POLÍTICATEORIACULTURA ISSN 2236-2037
Maria Caramez CARLOTTO |
determinações cognitivas de um conflito: a USP e a sua crise |
Em outubro de 2011, praticamente ao mesmo tempo em que era considerada a melhor universidade latino-americana pelo QS Top Universities Ranking, a USP viu eclodir, no seu interior, uma sequência de protestos e conflitos que em poucos dias a colocaram diante de uma das maiores crises da sua história. A versão que então se difundiu atribuiu o início do conflito à resistência de estudantes da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) à presença da Polícia Militar no interior da cidade universitária, e à consequente restrição de práticas ilícitas, supostamente aceitas e praticadas até então. A forte reação à ameaça de prisão em flagrante de três alunos que estariam fumando maconha no estacionamento dessa Faculdade foi vista como expressão de uma defesa contestável de privilégios. Os protestos que se seguiram a essa primeira revolta – ou seja, a ocupação da direção da Faculdade de Filosofia, a ocupação da reitoria da USP e a greve estudantil de quase três meses – seriam, segundo essa versão, simples desdobramentos dessa faísca inicial, nela residindo toda a sua significação. A cena montada pela contraposição “USP, líder dos rankings – USP, palco de protestos” mobilizou e fortaleceu um conjunto de oposições que, há tempos e não somente na Universidade de São Paulo, vem determinando a compreensão dos processos de defesa e oposição à transformação das universidades1. Seguindo esse esquema de classificação teríamos, de um lado, a “melhor universidade do país e da América Latina”, a “USP moderna, eficiente e produtiva”, a universidade do “interesse público”, dos “produtores de conhecimento”, dos “cientistas sérios”, dos “profissionais comprometidos” e dos “cursos de excelência”. De outro, e atuando contra essa primeira, a “USP atrasada”, dos “alunos mimados e baderneiros”, dos “professores improdutivos”, dos “defensores de privilégios em diferentes níveis”, das “minorias radicalizadas e intransigentes” e dos “cursos decadentes ou de segunda linha”. Não obstante o seu elemento fortemente caricatural, essas oposições difundiram-se rapidamente, impondo-se como verdadeiros esquemas de percepção e legitimação que determinaram a apreensão e a compreensão da crise da USP, dentro e fora da universidade. É à luz dessas oposições que compreendemos melhor a ponderação do atual reitor da USP em entrevista ao Estado de S. Paulo: “é digno de nota a USP estar bem situada nos rankings internacionais, apesar de sofrer ataques como o atual há anos”2. É também nesse registro que podemos compreender a velocidade com que se difundiu a certeza de que havia uma polarização marcante entre as “exatas” e as “humanas” no interior da universidade, sendo os primeiros, defensores da “segurança” e da “ordem” necessárias ao trabalho de qualidade que desenvolvem, ao passo que os últimos, endossados por seus professores, seriam defensores de “privilégios” e partidários de ações de caráter “extremista” e “radical”. São exemplos significativos da difusão dessas polarizações estanques, os artigos assinados por José Nêumanne no Estado de S. Paulo, particularmente “A revolução dos 'bichos grilos' mimados da USP”, publicado em 09 de novembro de 20113 e “USP dá exemplo para o Brasil seguir”, publicado em 21 de dezembro do mesmo ano4. No primeiro artigo, o autor descreve os protestos como ações de “bichos grilos mimados” que, apoiados pela administração da FFLCH, teriam ocupado e depredado prédios públicos para defender o uso de drogas no interior da USP. No segundo, elogia a repressão aos “estudantes e sindicalistas de extrema esquerda” transformando-a em exemplo a ser seguindo em todas as instituições do Brasil. O mesmo tom dual predominou na cobertura “jornalística” que a revista Veja deu à crise. Depois de publicar manchetes como “Os tumultos causados pelos rebeldes sem causa da USP” e a “Rebelião dos mimados” elegeu o reitor da Universidade uma das personalidades do ano de 2011. Na matéria em que justificava a escolha, intitulada o “Xerifão da USP”, a revista afirma:
Algumas declarações e análises tentaram dissipar e complexificar os esquemas de interpretação que estavam, até então, estruturando o debate e a cobertura quase unânime dos acontecimentos. A direção da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas buscou desconstruir a falsa imagem que então se consolidou de que ela seria um espaço de pesquisa decadente e marcado pela falta de seriedade. Procurou, portanto, dar publicidade ao fato de concentrar a maioria absoluta dos cursos da USP elencados entre os melhores do mundo pelos rankings internacionais, e enfatizando a sua força acadêmica e a sua ampla capacidade de pesquisa6. No mesmo sentido, Vladimir Safatle assinou artigo na Folha de S. Paulo apontando a dificuldade de pensar a crise da USP dada a força dos estereótipos que se formaram, como o de que os protestos seriam protagonizados por alunos da FFLCH, de classe média alta, que teriam como pauta a liberação das drogas no campus. Em uma frase, o professor afirmava: “Se quisermos pensar o que está acontecendo, teremos que abandonar certas explicações simplesmente falsas”. Poucos dias depois, aproximadamente duzentos e cinquenta pesquisadores da USP, das mais diversas áreas, divulgaram uma nota condenando a violência policial e denunciando a cobertura enviesada da mídia. Reivindicando uma outra interpretação para os acontecimentos, a nota afirmava:
