra falar com a mídia e aí no espaço também onde todos possam decidir, então vendo a importância também da gente se organizar os estudantes pelos estudantes, sem movimento, sem partido, a gente vendo essa necessidade também da luta da gente não ter uma pessoa que falava “Ó, isso que vocês vão fazer”, pelo contrário: todo mundo decidindo o que a gente iria fazer.

 

 

A parte final de sua fala é central para compreender o teor do movimento de ocupação. Não só emergiu a indignação dos estudantes com relação à falta de participação democrática sobre um projeto que afetava diretamente suas vidas, mas também o movimento de protestos e ocupação das escolas moldou-se pela prática de participação democrática por meio de assembleias. É como se a própria organização do movimento se colocasse contra a forma como a Secretaria vinha conduzindo o projeto de “reorganização”. Nas palavras do aluno acima citado, eles viam a necessidade de não ter somente “uma pessoa” determinando todo o processo, mas sim “todo mundo decidindo” o que iria fazer, sem a imposição de uma agenda partidária ou mesmo de algum coletivo específico.
O movimento das ocupações não ficou sem reposta do governo, tentando solucionar a questão via a utilização do aparelho judicial e policial. Baseado numa leitura equivocada do movimento - a de que era a Apeoesp o principal agente que organizaria e agitaria os alunos - foi concedido por um juiz do Tribunal de Justiça de São Paulo em primeira instância o pedido governamental de reintegração de posse na noite da quinta-feira dia 12 de novembro, estabelecendo o prazo de 24 horas “para que as pessoas que ali se encontram desocupem o prédio espontaneamente, a partir do que serão coercitivamente retiradas”.13 No despacho, estava claro que o juiz (e também o governo) tinha certeza de que as alunas e alunos da ocupação estavam sendo “aliciados”, usados por movimentos mais experientes, principalmente o sindicalista. Por isso, no despacho estava escrito que além de representantes da Secretaria de Educação, deveria estar presente também “representante do Conselho Tutelar, já que é possível a participação de crianças e adolescentes no movimento”. A menção a uma “possível participação de crianças e adolescentes no movimento” expressa a opinião não só do juiz como do governo, que não concebiam as alunas e alunos como protagonistas do movimento de ocupação.
Antes que a reintegração fosse levada adiante, duas ações determinaram sua suspensão: o Ministério Público de São Paulo, na figura do Promotor de Justiça João Paulo Fastinoni e Silva entra com um pedido de reconsideração da reintegração de posse; ao mesmo tempo em que o Juiz Corregedor da Central de Mandados - Alberto Alonso Muñoz - decide por iniciativa própria chamar uma audiência de conciliação, ocorrida na tarde da sexta-feira 13/11 em que participaram os dois juízes, com a participação de três estudantes das ocupações.14 A tentativa de conciliação fracassa pois duas reivindicações dos alunos não foram aceitas: “Que a entrada e saída da escola fosse decidida pelos estudantes ali presentes” e “Reunião com o Secretário de Estado da Educação na própria escola para início de negociações”.
Apesar de ter deliberado pela desocupação num primeiro momento, surpreendentemente, na noite de sexta-feira 13/11, o juiz Luis Felipe Ferrari Bedendi alterou sua compreensão do caso e suspendeu a reintegração de posse das escolas ocupadas. Foram basicamente três argumentos apresentados por ele para a suspensão: as ocupações tinham “caráter eminentemente protestante”; caso se mantivesse a ordem de reintegração de posse, nada impediria a expansão das ocupações de escolas15 ou mesmo que escolas que passassem por reintegração de posse fossem em seguida reocupadas; e em terceiro lugar, o juiz se refere ao “fato de que a maior parcela dos ocupantes é de adolescentes ou crianças”.16
Após essa sequência de decisões17 , o que se segue é um crescimento vertiginoso das ocupações não só na Capital do estado, mas principalmente pelas cidades do interior. Seguindo mais ou menos o mesmo caminho das primeiras, a tática das ocupações se mostrou como opção para cada unidade escolar na medida em que os protestos de rua se mostraram insuficientes para alcançar os objetivos dos alunos, qual seja, a imediata suspensão da “reorganização” e a abertura de diálogo (efetivo e não apenas informativo) com o governo. Enquanto isso, a mídia tradicional começou a cada vez mais cobrir as ocupações.18 Ao mesmo tempo, os alunos passaram a se tornar cada vez mais conscientes dos problemas envolvidos no projeto, principalmente para aqueles que foram fazer matrícula para o ano de 2016 nas unidades alvo do projeto, não encontrando mais vagas disponíveis para o próximo ano letivo. Diante dessa situação, o que se viu foi o crescimento desse movimento: ao final da primeira semana do movimento, já eram 20 escolas ocupadas; uma semana depois o número passa para 89 ocupações; em apenas dois dias, graças ao boicote ao SARESP19 , as escolas ocupadas saltam de 116 para 176; o ápice se deu na primeira semana de dezembro (dia 02/12), quando foram registradas 213 ocupações.20

