POLÍTICATEORIACULTURA ISSN 2236-2037
Ruy FAUSTO |
o mico nuclear |
Introdução A questão da produção de energia através de centrais nucleares é pouco discutida no Brasil. Razão maior para tratar do problema. É em silêncio, e aproveitando a não-informação das populações, que os poderes decidem por nós do nosso destino. A questão nuclear não é evidentemente um problema apenas técnico. Nem, eu diria, um problema essencialmente técnico. Ele passa por aí (e não só pela física, mas também pela biologia, é bom lembrar), mas envolve decisões, que, sem abuso de linguagem, não são técnicas, são políticas, e de um modo mais geral antropológicas. Mesmo a decisão de se submeter a uma operação cirúrgica de alguma importância não é uma questão simplesmente científica: o médico nos faz o balanço dos riscos, o mais rigoroso possível. Cabe a nós decidir se queremos ou não assumi-los. O ideal seria que, sobre o nuclear, sempre se escrevesse a “seis” mãos: um “cientista-do-homem” (filósofo, psicólogo, sociólogo, antropólogo etc), um físico (especializado, de preferência), um biólogo (radiobiólogo, se possível). Claro que duas ou, no limite, as três especialidades podem coincidir numa só pessoa. O que nem sempre acontece. Nesse sentido, é importante a colaboração e a informação. Mas, em última análise, haverá sempre uma decisão. Uma decisão que tem de ser lúcida. Há um problema geral do nuclear, que se particulariza nas situações nacionais. É impossível separar uma coisa da outra. Tentarei falar do problema geral, privilegiando a situação na Europa, e o caso do Brasil. Uma coisa é certamente importante, embora ela se coloque diferentemente conforme o país a considerar: deve-se discutir o nuclear sem esquecer os problemas que levantam as outras formas de produção de energia, em particular os que suscitam as energias derivadas do emprego de elementos fósseis. Ao falar do primeiro, não se deve perder de vista os últimos. E vice-versa. No Brasil, fala-se de tudo, menos do nuclear. O que há por trás disso? A fala do nucleocrata Em setembro de 2011, quando fiz a minha viagem anual (agora bianual) ao Brasil – moro há muitos anos na França –, tive ocasião de assistir a uma fala de um nucleocrata, numa das faculdades do campus de São Paulo da USP. Tratava-se na realidade de uma discussão sobre os programas nucleares, e intervieram os dois lados. Só que do lado não-ortodoxo estava um eminente físico brasileiro, que recentemente passou a ter uma posição crítica em relação à opção nuclear, e que fez um discurso moderado, sem contestar, muito diretamente, a posição contrária. O nucleocrata (alguém bem conhecido, que ocupa cargo importante no setor, ensina, e é da área militar) fez, pelo contrário, um discurso digno de um comício. Foi em parte para contar o que ouvi nessa sessão memorável que resolvi escrever esse artigo. O outro motivo é informar. Há coisas que é preciso contar. Elas dizem muito sobre o problema. A literatura sobre o nuclear vai aumentando, mas aqui utilizei principalmente material publicado nos últimos tempos pela imprensa francesa, em particular dois dossiês: um, muito crítico, do Canard Enchaîné. O outro, com alguns artigos críticos, e outros artigos mais conservadores – quase todos já publicados pelo jornal – editado pelo Monde. O dossiê do Canard é notável, mas é preciso ler ambos. Utilizei bastante também o que existe na internet. Voltando à fala do nucleocrata, ele interveio, se bem me lembro, depois da exposição do físico que, como disse, fez uma exposição bastante moderada. Depois, abriu-se a palavra ao público, e eu supus que houvesse pluralidade de opiniões. Por isso não me pareceu essencial intervir. Mas, surpresa: o público – quem o compunha? burocratas do nuclear? gente trabalhada pela ideologia nucleocrática?; não sei – estava inteiramente identificado com o segundo orador e ia até mais longe que ele. Ouvida a platéia, a palavra voltou aos dois oradores. Estimulado pelo apoio do público, e sentindo-se provavelmente “em casa” em sua segunda fala, o defensor do programa nuclear foi quase até o limite da sua posição. Resumo o que ele disse nas duas intervenções. Em primeiro lugar, ele se apresentou como o representante da ciência. Ele encarnava a ciência: os críticos do nuclear são evidentemente ideólogos. Que houvesse ao lado dele um cientista eminente, que não é mais, simplesmente, favorável ao programa nuclear, isso não o perturbou.1 Sua primeira exposição, abriu com um vídeo que começava com um “Água e átomo” – o que ele recomendava como programa energético para o Brasil – mas, no plano das imagens, muito astuciosamente, acho que se via bem mais água do que átomo. Quando entrou pelo capítulo da segurança, ele explicou, entre outras coisas, que não se deveria temer