Apesar de terem sido amplamente publicizadas, essas outras interpretações não lograram desconstruir as polarizações que continuaram a ser endossadas por declarações oficiais e reiteradas pela extensa e monofocal cobertura da mídia. Consequentemente, essa série de oposições simbólica consolidou-se como a dualidade essencial a partir da qual a crise da USP passou a ser interpretada. Inscritos nessa dualidade, estavam os esquemas categoriais que, por incorporarem uma hierarquia muito bem definida7, produziram os princípios de legitimação e deslegitimação dos atores e projetos em disputa. A força desse esquema de percepção/legitimação intensificou-se a tal ponto que passou a funcionar como uma jaula de ferro – a metáfora é usada com certa liberdade – a circunscrever limites quase intransponíveis à cobertura da imprensa, ao debate universitário e à própria atuação do movimento estudantil. Desde então, tornou-se praticamente impossível reverter os termos que passaram a determinar o debate. Ato contínuo, todos os atores – institucionais e políticos – passaram a ser identificados a partir dessas polarizações, delas derivando legitimidade. A reitoria passou a representar, assim, uma USP “moderna”, “eficiente”, “produtiva” e comprometida com “segurança”, a “democracia” e a “ordem”. Por outro lado, todas as vozes críticas à administração central, particularmente a do movimento estudantil, foram associadas a uma USP “atrasada”, “improdutiva”, marcada pelo “abandono”, “decadência” e “violência”. A cristalização da associação entre qualquer ação política dos estudantes e o crime8 – comum ou organizado – foi o auge desse processo de classificação e legitimação que reduziu todos os posicionamentos políticos a um desses dois polos. Quem viveu na USP aqueles dias viu o campo das posições possíveis se reduzir e o espaço político estreitar-se de súbito, gerando um clima de tensão, desconfiança e beligerância.9 Em resumo, a mobilização desses esquemas de percepção e legitimação não determinou apenas a geografia e o horizonte do espaço de posições políticas. Circunscreveu, também, os limites do pensável para a crise da USP. Como grades de contenção, esses esquemas impediram que se avançasse para além dos sentidos e significados previamente estabelecidos e incessantemente reiterados. Sob sua influência, a presença da PM na USP foi vista, do começo ao fim, como simples medida de segurança pública; as ações repressivo-punitivas que se seguiram apareceram apenas como uma opção dura, porém necessária para frear-se a escalada de desordem e violência engendrada por atores desprovidos de qualquer legitimidade. Por fim, o conjunto de reformas que atinge a USP, com mais intensidade a partir da crise de 2011, estão sendo recebidas com extrema naturalidade – quando não, simpatia – porque consideradas mera expressão de um processo de modernização necessária. Não se trata de negar que o valor da “democracia”, da “segurança” ou da necessidade de “modernizar” a universidade. Ocorre que, dentro de tais esquemas, o conteúdo desses termos acabou comprometido, de modo que eles serviram para ocultar a dimensão mais profunda do que estava em jogo nos recentes conflitos que eclodiram na USP. Seguindo essa premissa, vamos desdobrar as causas e as consequências da crise da USP que foram – e estão sendo – negligenciados pelo predomínio de esquemas estanques de classificação/legitimação.
o conflito da USP e suas causas: os sentidos da presença da polícia militar na USP
O conflito entre policiais e estudantes é mais antigo do que a própria universidade. Jacques Le Goff identifica o enfrentamento sangrento entre os estudantes da Sorbonne e a polícia real como a principal causa da greve de quase três anos que resultou no reconhecimento definitivo da autonomia da Universitas de Paris em 123110. Segundo o historiador, conflitos desse tipo estão também na origem da Universidade de Bolonha e de Oxford, marcando profundamente a história da instituição universitária, até hoje ciosa de intervenções policiais. Para a Universidade de São Paulo, fundada sete séculos depois da Sorbonne, esse conflito não é tão remoto, embora não tenha começado no verão de 2011. Foi, na verdade, em outro novembro. Era 1943. Por ordem do governador do Estado e sem a anuência da reitoria, a polícia militar de São Paulo abre fogo contra os estudantes da USP durante a repressão a uma greve de caráter político. Em protesto à decisão do governo e ao desrespeito à autonomia da universidade, o reitor e todos os diretores demitem-se dos seus cargos. Pressionado, o governador reconhece a autonomia da Universidade de São Paulo, desligando-a da Secretaria de Educação e transformando-a em uma autarquia estadual11. Desde então e até há bem pouco tempo, a intervenção da polícia, particularmente da Polícia Militar paulista, não era proibida na USP, mas seguia fortemente controlada. Não por acaso, durante a ditadura militar, foi sobretudo o exército, e por ordem do governo federal, que as forças repressivas intervieram na USP. O governo estadual seguiu reconhecendo a autonomia concedida à USP em 194412. Foi justamente em razão da alteração do regime de autonomia concedido em 1943/1944 que a histórica relação de distância entre a USP e PM começou a se modificar. Em janeiro de 2007, o então governador José Serra inaugurou a sua gestão à frente do Palácio dos Bandeirantes assinando uma série de decretos que transformava radicalmente a organização do ensino superior e da pesquisa em São Paulo. Entre os principais decretos estava o que recolocava a USP sob o controle de uma Secretaria Estadual, a recém-criada Secretaria de Ensino Superior, voltada ao desenvolvimento do ensino profissional para o atendimento das “necessidades da população e as demandas sociais”13. A perda iminente de autonomia levou o movimento estudantil da USP a pressionar a reitoria Suely Vilela a se posicionar sobre as mudanças em curso. A reitora, no entanto, preferiu o silêncio e faltou a três audiências públicas com o movimento estudantil, que terminou decidindo ocupar a reitoria da universidade em maio de 2007. Com a participação de estudantes dos diversos cursos da universidade, um apoio expressivo de professores e funcionários, uma comissão de imprensa extremamente hábil e uma agenda intensa de aulas, debates e shows, a ocupação da reitoria acabou se tornando, nas conquistas que obteve, um movimento vitorioso. Depois de reverter parte importante da opinião pública a seu favor e alavancar uma greve das três universidades estaduais paulistas, a ocupação obrigou José Serra a recuar, excluindo a FAPESP e as universidades estaduais da vigência dos seus