Gráfico 1 - Evolução das escolas ocupadas

Depois da decisão tomada coletivamente, os estudantes passam a ocupar suas escolas e, uma vez lá, passam a compartilhar suas experiências do cotidiano, principalmente pela internet. É impossível dar conta de toda riqueza e complexidade vividas nas ocupações durante esse período. Se fosse possível colocar em palavras, cada ocupação representaria um microuniverso particular, com circunstâncias tão singulares que, num primeiro momento, seria possível dizer cada ocupação é completamente diferente da outra. E, no entanto, ocorreram várias experiências similares. Uma delas foi a organização democrática, não só nas decisões dos rumos do movimento, como também da própria organização da ocupação. Foram organizadas aulas públicas, oficinas, atividades culturais, palestras, saraus, shows, uma outra forma de organizar as salas de aula, propostas com temas de interesses dos alunos e não mais determinados de fora, pelo currículo escolar. Um exemplo da riqueza de atividades promovidas dentro das ocupações e do apoio da sociedade aos estudantes mobilizados foi o programa “Doe uma aula”. Em um formulário online, interessados podiam oferecer aulas e oficinas para as diversas ocupações. Poucas horas depois de lançado, o formulário já contava com 700 propostas, número esse que chegou a impressionantes 2500.
Após quatro semanas e mais de 200 escolas ocupadas, não só o governo parecia usar, na percepção dos estudantes, a estratégia de vencer pelo cansaço, como a relação dos ocupantes com a autoridade mais próxima - as diretoras e diretores - se tornara em muitos casos insustentável. Nas redes sociais não cessavam relatos de abusos de autoridade. O ápice desse processo coincidiu com o vazamento21 da gravação do áudio de uma reunião entre o chefe de gabinete da Secretaria de Educação, Fernando Padula, e dirigentes de ensino. Em reunião realizada em 29/11/2015, Padula expressa, por um lado, que o governador “não [es]tá nem titubeando em relação à reorganização”, mas, por outro, sugere aos dirigentes “uma ação ao longo da semana no sentido de começar a deixar do outro lado a intransigência”.
Foi quando o movimento das escolas ocupadas decidiu mudar a estratégia: fazer pequenos atos de rua ou “aulas na rua”. Mais uma vez, uma cartilha produzida pelo coletivo O Mal Educado serviu como catalisadora do processo.22 O manual apontava a ação como a única saída para o impasse em que o movimento se encontrava: “Se não dermos um passo radical podemos perder o tempo e a luta, ou eles vencem ou nós”. A estratégia passa a ser chamar a atenção mediante pequenas intervenções de trancamento de ruas e avenidas. Imagens marcantes foram os alunos levando para fora da escola as carteiras estudantis. Estas ações diretas foram alvo de grande repressão por parte da Polícia Militar, registrada com inúmeras fotos e vídeos por celulares e depois compartilhados nas redes sociais. Do dia 30 de novembro ao dia 3 de dezembro os atos escalaram rapidamente, chegando a mais de dez pontos de interrupção do tráfego em um único dia, além da ocupação de duas diretorias de ensino: de Sorocaba e de Santo André.

 


Alunos apreendidos na 23 DP após serem expulsos da Ocupação Deco.


