POLÍTICATEORIACULTURA ISSN 2236-2037
Alexandre CARRASCO |
inclusão: ampla, geral e irrestrita |
Sem entrar diretamente no problema da vigência ou não e, sob que condições, dos direitos humanos, uma querela que vez por outra entusiasma parte da esquerda universitária, a revista Fevereiro ensaia apresentar o problema sob um ponto de vista que, por razões que logo se revelam, passa frequentemente despercebido. Falamos dos “direitos humanos” das pessoas com deficiência. O que pareceria um truísmo (teórico), todos os “homens” são “humanos”, na verdade tem um desenho mais complexo e confuso. Porque o reconhecimento do pleno direito do exercício de “ser” das pessoas com deficiência acaba passando pelas questões da vida e seus limites – “aquilo” é vida?, se perguntam naturalmente os “normais” – , e, na forma muito cristalizada em que a técnica de classificação e manipulação da vida assume entre nós, inclusive como controle e administração da vida, não é difícil perceber o quanto a experiência humana da deficiência está sujeita à tirania. O que significa que, em parte ou até em boa parte, a definição vigente da deficiência é também política e é reforçada e reiterada por políticas públicas. Estas poucas linhas talvez mais confundam do que ajudem nossos leitores de boa vontade. Partamos para o exemplo mais terrestre: até que ponto uma criança com deficiência “aprende”? Ou ainda, quem diz o que uma criança com deficiência aprende? O discurso médico, o discurso pedagógico, o discurso religioso ou o quê? Em outros termos, seria a definição médica da deficiência o que demarcaria cabalmente “o possível” da pessoa com deficiência? Estas questão, sem que percebemos, nós os normais (?), estão na ordem do dia, porque elas também nos dizem para onde vai a vida (“nossa”). Daí que falamos da inclusão das pessoas com deficiência nas escolas comuns e falamos de um sentido crítico que os direitos humanos podem ter: o de reconhecer a vida (humana) como alteridade de experiência e de “humanos”. Desde 25 de agosto de 2009, o Brasil é signatário da Convenção Internacional das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo. Diz seu artigo 24: “Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência à educação. Para efetivar esse direito sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades, os Estados Partes assegurarão sistema educacional inclusivo em todos os níveis, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida, com os seguintes objetivos: a) O pleno desenvolvimento do potencial humano e do senso de dignidade e auto-estima, além do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos, pelas liberdades fundamentais e pela diversidade humana; b) O máximo desenvolvimento possível da personalidade e dos talentos e da criatividade das pessoas com deficiência, assim como de suas habilidades físicas e intelectuais; c) A participação efetiva das pessoas com deficiência em uma sociedade livre. 2.Para a realização desse direito, os Estados Partes assegurarão que: a) As pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional geral sob alegação de deficiência e que as crianças com deficiência não sejam excluídas do ensino primário gratuito e compulsório ou do ensino secundário, sob alegação de deficiência; b) As pessoas com deficiência possam ter acesso ao ensino primário inclusivo, de qualidade e gratuito, e ao ensino secundário, em igualdade de condições com as demais pessoas na comunidade em que vivem; c) Adaptações razoáveis de acordo com as necessidades individuais sejam providenciadas; d) As pessoas com deficiência recebam o apoio necessário, no âmbito do sistema educacional geral, com vistas a facilitar sua efetiva educação; e) Medidas de apoio individualizadas e efetivas sejam adotadas em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social, de acordo com a meta de inclusão plena”. Como é de se suspeitar, a luta pela inclusão não se resume a incorporar a Convenção Internacional da Pessoas com Deficiência ao nosso ordenamento jurídico. Isso é só o começo. Enfim, a
luta pela inclusão é uma luta sobretudo política, como foi a luta antimanicomial,
e com este intuito, a revista Fevereiro pretende também aprender com
debate publicando o texto de Fábio Adiron, de quem emprestemos o título desta
apresentação: inclusão: ampla, geral e irrestrita. ilustração: Zé VICENTE |
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