decretos. Mais que isso, o movimento conseguiu com que a reitoria Suely Vilela se comprometesse com um processo mais democrático de reforma do Estatuto da USP ao reconhecer o V Congresso da USP no calendário oficial da universidade14. É justamente nesse contexto que entra em cena o então diretor da Faculdade de Direito, João Grandino Rodas. Durante a ocupação da reitoria de 2007, Rodas foi um dos diretores que criticou duramente a “passividade” de Suely Vilela ao lidar com a ocupação. Ao longo dos 51 dias de ocupação, apesar das ameaças, a polícia não foi autorizada a entrar na USP para desocupar o prédio e isso foi considerado, por muitos, um sinal de fraqueza da reitoria. No mês seguinte ao término da ocupação de 2007, Rodas mostrou que o seu estilo era outro. Como diretor da Faculdade de Direito da USP, chamou a tropa de choque para desocupar o prédio do Largo São Francisco durante um ato da Jornada Nacional em Defesa da Educação Pública, organizado pela UNE e pelo Centro Acadêmico XI de Agosto. O ato em questão consistia em uma ocupação simbólica da Faculdade de Direito por movimentos sociais, representando o seu acesso às instituições do Direito. A ocupação duraria apenas 24 horas, mas a Tropa de Choque retirou os manifestantes poucas horas após o início da atividade. A entrada da PM na Faculdade de Direito adquiriu um importante valor simbólico por ter sido a primeira vez, na história da USP, que a polícia vinha à universidade, atendendo ao chamado de um dirigente interno, e visando reprimir um protesto estudantil. No ano seguinte, o que era exceção, converter-se-ia em regra. Para evitar que os protestos que se seguiram à não realização do V congresso da USP adquirissem maiores proporções, foi convocado, em caráter de urgência e passando por cima de vários trâmites regimentais, um Conselho Universitário Extraordinário para o IPEN15, enclave militar na Universidade de São Paulo. Em pauta: discutir medidas cabíveis para se contrapor ao que seria a ameaça de uma nova ocupação. Para garantir que a reunião fosse realizada sem maiores transtornos, as cancelas do Instituto barraram todos aqueles que não tivessem seu nome na lista dos membros do Conselho Universitário da USP.
Logo após a abertura da sessão extraordinária do CO, a palavra é cedida a João Grandino Rodas, presidente da Comissão de Legislação e Recursos da USP. Rodas declarou-se encarregado pela reitora de preparar um parecer jurídico tratando da legitimidade do recurso à força policial na eventualidade de uma nova ocupação de órgãos da universidade. Invocando a responsabilidade do gestor público, o parecer conferia respaldo para que a reitoria solicitasse a entrada da PM na USP quando julgasse ameaçado o funcionamento da universidade. Era, ao mesmo tempo, uma carta branca e um constrangimento para se valer da força policial sem necessidade de consulta prévia ao Conselho Universitário. Após embasar juridicamente a legitimidade do uso da força, Rodas exaltou a necessidade de se colocar um fim a “algumas décadas de tradição de uma benevolência exagerada”. Segundo ele, uma das passagens para esse “novo tempo”, seria a instalação de uma sindicância para uma investigação rigorosa da ocupação de 2007 visando identificar os envolvidos para iniciar um processo de “responsabilização administrativa”. A USP e seu movimento estudantil davam adeus à “impunidade”. O parecer que se propunha estritamente técnico e jurídico apresentava, em certas passagens, o tom de um manifesto político. No horizonte de todos, levantava-se a eleição para reitor que ocorreria no ano seguinte. João Grandino Rodas, que além de diretor da São Francisco e presidente da Comissão de Legislação e Recursos, coordenava a recém-criada Comissão para a Reforma do Estatuto da USP, era um dos candidatos mais fortes. Foi justamente a disputa pela reitoria da USP que levou ao progressivo endurecimento de Suely Vilela em relação aos protestos políticos no interior da universidade. Para desfazer-se da alcunha de fraca e, com isso, fortalecer o seu candidato na corrida eleitoral, a reitora mobilizou a autorização para convocar a PM e colocou-a de plantão na USP, para dissipar possíveis ações políticas de funcionários durante a campanha salarial de 2009. Em protesto à presença massiva da Polícia Militar na USP, estudantes, funcionários e professores realizam um ato em frente à reitoria. Buscando um efeito simbólico maior, saíram em passeata pelo campus, rumo ao portão principal da cidade universitária. Com o término do protesto, os que ainda restavam na manifestação retornam ao interior da USP quando, de repente, a repressão da polícia a um grupo diminuto de estudantes dá lugar a uma verdadeira batalha campal. As cenas impressionam pela brutalidade16 e a entrada da polícia militar no campus passa a ser questionada pela comunidade17. Completa esse quadro de militarização das relações no interior da USP, o ambicioso “Plano de Segurança da USP”. Criado no final do mandato de Suely Vilela e orçado em mais de R$ 2,5 milhões, o plano foi formulado sem qualquer participação da comunidade universitária. Seu foco era a instalação de um complexo sistema de câmaras de monitoramento por toda a cidade universitária. Apesar de mencionar a iluminação de áreas privilegiadas, essa segunda etapa do plano nunca saiu do papel. O anúncio da instalação das câmaras gerou certa polêmica e o Jornal do Campus decidiu entrevistar Adilson Carvalho, então prefeito do campus e responsável pelo plano. Ao comentar as suspeitas de que o sistema de câmeras pudesse reverter-se em “uma forma de vigiar o movimento estudantil", Carvalho nega, mas relativiza : “Elas vão ser usadas, claro; para identificação quando houver excessos”. Adilson Carvalho recusou os sucessivos convites da Associação dos Pós-Graduandos da USP para comparecer a uma audiência pública sobre o novo plano e seus usos efetivos18. Semanas mais tarde, no entanto, mostrou-se mais generoso frente a um pedido de repórteres da Revista Veja SP. A foto que acompanha a matéria impressa mostra o prefeito do campus com um olhar distante