Apesar de polêmicos, esses trancamentos acabaram chamando a atenção da opinião pública que, via de regra, apoiou os estudantes. No começo de novembro, uma pesquisa do Datafolha, cujos dados foram coletados no fim de outubro, já indicara que mais da metade (59%) dos paulistas eram contrários ao projeto de “reorganização”. No fim do mês, outra pesquisa comprovaria que a maioria (55%) era, inclusive, a favor das ocupações.
O apoio da sociedade foi vital para a manutenção das ocupações que dependiam de doações de alimentos, cobertores, colchões etc. O fato de escolas em regiões centrais terem mais visibilidade e, consequentemente, terem recebido mais doações, foi parcialmente compensado pela atitude solidária por parte dos estudantes: se uma unidade recebia excessos, estes eram compartilhados com outras unidades de ensino. Além de receber doação material e de aulas e oficinas, as escolas receberam também apoio jurídico, com cadastros de advogados para uma eventual defesa dos alunos.
No começo de dezembro pode-se também observar uma aproximação com o que pode ser chamado de mainstream da produção cultural paulistana com relação ao movimento das ocupações, com demonstrações públicas de apoio de diversos artistas, intelectuais e grupos organizados. A virada das ocupações, nos dias 06 e 07/12, com palcos em dez escolas ocupadas e participação de centenas de artistas, representou o ápice desse processo.
Além dos trancamentos de ruas e avenidas e o amplo apoio às ocupações demonstrado pela sociedade civil, um terceiro fator foi determinante no desdobramento do processo político: a atuação institucional do Ministério Público e da Defensoria Pública estaduais de São Paulo, que entraram com uma ação civil pública contra o projeto da “reorganização” no dia 03/12. MP e Defensoria exigiam que o Tribunal de Justiça de São Paulo obrigasse o Executivo estadual a restaurar os princípios constitucionais (inciso VI do artigo 206 da Constituição Federal de 1988) e legais (dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA - e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB) que preveem a gestão democrática do ensino público.
Com a demonstração de força do movimento, o cerco institucional e o apoio da sociedade, que refletiu em uma enorme queda de popularidade do governador, apenas quatro dias depois de assinar o decreto que formalizara a “reorganização” do ensino, Alckmin se viu forçado a recuar e anunciar em pronunciamento público que adiaria em um ano a medida, enquanto que o secretário da educação Herman Vorwald entregou seu cargo.

 

Considerações finais: conexões com Junho de 2013

O movimento dos estudantes se insere em tendências históricas que foram se tornando mais evidentes a partir do ano de 2013. Analisar o processo da luta contra a “reorganização” contribui para pensar questões mais amplas do Brasil contemporâneo e a entrada no cenário público de novíssimos personagens políticos. Vários analistas chegaram a apontar continuidades entre Junho de 2013 e o que foi chamado de “primavera secundarista”. Mas para além de uma comparação superficial das continuidades entre o movimento dos estudantes em 2015 e as manifestações de Junho de 2013, pensamos que o debate deve avançar, para focar nas conexões entre os dois eventos, que simbolizam novas formas de luta social. Assim, propomos uma substituição de abordagens: em vez de um discurso corrente acerca do “espírito de Junho” (como algo “que paira” sobre o movimento das ocupações) transitamos para uma investigação das conexões concretas entre os dois momentos históricos como parte de um mesmo processo social mais amplo. Com o intuito de formular algumas hipóteses, é possível circunscrever três pistas que podem esclarecer as mediações sociais entre esses dois eventos.