os depósitos de lixo radioativo, porque havia depósitos naturais que emitiam radioatividade. (Um pouco como se, porque existem terremotos, eu deva montar terremotos no meu quintal. O argumento vale para quem idealiza “a Natureza”. Não se trata disso, e, como veremos, não se deve cair nesse engano). Quanto a tomar decisões democráticas em relação à política de energia – o presidente, e organizador, da sessão, tentou levantar a questão –, a tese foi recebida com um sorriso que despertou imediatamente a cumplicidade de uma audiência entusiasta. (Como disse uma vez um nucleocrata europeu: “Não se vai consultar o povo sobre o teorema de Pitágoras!”). Um cidadão ousou perguntar, muito intimidado, e com temor reverencial – ele fez questão de salientar que lera nos jornais – se haveria de fato um problema: o de avisar às populações que habitarão a Terra daqui a 25.000 anos, sobre a localização dos depósitos de lixo nuclear. O nucleocrata não hesitou. Sob o entusiasmo da platéia, respondeu que daqui a 25.000 anos não haveria nenhum problema, a fonte radioativa estaria esgotada. (Na realidade, daqui a 25.000 não precisaria mais avisar. É a duração da chamada meia-vida do material em questão. Mas, e daqui a 24.000, 23.000, 22.000, 20.000, 500, 150, 100... anos? A resposta apelava para um “jogo argumentativo” muito barato.) Porém, o melhor foi quando, sentindo-se, sem dúvida, plenamente seguro, o orador explicou, sem mais, que não é verdade que se tenha provado haver uma ligação entre câncer e radioatividade (ou que, em geral, as radiações são prejudicais à saúde). Prova: numa região, creio que, do Irã, onde haveria emissão natural de radioatividade, a incidência do câncer não seria maior do que a média... A tese é realmente extraordinária, e principalmente por parte de alguém que se apresenta como o representante ou porta-voz da ciência. Que a radioatividade tenha efeitos patológicos sobre o corpo humano é coisa conhecida desde 1906, quando Pierre Curie encostou, de propósito, um tubo de radium no antebraço: houve eritema, queimaduras e necrose.2 Depois, as provas se multiplicaram. É verdade apenas: 1) que a periculosidade é variável segundo o material; 2) que os indivíduos são mais ou menos resistentes às baixas radiações. Mas as evidências são esmagadoras, desde Hiroshima até as radioscopias, passando pelos acidentes em centrais etc. O caso do Irã: se for verdade, trata-se provavelmente de uma população já selecionada. Os menos resistentes já não pertencem ao mundo dos vivos. Quanto ao acidente de Fukushima – a reunião, já programada, se fez, por coincidência, logo depois do acidente – o orador nos garantiu que as consequências sobre a produção de energia por via nuclear seriam mínimas (ele já nos explicara, antes, que a redução na construção de centrais nos anos 90 tinha muito mais a ver com a crise do que com Tchernobyl). Nesse momento, mais precisamente, quando o orador tratou de reduzir a quase nada as medidas já então anunciadas por Ângela Merkel, na Alemanha, não me aguentei, e gritei no meu lugar – nesse momento, o público não podia mais intervir –: “A verdade é que Merkel mandou fechar sete usinas nucleares...”. O orador – e o público – não tomaram conhecimento da intervenção intempestiva daquele “exaltado”, e o observaram com ar surpreso. Houve ainda outros momentos deliciosos na fala daquele senhor. Por exemplo, quando, referindo-se a uma recente catástrofe ecológica no Caribe, ocasião em que, em consequência de um naufrágio, um carregamento importante de petróleo poluiu o mar, ele observou com irônica superioridade: “falou-se disso, mas depois não se falou mais...”. O que significa: não nos preocupemos, “eles” esquecem...3 Se me estendi ao contar essa experiência é, por um lado, porque ela mostra o desinteresse do público pelo problema – penso no público de esquerda, em particular – e, por outro, porque ela mostra com que surpreendente facilidade um discurso ideológico simplista – eu diria, primário – impõe-se a receptores desavisados. E havia, aparentemente, algumas pessoas em princípio neutras naquele auditório. Além do que, a impostura cientificista não é afinal nem a mais sutil nem a mais recente das imposturas, bem conhecida que é de qualquer pessoa que, de um modo ou de outro, tenha se ocupado de ideologia. Uma terceira razão para dar destaque ao episódio é a reflexão de que se numa exposição no campus de uma das melhores universidade do país consegue-se dizer em mais ou menos uma hora uma tal soma de inverdades notórias, qual o grau de veracidade das informações que eles nos dão sobre o dia-a-dia dos reatores nucleares? Essa veracidade deve tender a zero: eles dizem o que lhes convém, nem uma palavra a mais. Em geral, na história do nuclear, quando se