enquadrado em meio a uma pilha de monitores de televisão com imagens de diversos lugares da USP19. Em um dos leads da reportagem, Carvalho era apelidado de “xerifão do campus”20, posteriormente, como vimos, reutilizada também para o atual reitor21. À primeira vista, por mera afeição à alcunha, o prefeito do campus faz uma segunda provocação aos estudantes, ironizando a sua inocência: “Apesar de muitos estudantes afirmarem o contrário, a polícia entra na USP sempre que é chamada”. Foi à luz desse histórico, portanto, que a USP recebeu a notícia da assinatura de um convênio da USP com a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo autorizando não a entrada da Polícia Militar na USP, mas a sua permanência constante no interior dessa Universidade. O assassinato de um estudante dentro do campus e, principalmente, a estigmatização das vozes dissonantes fez com que parte da comunidade universitária apoiasse a medida. Não se comentou que a PM fazia ronda na USP no dia do assassinado do estudante. Para uma outra parcela da comunidade universitária, no entanto, o convênio era extremamente problemático. Seja porque consolidava uma política de segurança pública baseada na militarização dos espaços, seja porque era um documento cheio de falhas e imprecisões. O movimento estudantil, particularmente, vinha denunciando o que lhe parecia mais uma medida repressiva da reitoria, na escalada que começara em 2007. A prisão de três estudantes – segundo relatos jamais investigados, flagrados por policiais à paisana, disfarçados de estudantes – foi apenas a gota d’água de uma série de protestos que já vinha ocorrendo por conta do convênio assinado. Não é objetivo deste texto avaliar se o conjunto de protestos que se seguiu ao flagrante dos três estudantes foi politicamente consequente ou se os métodos utilizados pelo movimento foram os mais adequados. Embora uma avaliação política da atuação do movimento estudantil da USP seja uma tarefa importante e urgente, esta pressupõe uma reconstrução histórica e uma descrição analítica dos grupos e do funcionamento básico do movimento que formariam um texto à parte. Particularmente porque, no caso da crise recente da USP, as ocupações foram marcadas por fortes divergências e enormes polêmicas no interior do próprio movimento22. Como dissemos, nossa intenção é, antes, discutir como e por que a versão que predominou, em função dos esquemas de percepção e legitimação que mobilizou, terminou por negligenciar aspectos importantes da crise da USP, dentre as quais a sua causa principal: uma resistência, por parte do movimento estudantil, de aceitar a presença constante da polícia militar no interior da USP. Mas não foi apenas sobre as causas do conflito que se criou uma “cortina de fumaça”. Também as suas consequências estão sendo amplamente neglicenciadas, porque lidas sempre através de um sentido pré-determinado.
as consequências do conflito: USP, qual modernização ?
Como viemos argumentando, a percepção geral da crise da USP foi marcada por esquemas de percepção que reduziram toda a complexidade do quadro a falsas oposições. Uma pintura de contrastes tão marcantes sugeria e legitimaria, por sua vez, uma solução evidente e incontestável: a reitoria, em nome da USP “moderna, eficiente e produtiva”, deveria mobilizar medidas “duras” contra a minoria radical, representante da “USP atrasada, corporativa e privilegiada”. Nessa dicotomia amplamente reiterada, ancorou-se, portanto, o princípio de legitimação da forte repressão que se seguiu. O aspecto importante desse movimento repressivo é que ele foi muito além dos seus alvos mais imediatos, para os quais havia acumulado legitimidade simbólica. Incidindo inicialmente sobre os movimentos de ocupação, a repressão logo atingiu todo o movimento político/contestatório no interior da USP. A peça começa no dia 07 de novembro de 2011, quando uma ampla força policial desocupou a reitoria da Universidade de São Paulo, resultando na prisão de 73 estudantes e no cerco policial do Conjunto Residencial da USP, o CRUSP. Há relatos de agressões e a ação é atualmente investigada pelo Ministério Público por alegadas violações de Direitos Humanos. Passado o clímax, veio o segundo ato. Em 16 de dezembro de 2011, um decreto assinado pelo reitor da USP anunciava a expulsão de seis estudantes com base no Regimento Disciplinar de 1972, dispositivo jurídico forjado durante a ditadura militar e amplamente contestado no interior da universidade por proibir protestos e manifestações de caráter político. As expulsões estão sendo, paulatinamente, revertidas na justiça23. No dia 06 de janeiro de 2012, inaugura-se o seu terceiro ato. A guarda universitária, com apoio da polícia militar, iniciou a “desocupação” do centro de vivência da USP, um espaço concedido ao movimento estudantil há décadas, mas recentemente reivindicado pela reitoria. A operação tornou-se conhecida a partir da divulgação, pela imprensa nacional, da cena de um policial espancando um aluno negro, “confundido” com alguém de fora da USP. A operação também é alvo de investigação pelos órgãos do Estado. A pressão da reitoria sobre os espaços concedidos ao movimento estudantil continuou com a suspensão do fornecimento de água para a sede do Diretório Central dos Estudantes (DCE) e para a Associação dos pós-graduandos da USP (APG-USP), seguida pelo anúncio da expulsão do Núcleo de Consciência Negra da sua atual sede, ocupada – a partir de acordo com a Universidade – desde a década de 1990. No dia 19 de fevereiro de 2012, a peça ganhou um ritmo allegro ma non troppo. Em pleno domingo de carnaval, a Tropa de Choque voltou ao campus Butantã para desocupar a chamada “moradia retomada”, um espaço do conjunto residencial dos estudantes, ocupado em 2009, como parte do movimento de pressão pela ampliação das vagas destinadas à moradia estudantil. Mais 12 estudantes foram presos e, novamente, multiplicaram-se relatos de agressão e abusos por parte da polícia. No mesmo período, vinha a público a incômoda informação de que a reitoria da USP mantinha um “serviço de inteligência”, no