[1] Em primeiro lugar, há uma conexão entre duas organizações que foram importantes como catalisadoras (e não como protagonistas ou dirigentes, é importante lembrar) dos protestos de junho, de um lado, e das ocupações de escolas, de outro: o Movimento Passe Livre de São Paulo (MPL-SP) e o coletivo O Mal Educado, respectivamente.
Alguns dos militantes que fundaram em 2012 O Mal Educado já eram, desde 2011, do MPL-SP. A ligação entre as duas organizações não se dá apenas enquanto espaço de militância, mas principalmente como rede de sociabilidade: por meio das relações de amizade, afinidade e coleguismo, foi possível realizar o encontro das duas experiências que desaguaram n’O Mal Educado: a Poligremia (uma articulação entre grêmios de colégios particulares - dos quais participavam aqueles mesmos militantes do MPL-SP - e escolas técnicas estaduais, que ocorreu entre os anos 2011-12) e a luta em 2009 pela derrubada da diretora da Escola Estadual Professor José Vieira de Moraes - conhecida como “o Vieira” -, localizada no extremo sul da cidade de São Paulo.23
O coletivo O Mal Educado, por exemplo, nunca esteve alheio à pauta do transporte público, principalmente durante 2013. Alguns de seus militantes passaram a se dedicar exclusivamente ao MPL-SP neste ano, tendo em vista os preparativos para Junho. Por outro lado, o próprio O Mal Educado também contribuiu com a pauta do MPL-SP, realizando um dos vários atos descentralizados nas periferias que precederam ou sucederam os atos centralizados.24 Além disso, O Mal Educado teve papel relevante na fundação do Luta do Transporte no Extremo Sul, entre agosto e outubro de 2013.
Por fim, aqueles militantes que haviam saído d’O Mal Educado para se dedicar aos atos que desaguaram em Junho de 2013, saem do MPL-SP em meados de 2015 e se reaproximam do coletivo, participando de uma frente de coletivos, movimentos, organizações e militantes independentes que foi fundamental para a divulgação da ocupação de escolas enquanto tática de luta e forma de ação coletiva durante o mês de outubro de 2015, resultando na primeira leva de ocupações na segunda semana de novembro.
Esta conexão concreta entre as organizações - MPL-SP e O Mal Educado - é prenhe de consequências: ambas são pertencentes ao chamado campo autonomista, compartilham de certa cultura política, um repertório de lutas que privilegia a ação direta, uma valorização da horizontalidade, bem como uma recusa declarada à “política tradicional”, com seus partidos e lógicas mais formais e institucionalizadas. A cultura política autonomista se revelou, em ambos os momentos históricos, excepcionalmente capaz de detonar processos inovadores com relação ao cenário de lutas sociais que estavam em andamento, como foi o caso dos atos de rua massivos em 2013 e das ocupações de escolas no ano passado.
Porém esta ainda se trata de uma conexão concreta que não dá conta de mediações mais profundas entre os processos sociais. Se levássemos em consideração apenas estas relações (que são mais complexas do que já foi aventado por pessoas e grupos políticos), estaríamos apenas captando uma primeira camada superficial.

