revista fevereiro - "política, teoria, cultura"

   POLÍTICATEORIACULTURA                                                                                                     ISSN 2236-2037

Fábio ADIRON 1

em nome da inclusão

 

Incluir: do Lat. includere verbo transitivo direto compreender, abranger; conter em si, envolver, implicar; inserir, intercalar, introduzir, fazer parte, figurar entre outros; pertencer juntamente com outros.

No bom e velho Aurélio, o verbo incluir apresenta vários significados, todos eles com o sentido de algo ou alguém inserido entre outras coisas ou pessoas. Em nenhum momento essa definição pressupõe que o ser incluído precisa ser igual ou semelhante aos demais aos quais se agregou.

Quando falamos de uma sociedade inclusiva, pensamos naquela que valoriza a diversidade humana e fortalece a aceitação das diferenças individuais. É dentro dela que aprendemos a conviver, contribuir e construir juntos um mundo de oportunidades reais (não obrigatoriamente iguais) para todos.

Isso implica numa sociedade onde cada um é responsável pela qualidade de vida do outro, mesmo quando esse outro é muito diferente de nós.

É aí que a história começa a se complicar, pois, se eu sou responsável pela qualidade de vida daqueles que me rodeiam o meu olhar é necessariamente voltado para fora de mim, uma postura muito difícil de ser tomada numa sociedade em que a pergunta básica que todos se fazem é: "o que é que eu ganho com isso?".

Uma sociedade cada vez mais individualista, cada dia mais competitiva (não no sentido do Barão de Coubertin, é claro) e que, a cada dia, valoriza mais o ter em detrimento do ser.

É nessa sociedade que se multiplicam as exclusões. Algumas pouca explícitas, afinal não é politicamente correto se colocar do lado dos fortes, e uma infinidade de exclusões disfarçadas.

Dentre as muitas máscaras das quais se utilizam aqueles que excluem, as mais comuns são as da caridade e do assistencialismo.

Em nome das melhores intenções perpetra-se a criação de guetos e espaços segregados para onde os excluídos possam ser mandados e não incomodar ninguém. Onde possam ser treinados em tarefas repetitivas e trabalhar em troca de quase nada.

Como os criadores desses espaços não querem ser chamados de segregadores ou de preconceituosos, batizam suas gaiolas de “seres estranhos” de espaços inclusivos. Suas leis e decretos de políticas inclusivas. Seus clubes restritos de promoção da diversidade.

E, claro, defendem até a morte a ideologia de que estão promovendo a qualidade de vida dos outros. Que estão preparando os coitadinhos dos excluídos para serem aceitos na sociedade.

No entanto, inclusão não é preparar as pessoas para serem aceitas, mas mudar os contextos para que todos (exclusores e excluídos) possam ter uma sociedade que seja boa para todos.

A maioria das pessoas que são excluídas o são por características pessoais que são indissociáveis delas (gênero, raça, cor, deficiência). Quem precisa se preparar para inclusão são os que excluem. A começar pela mudança de atitude.

É uma transformação dolorosa. Implica na mudança do status quo e, principalmente, implica na perda do poder de tutela que se mantém sobre os excluídos. Perder a tutela também vai provocar a perda de todos os ganhos pecuniários advindos dela.

Manter guetos assistencialistas permite a captação de verbas públicas e de patrocínios e doações privadas.

Manter cooperativas de trabalho abrigadas permite a produção de bens em regime quase escravo (e enormes margens de lucro).

Manter serviços de atendimento especializado permite ganhar a simpatia de famílias pobres que têm dificuldade em lidar com filhos com deficiência e, com isso, angariar votos para cada eleição.

Manter políticas públicas de distribuição de migalhas (gratuidades, isenções e ajudas financeiras miseráveis) permite uma constante exposição na mídia. Como heróis dos fracos e oprimidos, é claro.

A única maneira de mudar essa lógica perversa é a conscientização e a mobilização dos excluídos. Esses precisam a aprender a lutar por direitos de fato e assumir que também têm um conjunto de deveres, como qualquer outro cidadão.

Também passa por mudanças ideológicas dentro das próprias comunidades excluídas. Atualmente, muitas delas se excluem voluntariamente da sociedade sob o argumento de que tem uma identidade diversa. Como se a sua identidade não fosse a de serem humanos.

Só assim será possível provocar o enfrentamento necessário para gerar grandes mudanças, só assim será possível a existência de uma pressão efetiva para romper as grades dos guetos e se criar uma sociedade que verdadeiramente seja de todos.

O que passar disso é enganação em nome da inclusão.































fevereiro #

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ilustração: Rafael MORALEZ






1 Fábio Adiron, pai de uma criança com deficiência, é militante na defesa da educação inclusiva. É, também, membro da comissão executiva do Fórum Permanente de Educação Inclusiva, criador e moderador de grupos de discussão sobre Síndrome de Down e Inclusão. Escreve o blog “Educação: ampla, geral e irrestrita” (http://xiitadainclusao.blogspot.com/).