trata de escolher entre esconder alguns fatos desagradáveis, de um lado, ou pensar na segurança e na saúde do público, de outro, não há dúvida, é a primeira que conta. Que não se diga que só um pais totalitário como a ex-URSS sacrificou os seus habitantes no altar do bom nome do nuclear (não posso me estender aqui sobre múltiplos e terríveis exemplos); também os EUA o fizeram, por exemplo, contaminando rios sem advertir dos riscos a população; e também a França. Segundo as autoridades francesas da época – o caso ficou famoso – a nuvem de Chernobil, quando chegou na fronteira, parou e verificou que não tinha autorização para entrar. Na realidade, a entrada sem documento da nuvem de Chernobil – pois foi o que aconteceu – valeu, certamente, à população francesa, um certo número de patologias potencialmente malignas. As centrais nucleares em questão Há três (ou quatro) problemas maiores com a produção de energia por via nuclear: 1) O primeiro é o risco de acidente. Quando surgiram as primeiras avaliações, oficiais, dos riscos do nuclear, o que elas nos diziam – ver o relatório Rasmussen de outubro de 1975 – era que um acidente não poderia se produzir senão a cada 35.000 anos!4 Depois, sob o impacto dos fatos, o discurso oficial preferiu evitar os cálculos. Na realidade, para se chegar a uma formulação realista dos riscos, há duas coisas importantes a fazer. A primeira é tentar precisar em alguma medida o que significa a “probabilidade” de que haja novos acidentes, ou, mais exatamente, o que significa o risco. Porque há aí alguma obscuridade, alimentada artificialmente. A segunda é fazer o balanço dos acidentes que ocorreram até aqui, e também um balanço das vítimas. Esse trabalho não é puramente empírico: importa refletir sobre as condições em que ocorreram e ocorrem esses sacrifícios. A acrescentar a consideração dos efeitos sobre o território. No que se refere ao primeiro ponto, a questão essencial é a seguinte: para se fazer uma apreciação realista da situação, é preciso considerar não só a simples probabilidade de que ocorra um acidente, mas também, e ao mesmo tempo, a gravidade dele. Digamos que a probabilidade de que ocorra não é, em termos absolutos, muito alta (há, na realidade, várias maneiras de calculá-la; não faz muito tempo, dois físicos escreveram no Libération que se poderia prever um acidente grave a cada vinte anos); ocorre que, se a probabilidade é – ou pode ser – relativamente baixa (a precisar como ela foi calculada), a gravidade do acidente, esta, é muito alta. Então o risco não pode ser medido apenas pela simples probabilidade do acidente – mas pela probabilidade mais a gravidade dele; ou pela probabilidade multiplicada pela gravidade. Isto é, digamos, não é muito provável que venha a ocorrer um acidente na central X (suponhamos que se tome o modelo suposto o menos arriscado), mas, se ele ocorrer, toda uma região deverá ser interditada; haverá risco de saúde para milhares de pessoas, os efeitos do acidente se estenderão por centenas de anos, etc. Fiquei tentado a chamar essa soma (ou produto?) da probabilidade pela gravidade do acidente, de algo assim como “risco concreto”.5 Não faz muito tempo, um dos nossos ministros disse que três acidentes em trinta anos não era muito. Não era “muito”? Podemos passar agora aos outros problemas. Quantos acidentes houve? Sabe-se que houve três grandes acidentes: Three Mile Island, nos Estados Unidos, em 28 de março de 1979; Chernobil, na URSS, em 26 de abril de 1986, e Fukushima-Daiichi, no Japão, em 11 de março de 2011. Esses foram os três grandes acidentes. Mas só houve estes? O fato é que houve vários outros acidentes, em geral menos graves, mas muito sérios, além de um número importante de incidentes potencialmente muito graves. É fácil se informar a respeito, através da Internet. Vou me limitar – mas deixo isto para mais adiante – aos acidentes e incidentes na França, que é um dos países que estou privilegiando nesse texto. Quanto às vítimas, aqui se impõem várias observações. Costuma-se comparar as vítimas dos acidentes nucleares com o número de mortos nas minas de carvão (o argumento já está no “econuclear” J. Lovelock). A esse respeito, seria importante dizer, desde já, que não se trata de substituir o nuclear pelo carvão, mas de substituir os dois pelas energias renováveis;6 e observar que o que caracteriza o impacto dos acidentes nucleares, é que, qualquer que seja o número de vítimas, os efeitos da catástrofe não têm limites. A radioatividade se propaga e alcança populações que vivem muito longe do local do acidente (quando não há nuvem nuclear ou ela se desloca pouco, o radioatividade “viaja”, de qualquer modo, através dos alimentos etc). E as lesões podem ter efeitos, como de fato tiveram, para além