[2] Uma segunda conexão está na própria experiência individual que muitos - talvez a maioria - dos ocupantes das escolas tiveram com junho de 2013. Em entrevistas, foi possível perceber que não foram poucos os estudantes que participaram de algum dos atos de rua centralizados chamados pelo MPL-SP. Para os que relataram nas entrevistas a sua participação nas manifestações, a violência policial foi muito marcante: mais de um ocupante narrou os horrores da atuação da PM e suas fugas pelo Centro da cidade de São Paulo25 para correr e conseguir escapar das balas de borracha e do gás lacrimogêneo. A alegria dos protestos não passou batido para esses estudantes: o calor, os sorrisos, cantar as palavras de ordem. Muito impactante foi também o sentimento de estar participando da História, efetivamente fazendo-a, e a percepção de que foi um momento crucial em sua própria trajetória de politização. Alguns foram sozinhos, outros com amigos, familiares ou conhecidos; e houve também relatos de organização de grupos de estudantes de escolas da periferia para irem coletivamente a atos centralizados na região da Paulista. Para estes estudantes, moradores de bairros periféricos e filhos de trabalhadores, os protestos eram sempre referidos de forma espontânea (ou seja, não dirigida pelos entrevistadores) como sendo “do MPL”, “do passe livre” ou “dos vinte centavos”. Foi significativo como as entrevistas revelaram que os estudantes identificam Junho de 2013 inteiramente com a luta para barrar o aumento da tarifa: a difusão posterior de pautas foi, na enorme maioria das vezes, ignorada.
Estudantes secundaristas participaram tanto dos atos centralizados (na Paulista e na região central de São Paulo) quanto nos descentralizados, como fica bem demonstrado pelo documentário “Primeiras Chamas: atos regionais das jornadas de junho”, disponível no Youtube.26 Inclusive porque o MPL-SP aposta, já há alguns anos, no trabalho de base em escolas públicas. E surveys da época também comprovam que o público dos atos de rua era muito jovem; segundo Datafolha realizado no protesto de 17 de junho de 2013, 88% dos manifestantes tinha menos de 35 anos e 23% tinham entre 12 e 20 anos.27
Obviamente também houve relatos de não participação,28 seja porque no momento eram “muito jovens” ou suas mães não os deixaram ir, embora quisessem muito. Mas de qualquer maneira, o impacto de junho em termos do imaginário político é inegável.29 Os estudantes acompanharam pela televisão30 a violência: o “gás de pimenta” que a polícia jogava nos manifestantes, as depredações, a tentativa de invasão da sede da Prefeitura de São Paulo, um coquetel molotov sendo jogado na polícia do Rio de Janeiro. Mas também rememoraram imagens referidas como “bonitas” e “impactantes”, sendo que mais de um entrevistado se referiu às fotos e vídeos dos manifestantes em cima do Congresso Nacional produzindo um jogo de sombras; um dos alunos a descreveu como “a cena mais linda”.