âmbito da Divisão Técnica de Operações e Vigilância da Coordenadoria do Campus (Cocesp), que seria responsável pelo monitoramento da atividade de movimentos políticos da USP. A existência dessa “sala de crise” ligada à reitoria, divulgada pela Revista Fórum, ainda não foi desmentida pela USP. Com o início do ano letivo, novas cenas. A reitoria decidia abrir processo administrativo contra quase 100 estudantes envolvidos em recentes protestos estudantis recentes24. Todos eles podem ser expulsos nos próximos meses. Quase ao mesmo tempo, a diretoria do Sindicato dos Trabalhadores Unificados da USP (SINTUSP) era notificada de que seus membros passariam a responder por uma série de (novos) processos administrativos e criminais. Dias depois, em 02 de março de 2012, o boletim oficial da reitoria trazia a informação de que a USP estava interpelando judicialmente a diretoria da Associação dos Docentes da USP (ADUSP) por declarações dadas aos jornais sobre a prioridade dos gastos da Universidade25. No boletim seguinte, de 09 de março de 2012, a reitoria lançava uma nota crítica aos que ela denominou de “autointitulados perseguidos pelo regime militar, parentes de companheiros assassinados (...) e defensores dos princípios por eles almejados” que haviam assinado e divulgado, semanas antes, um manifesto pela democratização da USP26. O coroamento desse processo foi a nomeação de um coronel para a Superintendência de Segurança da USP, uma medida que “orna” com o processo de militarização de órgãos públicos que vem acontecendo na cidade de São Paulo. A universidade, que há pouco tempo mal tolerava a entrada da polícia nos seus campi tem a sua política de segurança controlada, hoje, por um coronel da Polícia Militar. A transformação é radical. A essa sequência de ações de caráter punitivo/repressivo, somaram-se inúmeras outras que visavam, por sua vez, alterar profundamente o funcionamento e a organização interna da USP. Aliás, desde que assumiu a reitoria, em janeiro de 2010, João Grandino Rodas vem promovendo uma série de mudanças que, em conjunto, podem ser descritas como uma pequena “revolução”. Em primeiro lugar, reformulou-se a carreira dos funcionários e docentes. No caso dos funcionários, a reforma visava conferir maior agilidade e flexibilidade à carreira, considerada até então “engessada”. No caso dos docentes, a grande mudança foi a implementação de uma progressão horizontal na carreira, subordinada a avaliação quinquenais. A progressão é considerada “horizontal” porque, em suma, o professor progride no interior do seu nível de carreira, resultando essa progressão em incremento salarial, mas não em aumento de participação política nos fóruns decisórios da universidade. Estes permaneceram, assim, restritos ao nível mais alto da carreira, ocupado pelos professores “titulares”. Atualmente, os professores titulares – a quem é facultada a participação nas principais instâncias decisórias da USP – representam apenas 18,78% do corpo docente da universidade. Outra mudança importante foi a completa reformulação da estrutura de governo da USP, com a criação de novos cargos e divisões administrativas como as vice-reitorias executivas e as superintendências. Desde que assumiu a gestão, em 2010, a atual administração criou duas vice-reitorias executivas – de “Administração” e de “Relações Internacionais” – e nove Superintendências – de “Assistência Social”, de “Espaço Físico”, de “Tecnologia da Informação”, “Jurídica”, de “Saúde”, de “Comunicação Social”, de “Segurança”, de “Relações Institucionais” e de “Gestão Ambiental”. Tanto as vice-reitorias executivas quanto as superintendências estão subordinadas diretamente ao gabinete do reitor e expressam uma nova fase do forte movimento de centralização que vem ocorrendo no interior da USP nos últimos anos; tudo no intuito de construir uma gestão eficiente que se contraponha à morosidade vista como inerente à forma de deliberação dos órgãos colegiados. Como afirma o documento do Grupo de Trabalho sobre a Estatuinte da USP: Os termos [que nomeiam os novos órgãos] falam por si sós sobre o novo perfil que se quer dar a essas instituições. Todas as antigas denominações indicativas de uma gestão conjunta (coordenadoria, comissão) foram substituídas por expressões que sinalizam uma ordem hierárquica de mando – expressões inclusive já utilizadas em órgãos policiais. Além disso, é preciso assinalar que se trata de um trabalho de desidentificação de tudo aquilo (de bom e de ruim) que essas instituições já foram e a marcação de algo que se inicia.”27 À reestruturação das carreiras e do funcionamento do governo da USP veio somar-se um projeto radical de reforma da sua pós-graduação. O sentido geral da mudança já se anuncia na alteração da definição da missão da pós. Atualmente, a USP reconhece que a sua pós-graduação está voltada para “a geração de conhecimento, destinando-se à formação de docentes e pesquisadores com amplo domínio no seu campo do saber”. A partir da reforma, esta passará a destinar-se “à formação de docentes, pesquisadores e profissionais com amplo domínio de seu campo de saber e capacidade de liderança e inovação”. A mudança parece implicar uma reorientação profunda do sentido e função da pós-graduação da universidade: voltada, hoje, para a formação docentes e pesquisadores dedicados à produção e difusão do conhecimento, a USP passaria a formar, também, uma elite dirigente (homens com capacidade de liderança) e um corpo de agentes econômicos (voltados para a inovação). Pode-se argumentar que, na prática, a USP já faz cumpre esse papel de formação de elites políticas, dirigentes e econômicas, mas a mudança é profunda quando isso passa a ser reconhecido como a finalidade de sua pós-graduação. Há de se reconhecer, por trás disso, todo um novo projeto de universidade que tem como ideia mais forte, a visão de que a universidade deve ser posta a serviço da “sociedade”, sem mediações. O projeto do ex-governador José Serra para o sistema de pesquisa e ensino superior do Estado, derrotado em 2007, é, agora, implementado aos poucos e