da geração atual. A acrescentar que elas atingem toda a população, incluindo as crianças. Quanto aos número de vítimas, o fato de que imediatamente após a catástrofe as mortes só ocorrem em pequena proporção, e que elas se escalonam no tempo, facilita muito o trabalho de escamoteá-las e ocultá-las.7 Limito-me aqui ao caso de Chernobil, sem dúvida, o mais grave (e ele ainda pode se repetir). Falou-se, e se continua falando, que morreram 48 ou 50 em Chernobil. Frequentemente, acrescenta-se uma porcentagem dos casos de câncer que teriam relação com o acidente, e então acena-se com 5%, ou algo assim, sem discutir esse dado, e sem dizer o que essas porcentagens poderiam significar. Sem dúvida, há muita incerteza quanto ao número exato das vítimas de Chernobil. Mas certamente o número de vítimas não é da ordem das dezenas, nem das centenas, mas dos milhares. Um primeiro dado da ONU, muito criticado, contava 3.000 ou 4.000 mortos.8 Houve duas pesquisas publicadas em 2006,9 ambas de tipo preditivo. Uma, do Centro Internacional de Pesquisa sobre o Câncer, dirigida por Elisabeth Cardis, que calcula em 16.000 mortos o número total, para a Europa, num período de mais ou menos oitenta anos. Esse cálculo não deve incluir os “liquidadores”. A outra, do Torch (The Other Report on Chernobyl), indica entre 30.000 a 60.000 (nas fontes que consultei, não há menção da amplitude do período considerado).10 Creio que foi este o resultado divulgado pela Greenpeace. A esses números, seria preciso acrescentar os dos casos patológicos. Para o câncer da tiróide, que parece ser a patologia mais frequente, a taxa letal é de mais ou menos 20%. Então, se a maioria das patologias resultantes das irradiações forem desse tipo, o número de casos patológicos não letais se aproximaria de cinco vezes o número de mortes, ou seja: 80.000, ou entre 150.000 e 300.000. Sobre a contaminação do território, ver principalmente o livro, mencionado, de Galia Ackerman.11 A Enciclopédia Nuclear russa, fornece dados sobre os territórios afetados pela catástrofe de Chernobil, e sobre as normas que os regulam. Eles se classificam em quatro zonas, desde um terreno de mais de 10.000 quilômetros quadrados, que foi pura e simplesmente interditado, até uma área em que se pode viver com certas precauções, passando por duas outras, em que o realojamento é respectivamente obrigatório ou voluntário. No conjunto das quatro zonas existem 14.000 localidades (Ackerman, op. cit., p. 158). Entre elas – acho que no nível 2 – está a cidade fantasma de Pripiat. 2) O segundo problema é o do lixo atômico. As usinas nucleares deixam resíduos radioativos, e o destino desses produtos representa uma seríssima dificuldade. Eles têm um ciclo de vida que vai pelo menos até 24.000 anos. O que fazer com eles? As questões são as de saber como eles serão tratados, se, depois de tratados, eles serão estocados na superfície ou enterrados, e onde, nos dois casos, isso será feito. Na França, eles são vitrificados e colocados em caixões de aço inoxidável. Mas em algumas centenas de anos o vidro se quebra e o aço inoxidável também não resiste.12 Que fazer com esses pacotes incômodos? Tinha-se estabelecido um princípio de que deveria haver “reversibilidade”, isto é, de que deveria ficar aberta a possibilidade de, mais tarde, dar outro destino a essa “mercadoria”. Com esse espírito, dever-se-ia preferir a estocagem ao enterramento do lixo, mas ela é pouco segura. Por essa razão, na França – mas isto se faz, também, nos EUA – decidiu-se enterrá-los. Para tanto, há um projeto de construção, em Bure, uma cidadezinha no leste da França, de um depósito subterrâneo a 500 metros de profundidade, sob uma rocha argilosa. Os pacotes serão lá depositados a partir de 2015. E o depósito será “reversível” durante cem anos. Quando o lugar estiver todo ocupado, em 2115, os netos dos netos (...) poderão decidir se querem fechá-lo definitivamente. Nos Estados-Unidos, uma mina que acumula o lixo radioativo de origem militar deve ser fechada em 2070. Mas ninguém garante que “nenhum terremoto, nenhuma ruptura geológica”13 não possa tirar os produtos do seu refúgio. Surgiu então a idéia – para estes depósitos como para outros menos profundos, – de deixar mensagens advertindo dos perigos. Mas o que se escreveria nessas mensagens? E, antes de mais nada: em que língua elas seriam escritas? E sobre que material? Outra questão é a do lugar em que se deve deixar os materiais menos radioativos, que não se destinam a ser enterradas em profundidade.14 Perto das centrais? A proximidade aumenta o risco, em caso de acidente. A solução encontrada é depositá-los em pontos mais ou menos distante da Central. Mas então será necessário transportá-los.15 O resultado é que trens cruzam o país, carregando materiais radioativos. Quaisquer que sejam as precauções tomadas, os riscos – de acidente, de ataque terrorista etc – são reais, e eles vão se multiplicando. 