[3] Uma terceira e última conexão é a emergência de uma espécie de ampla disposição de luta entre uma geração de estudantes de escolas públicas, que antecede Junho de 2013 e ultrapassa as desocupações de escolas em dezembro de 2015. Talvez esta seja a conexão mais interessante, pois ela possibilitaria apreender as tendências mais profundas, porém certamente é a que mais se reveste de caráter hipotético, devendo necessariamente ser desenvolvida em investigações empíricas.
O que estamos chamando de disposição de luta não deve ser confundido com expressões abstratas como “espírito de junho” pois, para compreender esta disposição, é preciso sobretudo investigar a experiência concreta dos sujeitos, pois ela nasce da vida cotidiana, de um aprendizado autônomo com relação aos problemas sociais em questão. Por isso enfatizamos aqui que é preciso debruçar-se sobre os processos de luta social em nível micro, que em geral passam sem registro histórico, e buscar conhecer mais profundamente o universo de referências e a experiência acumulada dos sujeitos.
Antes da primeira escola ocupada, os estudantes já estavam nas ruas protestando contra a “reorganização” escolar. Para compreender como foi possível uma mobilização tão grande, pulverizada e espontânea é preciso considerar que os mesmos alunos já haviam organizado autonomamente atos de rua em apoio à maior greve dos professores da rede estadual de São Paulo, que ocorreu entre março e junho de 2015, durando 92 dias. Além de apoiar a pauta salarial dos docentes, os estudantes também levantaram reivindicações próprias, ligadas a melhorias na infraestrutura das escolas, contra a superlotação de salas, etc.
Mais interessante ainda é notar que há nessa modalidade de ação coletiva dos estudantes uma tendência de intensidade crescente ao se considerar as últimas greves de professores da rede estadual: 2008, 2010, 2013 e 2015. Se em 2008 praticamente nada ocorreu e em 2010 houve poucos casos, 2013 é uma transição que prefigura 2015, pois ocorreram entre o final de abril e o começo de maio de 2013 ao menos 14 ocasiões em que estudantes de diferentes cidades saíram às ruas para apoiar seus professores. E mais curioso ainda são os cartazes levados por alguns dos estudantes.
Graças ao envolvimento do próprio O Mal Educado em protesto organizado pelos professores grevistas, mas com grande participação de alunas e alunos de seis escolas estaduais no Grajaú, extremo sul de São Paulo, temos acesso ao registro fotográfico dos cartazes. Alguns apenas extravasam o seu apoio aos docentes: “Os professores são nossos amigos mexeu com eles mexeu cmg [comigo]”. Outros esboçam pautas próprias dos estudantes, de caráter antiautoritário: “Chega de violência e repressão” e “É um absurdo vir para a escola e voltar para a casa só porque não estou com a camiseta branca! Chega!!!!”. E, por fim, outros cartazes são surpreendentemente similares àqueles que surgiram quando as pautas de junho se dispersaram, inclusive com formulações mais refinadas do que a síntese já tornada clássica “Educação padrão FIFA”, tais como os cartazes: “Governador finge que sou a Copa e investe em MIM!!! ASS: EDUCAÇÃO PAULISTA” e “Não precisamos de estádios, precisamos de EDUCAÇÃO de QUALIDADE!!!”.
Outros elementos podem ser trazidos para refinar esta hipótese da disposição de luta. A própria atuação do coletivo O Mal Educado, em sua página de Facebook, seu blog/site e seu jornal estava centrada entre 2012 e 2014 em registrar experiências de luta em escolas públicas. Essas lutas que explodem a partir de um cotidiano autoritário nas unidades escolares tiveram a memória garantida; quantas outras passaram anônimas e desconhecidas para a posteridade?
Mesmo um outro fenômeno, os blogs e páginas de Facebook no estilo “Diário de Classe” - que registraram e denunciaram principalmente problemas infraestruturais das escolas, tendo surgido a partir de 2012 - pode ser uma comprovação de que algo mudou na atitude e no comportamento das alunas e dos alunos.31
Olhando para desenvolvimentos posteriores às desocupações de escolas no estado de São Paulo, vemos o ascenso de outras lutas: as ocupações de escolas em Goiás desde dezembro de 2015 contra o projeto de terceirização de algumas escolas públicas, repassando sua gestão para Organizações Sociais; o envolvimento de muitos secundaristas que ocuparam suas escolas nos atos do MPL-SP em janeiro de 2016 contra novo aumento das tarifas de ônibus, trem e metrô (de R$3,50 para 3,80); e manifestações de rua, desde fevereiro deste ano, espalhadas por todo o estado do Rio de Janeiro, contra os efeitos da crise fiscal que o governo estadual vive. Será ainda preciso acompanhar os desdobramentos destas e de outras lutas sociais para verificar se a consolidação dessa disposição de luta dos secundaristas se tornará um fenômeno de abrangência nacional.
Diante do reposicionamento de uma agenda (ultra)liberal na esfera pública (como o midiaticamente festejado programa “Uma ponte para o futuro”, lançado pelo PMDB), no debate legislativo (como a proposta de desvinculação de recursos orçamentários da saúde e da educação) e na gestão das políticas públicas (como a “reorganização” em São Paulo e a terceirização em Goiás), as ofensivas contra os direitos sociais parecem ser inevitáveis. Ao menos no caso da educação pública, não parece que esses ataques passarão tão facilmente. Conflitos novos e, de certa maneira, imprevisíveis haverão de eclodir. Como complementar a essa hipótese da constituição e fortalecimento de uma disposição de luta das e dos estudantes, que valorizam intensamente a escola pública, anda junto um prognóstico de que esta pode ser a base de formação de um novo sujeito político que resista à precarização do ensino público e lute de forma inovadora e criativa.