sem alarde. A autonomia da USP foi sendo desconstruída: primeiro, Serra escolhe o candidato derrotado nas eleições para reitor; depois, em conflito com a sua natureza autárquica, a PM passa a fazer a segurança da universidade; por fim, o ideário de que a universidade deve servir a grupos que se intitulam “a sociedade” vai se impondo à USP. O outro lado dessa moeda é a subordinação aos “padrões internacionais”. É também nesse sentido que devemos ler o novo Plano de desenvolvimento institucional(PDI) da USP, que pretende, entre 2012 e 2017, fazer da USP uma “universidade de classe mundial” – como sugere o título do documento28. A ideia de que a USP deve se redesenhar à luz de um “padrão mundial” tem sido amplamente reiterada nos documentos, encontros e declaração dos dirigentes da USP. Com a notícia de que a USP havia sido incluída novamente entre as melhores universidades do mundo, a assessoria de imprensa da universidade recolheu declarações dos principais dirigentes da universidade sobre o papel dos rankings29. Com exceção da pró-reitora de Cultura e Extensão, que enfatizou a importância da USP preservar a sua autonomia na escolha dos critérios de avaliação do ensino, da pesquisa e da extensão, todos os outros defenderam a adesão aos critérios de excelência estabelecidos por ranqueamentos internacionais. O vice-reitor executivo de relações internacionais, por exemplo, afirmou que
Já o pró-reitor de pós-graduação considerou que
É justamente a intenção de se tornar uma universidade de “padrão mundial” que está justificando e orientando o enorme conjunto de obras que vem sendo realizado nos diversos campi da USP, marcadamente na cidade universitária. Ao anunciar o projeto de revitalização dos espaços da USP, a reitoria explicou: “O futuro também é o princípio que norteia as ações desse projeto, que consistem na construção de novos espaços, na reforma de prédios e na revitalização de áreas degradadas.” Os planos de obras são amplos e estão sendo implementados com uma velocidade surpreendente. Para fazer uma lista não completa, as obras incluem: a construção do Parque dos Museus, do Centro de Convenções da USP, do Centro de Difusão Internacional e do novo campus de Santos; bem como a reforma do campus Lorena, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, da Faculdade de Educação, do Centro de Vivência e do prédio da Antiga Reitoria. As obras também incluem a reurbanização das favelas do entorno da USP, marcadamente a São Remo e a Carmine Lourenço. A intenção de remover as comunidades do entorno a USP tem sido tão ignorada como a notícia de que o Estado doou parte de um terreno da Universidade à Polícia Militar do Estado. Sobre a reforma da Antiga Reitoria, o boletim USP Destaques informa que “Embora o prédio da década de 50 não seja tombado, ele voltará a ter, externamente, o aspecto original”. Pouco adiante, afirma que por mais que a reforma possa parecer monumental, isso se justifica, pois: “Uma universidade do porte da USP, nos cenários nacional e internacional, tem por obrigação, como o fazem suas congêneres, bem receber os que a procuram, devendo o edifício dos Órgãos Centrais possibilitar acolhimento à altura da Universidade”30. Esse conjunto de ações da reitoria foi recebido com grande naturalidade, dentro e fora da universidade. Pouco se falou sobre as medidas de caráter punitivo/repressivo que se seguiram à ocupação da reitoria. Quase nada foi dito sobre as medidas voltadas para a reestruturação do funcionamento interno da USP. Igualmente desapercebidas passaram as articulações e reações políticas que, com maior ou menor força, buscaram se contrapor a esse movimento. A greve estudantil que se seguiu à desocupação da reitoria foi solenemente ignorada, esfacelando-se entre a pressão interna pelo restabelecimento da normalidade e a sua incapacidade de repercutir externamente. As sucessivas notas e manifestos de estudantes, pesquisadores e professores só ganhavam destaque em blogs tradicionais de esquerda e de direita. A vitória eleitoral de grupos que reivindicavam a democratização da universidade no Diretório Central dos Estudantes (DCE) e na Associação dos Pós-graduandos da USP (APG-USP) foi amplamente ignorada, assim como o crescimento da campanha pela reconstrução do passado autoritário da USP, através da instalação de uma Comissão da Verdade da universidade. Tudo se passou como se o problema já estivesse previamente equacionado, como se o sentido de todas as ações empreendidas pela administração central da USP e seus adversários já estivesse dado. A percepção que se consolidou, com a força implacável de uma certeza naturalizada, foi a de que os grupos que estão sendo reprimidos são, no seu conjunto, partidários da “violência, do atraso e dos privilégios”, ao passo que a USP que está sendo produzida por esse conjunto de mudanças será, necessariamente, “mais moderna, mais produtiva”. Suspendendo-se os esquemas de percepção e legitimação forjados ao longo da crise e dissipando-se a cortina de fumaça formada pelas falsas oposições, torna-se possível formular a pergunta impensável: será verdade? |
fevereiro #
5
1Em artigo assinado na Folha de S. Paulo em 22 de dezembro de 2011 e intitulado "De Oxford para a USP", Claudia Antunes chama a atenção exatamente para a forma como, em diferentes universidades do mundo, a mobilização de falsas oposições serviu à implementação de reformas profundas. Segundo ela: "(…) por condenáveis que tenham sido os métodos usados na ocupação da Coordenadoria de Assistência Social da USP, no ano passado, o episódio virou desculpa para ataques generalizados à liberdade e à autonomia acadêmicas. Os cursos não técnicos, em especial, são caricaturados como redutos de radicais e preguiçosos". A menção a mecanismos de legitimação/deslegitimação por meio da atribuição de estigmas aparece também nas análises de Irene Cardoso e Marilena Chauà sobre a produção da transformação da universidade brasileira nos anos 1960 e 1980; e em Bill Readings, Michel Freitag e Keith Thomas sobre a transformação das universidades anglo-saxãs nos anos 1990.