3) O terceiro aspecto é imediatamente político. Dado o perigo, o nuclear é inseparável de uma política de segredo, o que significa, de um poder oligárquico que controla todo o processo. O programa nuclear é tendencialmente incompatível com a democracia. É mesmo um excelente álibi para um poder autoritário. Para ilustrar esse ponto – que permitiria um grande desenvolvimento – remeto ao exemplo francês, de que me ocuparei mais adiante. O caso brasileiro também é exemplar. Os nucleocratas, com amplas raízes nos que detêm o poder das forças armadas,16 tendem a formar um Estado dentro do Estado, cultivando o segredo, e professando uma ideologia claramente elitista e autoritária. 4) Há um quarto problema que é econômico. Apenas dois dados. A central francesa de Flamanville, que o governo francês insiste em construir, estava orçada em 3,3 bilhões de euros e vai custar 6 bilhões. O custo de uma catástrofe nuclear do tipo da de Fukushima deve chegar a mais ou menos 300 bilhões de euros.17 As centrais nucleares e a política dos governos ocidentais Existem atualmente 441 usinas nucleares (a não confundir com centrais nucleares, que as agrupam) em todo o mundo. Esse número é muito inferior ao que se previa antes da catástrofe de Chernobil. 13,4% da produção mundial de eletricidade é de origem nuclear, segue-se o carvão (e a turfa) com 40,6%, o gás natural com 21,4% e a energia de origem hidráulica com 16,2% (M, op. cit., p. 22). Em termos absolutos, o maior parque nuclear é o americano. Mas, em termos de porcentagem, é o francês – junto com o lituano, segundo algumas fontes – que produz 74,1% da eletricidade do país. Vêm depois a Eslováquia, a Bélgica e a Ucrânia – com pouco menos de 50%. Segue um grupo entre 30% e 45%, mais ou menos, em que estão a Hungria, a Armênia, a Suíça e a Suécia. Mais abaixo, entre outros, a Finlândia, a Alemanha e os Estados Unidos (19,6%). Depois de Chernobil, um certo número de países da Europa decretaram uma moratória do programa nuclear (a Suécia, a Espanha, a Holanda, a Alemanha e a Bélgica); outros simplesmente desistiram do nuclear. Depois de Fukushima, além do “gelo” sobre a construção de novas centrais, decidido pelo Japão, tem-se um movimento muito mais consistente de saída do nuclear, embora quase sempre ele implique em deixar funcionando as usinas, ou algumas delas, até o final do seu período de vida. A situação atual é a seguinte. A Bélgica, país cuja eletricidade é nuclear a mais ou menos 50%, acaba de decidir sua saída do nuclear. A Grécia, a Irlanda, a Noruega e a Dinamarca já haviam inscrito em lei o abandono de todo programa nuclear. Na Áustria, depois de muitas idas e vindas, uma lei abandonando o recurso ao nuclear veio a ser inscrita na Constituição, em 1999. A observar que, neste pais, 66% da eletricidade vem de fonte renovável (incluindo aí a hidráulica). Na Itália, também, depois de uma tentativa de volta ao nuclear, um referendo recente o baniu, com o apoio de 94,7% dos votantes. Na Espanha, houve problemas com os bascos, e no programa com que se elegeu Zapatero estava o abandono de qualquer projeto de construção de novas centrais. Não tenho nenhuma indicação de que o novo governo, de direita, vá relançar o programa nuclear. O notável na Espanha é o desenvolvimento das eólicas que fornecem 21% da eletricidade da península Ibérica. As energias renováveis atingem 40%. A Suíça, onde a eletricidade de origem nuclear representa 39% de toda a energia elétrica produzida, o governo decidiu renunciar, deixando apenas com que as usinas funcionem até o final do seu tempo de vida (a última fecharia em 2034, daqui a 20 e poucos anos, portanto). A situação da Suécia é mais complicada. Houve um referendo, vencido pelos antinucleares, com base no qual se decretou uma moratória, mas o legislativo a suspendeu. Não há, porém, nenhuma central em construção na Suécia e a social-democracia sueca, que tem um grande peso político no país, tem posição contrária ao nuclear.18 Alemanha Porém o caso mais importante é o da Alemanha. O nuclear representava no início desta ano algo como 22% da produção de energia na Alemanha. Em 2000, o governo socialista-verde decide-se a abandonar o programa nuclear. Mas, uma vez a direita no poder, o programa é relançado. Merkel se recusa a fechar as centrais em 2009, e, em 2010, decide prolongar a vida das centrais mais antigas. Entretanto, depois de Fukushima, pressionada pelos verdes, pelos sociais-democratas, que haviam aderido à recusa do nuclear, e por uma parte da direita, Merkel anuncia a decisão de sair do nuclear. Uma lei é votada quase por