 


Grupo de secundaristas se abraçam após serem retiradas violentamente da Ocupação Paula Souza pela Tropa de Choque.

    
    

 









fevereiro #

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1 Antonia Malta Campos; Jonas Medeiros; Márcio Moretto Ribeiro, Escolas de luta, São Paulo, Veneta, no prelo.

2 Sempre utilizaremos aspas para nos referirmos ao projeto do governo estadual. Como explica uma estudante da E.E. Diadema - primeira escola do estado a ser ocupada -, ironizando e criticando o nome pelo qual ficou conhecido o plano: “Isso é tão maçante, todo mundo fala ‘Reorganização não! Desorganização...’”.

3 Jonas Medeiros; Adriano, Januário, “A nova classe trabalhadora e a expansão da escola privada nas periferias da cidade de São Paulo”, Anais do 38º Encontro Anual da Anpocs, Caxambu-MG, 2014.

4 Bruno Pantojo et al., Escolas estaduais com uma única etapa de atendimento e seus reflexos no desempenho dos alunos. CIMA/SEE-SP, ago. 2015. Disponível em: http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,documento-indica-que-sp-usa-so-um-criterio-para-mudar-rede,10000002055 . Acesso em: 14 mar. 2016.

5 www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/salaimprensa/home/imprensa_lenoticia.php?id=242620

6 Colégio Bandeirantes.

7 Salomão Ximenes et alli. Análise da política pública de reorganização escolar proposta pelo governo do Estado de São Paulo. UFABC, São Bernardo do Campo, nov. 2015. Disponível em: https://blogdosalomaoximenes.files.wordpress.com/2015/12/anc3a1lise-da-reorganizac3a7c3a3o-escolar-sp.pdf . Acesso em: 14 mar. 2016.

8 Karina Yamamoto, “Ciclo único não aumenta nota de alunos, mostra estudo”, UOL Educação. Disponível em: http://educacao.uol.com.br/noticias/2015/12/21/ciclo-unico-nao-aumenta-nota-de-alunos-mostra-estudo.htm . Acesso em 14 mar. 2016.

9 http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,documento-indica-que-sp-usa-so-um-criterio-para-mudar-rede,10000002055

12 www.youtube.com/watch?v=tetACHaxxJU

13 www.ebc.com.br/educacao/2015/11/justica-determina-reintegracao-de-posse-de-escola-ocupada-por-alunos-em-sp

14 Participaram além deles: representantes da Apeoesp; três procuradores do estado de São Paulo; dois conselheiros tutelares de Pinheiros; um promotor de justiça; três defensoras públicas; uma representante da Secretaria de Educação; a diretora da E.E. Fernão Dias; um representante do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana; e uma oficial de justiça.

15 No começo da noite já eram pelo menos 9: E.E. Diadema (o ex-Cefam), E.E. Fernão Dias, E.E. Salvador Allende, E.E. Heloisa Assumpção, E.E. Castro Alves, E.E. Antonio Manoel Alves de Lima, E.E. Ana Rosa, E.E. Valdomiro Silveira e E.E. Oscavo de Paula.

16 A partir do Estatuto da Criança e do Adolescente, ele remete ao “dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor” (art. 18). Ainda por cima: “Caso imprescindível a utilização de força policial, por mais preparada e capacitada seja a Corporação Estadual, existe a probabilidade de ocorrer algum prejuízo aos menores, já que o calor da situação, aliado à pressão popular no entorno da escola são elementos suficientes a algum acontecimento trágico”.

17 A decisão de suspender a reintegração de posse é confirmada na segunda instância: os desembargadores da 7ª Câmara de Direito Público tomam decisão unânime em 23/11/2015. Um pouco antes, em 19/11/2015, eles haviam convocado uma nova audiência de conciliação, que também terminou sem resolução, mas que foi muito rica do ponto de vista político e sociológico pois colocou em contato o Poder Judiciário paulista e um movimento social de caráter autônomo e horizontal, com a Defensoria Pública (mais especificamente o seu Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos) atuando como uma espécie de mediadora.

18 Um exemplo é este vídeo da TV Folha (que foi retirado do ar): https://vimeo.com/147556009

19 O SARESP é o Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo: uma avaliação aplicada pela Secretaria Estadual de Educação que é utilizada para orientar a política pública educacional, incluindo bônus de desempenho distribuídos aos docentes. Nos dias de aplicação da prova (24 e 25/11), os estudantes promoveram um grande boicote, incentivando que alunos de unidades não ocupadas se recusassem a fazer a prova e, eventualmente, ocupassem sua escola.

20 Os números que circularam na internet divergem para cima (da mesma forma que os números oficiais, da SEE-SP, divergem para baixo). Baseamo-nos em “Boletins de Atualização” mantidos pela Apeoesp, que eram alimentados por informações enviadas de suas subsedes. Naturalmente, é possível que o número de ocupações tenha sido maior, porém ativemo-nos à única sistematização mais confiável a que pudemos ter acesso.

21 www.youtube.com/watch?v=68qbymS6Xvc

22 Junto com a cartilha também foi fundamental a convocação da nova virada tática, realizada em reunião e no Facebook pelo Comando das Escolas Ocupadas. O Comando foi criado pelas primeiras escolas ocupadas como forma de bloquear a representatividade de entidades estudantis - como a UBES, a UPES e a UMES-SP - junto ao governo estadual. Também foi uma das tentativas de articular externamente as ocupações para discutir os rumos da luta e do movimento. Outra articulação que foi tentada foram as Assembleias dos Estudantes, convocadas justamente por UBES e UPES.