2A declaração está na entrevista concedida por João Grandino Rodas ao jornal Estado de S. Paulo em 10 de novembro de 2011 e intitulada "A sociedade paulista está farta de invasões". DisponÃvel em: http://www. estadao. com.br /noticias /vidae, a-sociedade- paulista-esta -farta- de-invasoes -diz-reitor -da-usp, 796747, 0.htm
3Cf. http://www. estadao.com. br/noticias /impresso, a-revolucao -dos-bichos -grilos-mimados -da-usp-, 796449, 0.htm
4Cf. http://www. estadao.com .br/noticias /impresso, a-usp-da- exemplo- para-o-brasil -seguir-, 813702, 0.htm
6O Informativo FFLCH n. 63, trazia a seguinte manchete "Entre os nove melhores cursos da USP, seis são da FFLCH". Cf. http:// comunicacao. fflch.usp .br/sites /comunicacao. fflch.usp. br/files /63_info .pdf
7Isso se deu porque a hierarquia inerente à s polaridades que estruturaram o debate - tais como, atrasado/ moderno, novo/ decadente, criminalidade/ segurança, bagunça/ ordem, eficiente/ ineficiente; produtivo/ improdutivo, irresponsabilidade/ seriedade; compromisso público/ defesa de privilégios - foi projetada sobre as áreas da universidade (opondo, por exemplo, exatas e humanas), sobre os atores envolvidos no conflito (como a reitoria e os movimentos polÃticos, particularmente o estudantil) e sobre os princÃpios de organização da universidade (com ênfase para uma oposição que há tempos vem se construindo entre polÃtica e gestão, a primeira expressando o corporativismo acadêmico enquanto a segunda expressaria uma visão cientÃfica e racional da sociedade e das organizações).
8Essa associação foi primeiramente construÃda por articulistas conhecidos por afirmações infundadas e polêmicas, tÃpicas do estilo neoconservador, mas ganhou força depois que a reitoria da universidade entregou à Rede Globo de Televisão imagens do momento em que os estudantes entravam no prédio da reitoria. O uso generalizado de máscaras, capuzes e bandanas produziu um efeito estético que reforçou essa associação. O movimento não tentou ou não conseguiu politizar a opção pelos rostos cobertos, facilitando a sua associação com práticas criminosas. É interessante notar que além de mimetizar a estética dos movimentos de protestos que então se espalhavam pela Europa e Estados Unidos, as máscaras visavam evitar a identificação dos estudantes pelas câmeras de segurança espalhadas pelo prédio. É interessante que quando o atual sistema de vigilância por câmeras foi instalado na USP, o então responsável pelo projeto declarou em entrevista ao Jornal do Campus que as câmeras de vigilância eram voltadas para a identificação de criminosos comuns, mas podiam ser usadas contra o movimento estudantil "em caso de excessos". A associação entre polÃtica e crime estava pressuposta, então, na própria concepção do plano de segurança da USP, sendo perversamente reafirmada pela escolha do movimento de reconhecer o uso polÃtico das câmeras.
9É interessante, nesse sentido, que a nota pública divulgada pela Congregação da FFLCH em 31 de outubro de 2011 buscou construir uma nova posição ao criticar "todas as formas de violência", tanto a do movimento estudantil como a da polÃcia apoiada pela reitoria. Na grande mÃdia, isso foi lido como um apoio incondicional ao movimento estudantil, entre os estudantes, como um ato de apoio ao uso da polÃcia pela reitoria. Isso exemplifica bem como tornou-se impossÃvel construir uma posição nova, que buscasse escapar dos esquemas de classificação então predominantes.
10Segundo Le Goff: "Em Paris, a autonomia da universidade é definitivamente adquirida após os sangrentos eventos de 1229 em que estudantes e a polÃcia real se enfrentaram. Em uma rixa, muitos alunos são mortos por sargentos reais. A maior parte da Universidade entra em greve, se retira à Orleans. Durante dois anos, praticamente não há mais cursos em Paris. É apenas em 1231 que Saint Louis e Blanche de Castille reconhecem solenemente a independência da Universidade, renovando e estendendo os privilégios que Philippe-Auguste havia concedido em 1200". (Jacques Le Goff. Les intellectuels au Moyen Âge. Paris: Éditions du Seuil, 2000. p. 76)
11Nas palavras de Jorge Americano, reitor da USP em 1943: "A ausência de autonomia administrativa também criava (sic) dificuldades. Sucediam-se greves de estudantes, de caráter polÃtico, e as medidas eram tomadas pelo governo, sem audiência da reitoria. Um tiroteio nas ruas, contra estudantes, em novembro de 1943, ocasionou o pedido de exoneração do reitor e todos os diretores, que foi negado pelo governo, sob compromisso deste de dar autonomia à Universidade. A autonomia, tal como foi então entendida, consistiu apenas no desligamento da Universidade da Secretaria de Educação, em Fevereiro de 1944, conferindo-se ao reitor a efetiva autoridade sobre os diretores das Faculdades, subordinado ele diretamente ao Chefe de Governo" (Jorge Americano. A universidade de São Paulo. Dados, problemas e planos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1947).
12Sobre isso, vale a pena ver os depoimentos de Abreu Sodré (ex-governador de São Paulo) e Mário Guimarães Ferri (ex-reitor da USP), que explicitam a tensa negociação entre o governo e a reitoria para invasão do prédio da rua Maria Antonia, em outubro de 1968. A invasão termina sendo feita pelas forças federais, assim como a do CRUS, tempos depois. Cf. ADUSP. O controle ideológico na USP (1964 - 1978). São Paulo: ADUSP, 2004. p. 39ss.
13Além da subordinação das universidades estaduais à Secretaria de Ensino Superior, o conjunto de decretos deslocava a Fapesp e outras instituições de pesquisa básica para a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico, representando uma quebra na relação entre ensino e pesquisa que a universidade sempre procurou conservar. Cf. Gabriel Cohn "Sobre a criação da Secretaria de Ensino Superior" In: Cohn, G. Propostas e Intervenções, São Paulo, FFLCH: 2008.