unanimidade no dia 30 de junho de 2011. O projeto não é simples para um país no qual quase um quarto da eletricidade produzida é de origem nuclear. A Alemanha fecha oito das suas dezessete usinas. As outras nove serão fechadas progressivamente, num período de dez anos (2022). Prevê-se paralelamente um plano de desenvolvimento das energias limpas (sua participação já subiu de 17% a 20,8% do início ao final de 2011) – a Alemanha é a terceira no ranking mundial das eólicas. Além disso, será construída uma rede de alta tensão para transmitir a energia produzida no norte para as indústrias do sul. Entretanto, no período de transição, ela dependerá do gás, importado da Rússia, e do carvão (prevê-se mesmo subvencionar centrais a carvão). Mas o projeto alemão é o de abandonar o nuclear diminuindo ao mesmo tempo a produção de energia a partir de matérias fósseis. Segundo os objetivos do plano, muito meticuloso, e articulado entre vários ministérios, seria possível abandonar o programa nuclear sem aumentar as emissões que provocam o efeito estufa na atmosfera. A opinião pública apóia a decisão. Parte do grande capital alemão (Siemens) abandonou o nuclear e consagra-se às energias limpas, principalmente a eólica.19 França, etc. Mas há países que não alteraram a rota. Poucos, na Europa, muito poucos na Europa ocidental. Alguns países da Europa Central (mais a Rússia), a Finlândia. Na Europa ocidental, as grandes exceções são a França (mas no fundo, ela não é, ou não será, uma exceção) e a Inglaterra. O caso francês é realmente extraordinário. Empurrado pela disposição de De Gaulle em dotar a França da arma nuclear, foi-se desenvolvendo um nuclear civil autônomo, que decidia praticamente sem nenhuma consulta, mesmo ao legislativo. Houve somente pequenas discussões no Parlamento, sem nenhum efeito prático. De tal maneira que, em termos proporcionais, a França é, hoje, a nação mais nuclearizada do mundo.20 A indústria de energias renováveis foi sistematicamente aniquilada. Quando se lançou o programa nuclear francês, páginas inteiras de jornais mostravam grupos jogando cartas à luz de velas... Nuclear ou vela. Por incrível que pareça, Sarkozy retomou essa palavra de ordem velha e gasta, repetindo a fórmula em sua campanha eleitoral – ainda disfarçada de intervenção presidencial – para as eleições de 2012. O movimento verde cresceu lentamente na França, e esteve muito dividido, mas já participou do governo (com Jospin). No programa comum em nome do qual Mitterrand se elegeu em 1981, previa-se limitar o programa nuclear às usinas em construção, e também organizar uma consulta popular. Mitterrand limitou-se a abandonar o projeto da usina de Piogoff na Bretanha, que dera origem a uma grande mobilização popular, assim vitoriosa. Mas sob os governos de esquerda, o nuclear continuou: Giscard tinha feito 16 reatores; nos dois setenatos de Mitterrand foram abertas mais 34 usinas... A esquerda antinuclear conseguiu algumas poucas vitórias, principalmente depois de Chernobil. A mais importante delas foi o fechamento da usina de regeneração do urânio, a Superfenix, que, de resto, fora um fracasso total.21 A situação começou a se alterar graças à imprensa de esquerda (principalmente Libération e Canard Enchaîné), que foi se ocupando cada vez mais do problema. Com o desastre de Fukushima, houve uma virada essencial. Até aqui, a opinião pública francesa fora favorável ao programa nuclear – Sarkozy continua contando com isso – mas uma última pesquisa de Viavoice e Ifog22 dá uma maioria de 6 em 10, contra o nuclear. A direita francesa e os prónucleares, em geral, difundiram a idéia da excelência do nuclear francês – que está dominado pelos dois gigantes: AREVA, construção de centrais e produção de urânio; e EDF, explorações das centrais, ambos com participação dominante do Estado. Afinal, dizem, não houve nenhum acidente maior na França. Sem dúvida, não houve na França nenhum Chernobil, Fukushima ou Three Mile Island. Entretanto, houve dois acidentes bastante graves, e dois incidentes que poderiam ter levado a uma catástrofe maior (sem mencionar o problema, já discutido, do lixo nuclear). Dada a importância do caso francês e a idealização dele pela direita francesa e aliados, e pelos nucleocratas do mundo inteiro (com que orgulho eles falam do país em que quase 80% da eletricidade é de origem nuclear...), vou contar com algum detalhe a história pouco conhecida dos incidentes e acidentes nas usinas nucleares franceses. Para isso, utilizo, essencialmente – de fato, resumo – o muito importante artigo “C‘est arrivé près de chez vous”, in CE, op. cit., p. 17 e s. No dia 17 de outubro de 1969, um erro de manipulação provoca uma fusão parcial do reator nº 1 da central de Saint-Laurent-des-Eaux.23 A