23 Para mais detalhes sobre o encontro destas duas experiências, resultando no surgimento do coletivo O Mal Educado, cf. Antonia Malta Campos; Jonas Medeiros; Márcio Moretto Ribeiro. Escolas de luta, São Paulo, Veneta, no prelo.

24 Mais especificamente, tratou-se de um ato de rua com estudantes de escolas públicas no Jardim Myrna, no Grajaú, em 10 de junho de 2013: www.passapalavra.info/2013/06/78746

25 Alunos que não moravam na época na capital paulistana também relataram suas experiências: em duas entrevistas houve menções a participações nas manifestações de junho de 2013 no Rio de Janeiro e em Manaus, duas cidades que, não por acaso, tiveram mobilizações bastante intensas.

26 www.youtube.com/watch?v=ytqVbsMl6qs

27 http://media.folha.uol.com.br/datafolha/2013/06/19/contagaem-manifestacao-lgo-da-batata.pdf.

28 Há também um caso oposto, com caráter de exceção, de um estudante que participou dos atos de 2013 e se tornou militante do MPL-SP. Conforme entrevista a nós concedida, ele nunca havia participado antes de Junho de nenhum partido ou movimento. Este aluno viu, ao frequentar a Virada Cultural (em maio de 2013), um panfleto sobre os atos que o MPL-SP estava chamando; segundo seu relato, ele já gostava muito de “dar rolê na cidade”, indo em várias atividades gratuitas, “mas no meio do caminho [sempre] tem uma catraca”. Ele decidiu ir sozinho no protesto de 6 de junho de 2013 (o primeiro centralizado) e passou a acompanhar todos os outros atos. Foi assim que ele conheceu o “pessoal do MPL”: “tipo, de tá tomando bomba e recolher a faixa com as pessoas e falar 'Pô, e aí, quando vai ser o próximo?' e ir colando, fui numa reunião...”. Em 2014 ele se envolve diretamente com a pauta da luta pelo transporte público e durante os atos contra novo aumento da tarifa, no início de 2015, ele se tornou um dos porta-vozes do movimento. É com esta bagagem que ele participa com outros alunos da E.E. Fernão Dias, mobilizados contra a “reorganização” desde os primeiros dias de outubro de 2015. Sua experiência prévia no interior do campo autonomista acaba por facilitar a ponte entre a escola e a frente de coletivos, movimentos e organizações puxada pelo Mal Educado, o que vai desaguar na segunda ocupação do estado de São Paulo.

29 Foi muito raro que ocupantes entrevistados relatassem desconhecimento ou indiferença por Junho. Um caso saltou aos olhos em uma das entrevistas: o contraste entre estudantes que estudaram a vida toda em escolas públicas e debateram em salas de aula várias vezes os protestos de 2013 com seus professores (de história, geografia, filosofia e sociologia) e um aluno que acabava de entrar no ensino médio em escola estadual, pois havia frequentado o ensino fundamental em um colégio particular (Objetivo). Para ele, Junho de 2013 havia sido nulo, não tendo nenhuma memória do evento histórico.

30 Uma das alunas também descreveu que ela não foi às ruas, mas acompanhou tudo pelas redes sociais, tendo participado ativamente de uma comunidade no Facebook que divulgava atos que foram realizados em uma periferia da Zona Sul de São Paulo

31 Quem nos chamou a atenção para a relevância deste fenômeno foi Maria Malta Campos. A primeira iniciativa foi a página “Diário de Classe” (criada por uma estudante da Escola Básica Municipal Maria Tomázia Coelho, em Florianópolis-SC - www.facebook.com/DiariodeClasseSC); outros exemplos são o “Diario de Escola - E.E.de São Paulo” (www.facebook.com/DiarioDeEscolaEedeSaoPaulo) e o “Diario de Classe Itamaraju - BA” (www.facebook.com/DiarioDeClasseItamarajuBa).