14O primeiro "Congresso da USP" aconteceu na década de 1980, organizado pelo movimento de estudantes, funcionários e professores como um espaço de formulação de propostas para a reforma do estatuto da Universidade. Era uma forma de pressionar a reitoria a convocar um processo estatuinte democrático ao invés de reformar o Estatuto da Universidade no interior do Conselho Universitário. Desde então, aconteceram quatro Congressos da USP, todos com o mesmo caráter. Nesse sentido, uma das maiores conquistas do movimento de 2007 foi conseguir o reconhecimento, por parte da reitoria, de que o V Congresso da USP era uma instância legÃtima da universidade, sendo inclusive incluÃdo no calendário oficial do ano letivo, com dispensa das aulas. Esse reconhecimento formal aumentaria significativamente as chances de que o Conselho Universitário acatasse as deliberações do Congresso, que reuniria estudantes, funcionários e professores em representação paritária.
15Também nesse caso, o que era exceção virou a regra: a reitora Suely Vilela decidiu fazer do IPEN (Instituto de Pesquisa em Energia Nuclear) a nova sede das demais reuniões do Conselho antes do final de seu mandato. Pequenas espertezas e desrespeitos explÃcitos à s formalidades de convocação dos conselheiros mais indesejados - a mais comum era convocá-los a poucas horas das reuniões - tornaram-se sistemáticos. O descumprimento sucessivo do Estatuto e do Regimento da USP nesse perÃodo levou os Representantes Discentes da Pós-graduação no Conselho a entrar na Justiça conta a USP com um Mandado de Segurança (O documento está disponÃvel na Ãntegra em:    http://www .fflch.usp .br/df/caf /sites /default/ files /arquivos /MS_USP _Final.pdf).
16Uma reunião dessas imagens está disponÃvel em: http:// uspfree. wordpress. com/galery/
17Promessa de Campanha de João Grandino Rodas, a suspensão da resolução que autorizava a chamada da PolÃcia Militar foi um dos primeiros atos do seu governo. Cf. http://www. jornaldocampus .usp.br /index.php /2009/12 / entrevista -com-joao- grandino- rodas- policia-militar -no-campus/
18Cf. Nota pública da Associação dos Pós-graduandos da USP/ capital: http://www .movimentonn. org/jornal /noticia /territoriolivre /1492
19A matéria pode ser localizada em: http:// educarparacrescer .abril.com .br/ /vidas- ligadas -usp-422509 .shtml?page =page8
20É interessante que, recentemente, Adilson Carvalho foi substituÃdo por um coronel da polÃcia militar na chefia da segurança da USP: http:// vejasp. abril.com. br/revista /edicao-2264 /novo-chefe -seguranca-usp
21A nomenclatura "xerife" foi novamente usada pela Revista Veja para designar o atual reitor, João Grandino Rodas. Cf. http:// vejasp. abril.com .br/revista /edicao-2250 /joao-grandino -rodas -paulistanos -de-2011
22Como se sabe, o ponto alto da crise da USP, que foi a ocupação da reitoria em 02 de novembro de 2011, coincidiu com um momento de enorme fragmentação do movimento estudantil, ao ponto de o próprio Diretório Central dos Estudantes (DCE) afirmar que a decisão de ocupar o prédio contrariava deliberação de assembleia. Os estudantes que ocuparam o prédio negam. A violenta desocupação da reitoria, ocorrida no dia 04 de novembro de 2011, marcou o inÃcio de um processo de reestruturação do movimento estudantil, que culminou nas eleições do DCE e, sobretudo, na articulação do Fórum Aberto pela Democratização da USP que, atualmente reúne praticamente todos os Centro Acadêmicos da USP. Cf. http:// verdadeusp .org/home .php
23Cf. Sentença da juÃza Alexandra Fuchs de Araújo, da 6ª Vara da Fazenda Pública do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que anulou a expulsão de um dos estudantes, http://www .viomundo.com .br/politica /juiza-anula -expulsao-de -aluno-da -usp-determinada -por-rodas. html
24O número é uma estimativa dos advogados dos estudantes. Como são diversos processos, não se sabe ao certo quantos estudantes são, hoje, processados pela USP.
25Segundo o USP destaques n. 55: "A diretora da Associação dos Docentes da USP (Adusp), HeloÃsa Borsari, e demais nove diretores daquela entidade, deverão esclarecer as afirmações feitas à imprensa sobre o "desvio de verbas acadêmicas para construções", ou se retratarem, sob pena de ação penal de difamação, em resposta à interpelação judicial distribuÃda, no dia 27 de fevereiro, à 1ª Vara Criminal - Foro Regional de Pinheiros".
26O Boletim USP Destaques n.56 sintetiza uma resposta da reitoria ao Manifesto, que pode ser lida, na Ãntegra no seguinte endereço http:// www.usp .br/ imprensa /wp-content /uploads /USP_Destaques _56.pdf. O referido manifesto, por sua vez, pode ser lido em http:// sociais -democracias /p/manifesto -pela -democratizacao -da-usp. html
27Cf. GT ESATUINTE. "Nota sobre a última reunião do CO" de 12/03/2012 http:// diretasjausp .blogspot. com.br/ search/ label/ CO
28Cf. PDI (2012 - 2017) - Universidade de Classe Mundial. http:// www.usp .br/gvr /pdf /PDI-versao 23.11. 2011.pdf
29Cf. Boletim USP Destaques n. 42 Para que servem os rankings? http:// www.usp .br/ imprensa/ wp-content/ uploads/ Destaque -42.pdf
30Cf. Boletim USP Destaques n.46. 05.12.2011. "Revitalização da Cidade Universitária: Prédio da Reitoria e do Conselho Universitário" http:// www.usp .br/ imprensa /wp-content /uploads /Destaque -46.pdf