população não é avisada. O acidente, finalmente controlado, foi classificado no nível 4 (a escala é de 1 a 7). No dia 13 de março de 1980, no mesmo lugar, mas desta vez no reator número 2, um sopro de gás carbônico desloca uma chapa metálica de meio metro quadrado. De novo, fusão parcial, com menor quantidade de urânio, mas muito mais radioativo. Ainda um acidente de nível 4, e ninguém é avisado. O reator ficará parado durante quase três anos. Esses dois acidentes são, hoje, conhecidos.24 Mas há três incidentes graves de que quase não se fala. Encontrei menção deles apenas, no dossiê do Canard: em Le Bugey, no leste da França, no dia 14 de abril de 1984, uma série de problemas obriga a paralisar o reator; é preciso refrigerá-lo rapidamente. As bombas de refrigeração não são alimentadas em eletricidade. É preciso fazer apelo à alimentação elétrica auxiliar. Havia três fontes auxiliares. A primeira não funciona. A segunda não funciona. Finalmente, a terceira evita a fusão do núcleo do reator. O comunicado oficial do incidente transforma tudo num incidente banal. Segundo os cientistas da Global Chance (citados pelo dossiê do Canard), “hoje, esse incidente, seria provavelmente classificado como sendo de nível 3” (CE, op. cit., p. 18). Em 12 de maio de 1998, às 20:00, há um derramamento de 30.000 litros de água radioativa no interior do reator chamado N4, na Central de Civaux, no Rio Loire. Angústia; ninguém sabe da origem do acidente, a visibilidade é nula com o envolvente vapor d’água. Depois de nove horas lutando para reduzir a temperatura e a pressão, os “escafandristas” descobrem um defeito de fabricação, uma rachadura em um dos tubos. Outros exemplares do mesmo tipo de reator, na mesma central e em outra, também são descarregados. O reator retoma somente dez meses depois. O incidente mais importante é, entretanto, o que atinge a central de Le Blayais, perto de Bordéus, no dia 27 de dezembro de 1999. “[As equipes] esperam o famoso bug do ano 2000, que iria introduzir um caos em todos os sistemas informáticos. Em lugar dele é a tempestade do milênio que se abate, com ventos de 144 quilômetros por hora” (CE, op. cit., p. 19). As vagas marítimas produzidas pela tempestade acabam ultrapassando os diques de proteção e alagam as instalações. A alimentação elétrica dos reatores 2 e 4 é interrompida. A partir daí os incidentes vão se multiplicando, e não há como encaminhar reforços à Central, porque a estrada de acesso está inundada. Decreta-se urgência interna, e o “préfet” (representante do governo) “consider(a), mesmo um momento, evacuar [a população de] Bordéus” (ib.). A catástrofe é evitada pela utilização de motores Diesel de socorro. Entretanto, não haveria fuel suficiente para movê-los, não fosse uma circunstância: como se esperava o bug de fim de milênio, havia grandes reservas de fuel ... Foram necessárias 39 horas, para que uma equipe de voluntários retirasse toda a água. Depois do incidente, a EDF tomou certas medidas: aumento da altura dos diques, modificação no funcionamento das brigadas de intervenção etc. Mas... Para as eleições presidenciais de 2012, os socialistas, – que têm muito boas possibilidades de vitória, embora nunca se saiba – são aliados dos verdes. Ao contrário do que alguns pensavam, no Brasil, estes tenderam claramente para a esquerda. E, dentro do PS, a opinião evoluiu no sentido das teses ecológicas. Dos dois candidatos às primárias, Martine Aubry propunha uma saída total do nuclear (em duas ou três décadas mais ou menos), e François Hollande uma saída parcial: reduzir o nuclear a 50% em 2025. Foi Hollande que ganhou as primárias, e as discussões com os seus aliados verdes – cujas primárias internas deram a vitória à ex-magistrada de origem norueguesa, Eva Joly, que será a candidata dos ecologistas no primeiro turno – foram extremamente difíceis. Os verdes queriam um programa de saída total, mas aceitaram não insistir nesse ponto, na discussão. Entretanto, faziam questão de que as obras da usina de Flamanville (no noroeste da França) – a única usina em construção na França – fossem interrompidas. A construção desta usina, que é um modelo EPR (European Pressurized Reactor, tipo modificado do REP, Réacteur à Eau Pressurisée que deve ser o PWR, Pressurized Water Reactor) começada em 2005, e contra a qual se manifestara parte da esquerda – inclusive François Hollande – tinha, como já disse, um orçamento de pouco mais de 3 bilhões de euros, mas finalmente deverá custar quase o dobro. A AREVA interveio direta e descaradamente na discussão PS/Verdes. Hollande, depois de alguma hesitação, se manifestou pela continuação da obra. Mas ele se comprometeu a fechar imediatamente a velha central de Fessenheim, perto da fronteira com a Alemanha e com a Suíça, respondendo à grande mobilização que se fez dos dois lados da fronteira, exigindo (em vão) essa medida, do governo atual. E, mais do que isto, o candidato confirmou seu compromisso de reduzir o peso do nuclear na França, até 2025, de 74% a 50%, o que implica em fechar 24 das 58 usinas francesas. A concessão pode parecer enorme, mas: 1) é uma promessa a cumprir até 2025, e o mandato do eventual presidente será de cinco anos, embora renovável; 2) parte das usinas francesas são muito velhas, e, se não forem renovadas – a renovação, embora muito mais barata (menos de meio bilhão de euros, mais ou menos) oferece condições inferiores de segurança – deveriam ser fechadas, de toda maneira.25 De qualquer modo, o projeto de Hollande é um progresso, principalmente se se considerar a discussão que ele desencadeou. Os nucleocratas se alimentam do silêncio e toda discussão é progresso. – Finalmente, os verdes, para não perderem toda representação parlamentar – preocupação justa, apesar de todas as imputações demagógicas de oportunismo que se lhes fizeram: sem o acordo, eles provavelmente não teriam deputados – decidiram fazer um semi-acordo: caminham juntos nas legislativas, mas não participarão do governo em caso de vitória. (Para a eleição presidencial, como já estava decidido, terão o seu candidato – a sua candidata – para o primeiro turno, e apoiarão Hollande no segundo). – Passo rapidamente pelo caso inglês. A porcentagem do nuclear inglês não é muito alta (em torno de 20%),26 mas há planos de ampliação para os próximos anos. A primeira impressão que se tem ao ler as notícias da Grã-Bretanha é que ela representaria uma espécie de baluarte do nuclear. As coisas são, entretanto, mais complicadas. Documentos dos movimentos antinucleares denunciam o que eles consideram verdadeira desinformação da EDF: há planos de ampliação, mas eles têm sérios problemas de financiamento. As eólicas, que tinham um peso mínimo na Grã-Bretanha fizeram algum progresso em 2010. Houve acidentes nucleares na Grã-Bretanha: um já antigo, outro, de nível 4, em 2005. De qualquer modo, apesar de ele só representar mais ou menos 20% da produção de eletricidade, a situação geral do nuclear na Grã-Bretanha é certamente menos difícil, para os poderes, do que na França, sem falar na Alemanha. Saindo da Europa: a China, cujo governo não se caracteriza propriamente por uma grande preocupação com a sorte da população, continua construindo centrais. Se se consultar o quadro geral das usinas existentes e em construção (ver M, op. cit., p. 22-23), ver-se-á que ela é a campeã absoluta em matéria de novas construções.27 A China também desenvolveu, e muito, as energias limpas. Atualmente provoca “dumping” na produção mundial de energia solar. A Índia e a Coréia do Sul também constroem usinas nucleares. Os EUA haviam interrompido a construção depois do acidente de Three Mile Island. Atualmente, fazem uma (ou duas, os dados não são unívocos), e, parece que as obras enfrentam dificuldades. Assim, fora o caso da Rússia (11), da Índia (6) e da Coréia do Sul (5), mais os de uma meia dúzia de países espalhados pelo mundo (e que constroem pouco) não se criam novas usinas. Tais números poderiam parecer importantes. Mas eles exprimem uma situação que não tem nada a ver com o ritmo de construção de certos períodos do século XX, nem com as projeções que haviam sido feitas. Brasil e reflexões gerais Chegamos ao final desse balanço, o qual não inclui o Brasil. O que se pode concluir de tudo isto, é, creio eu: 1) apesar dos progressos, o nuclear oferece sérios riscos – recentemente, um responsável ASN (Autorité de Securité Nucléaire) francesa reconheceu que não se pode descartar um acidente –,28 e o problema do lixo nuclear é da maior gravidade; 2) a) apesar de ter começado a investir numa tecnologia mais moderna que se poderia traduzir em usinas reputadas como sendo mais seguras e b) apesar de dispor de um parque nuclear importante ou mais ou menos importante, os países da Europa ocidental, em conjunto, ou em geral, fazem um movimento na direção do abandono do nuclear ou de uma diminuição radical dele. Vê-se que a recusa total ou relativa do nuclear não é coisa de fanáticos ou de ilusionistas: o fanatismo não está onde se pensa. E o Brasil? Não vou falar muito longamente sobre o nosso país, porque há, nesse número IV da Fevereiro, textos de gente bem mais competente do que eu para tratar do assunto. O essencial a dizer seria o seguinte: se a Europa, a) tendo começado a construir usinas de modelos considerados não obsoletos; b) tendo já constituído um parque nuclear considerável, e c) não dispondo, frequentemente, de recursos energéticos comparáveis àqueles que tem o Brasil, decide-se a abandonar o nuclear ou a diminuí-lo muito, – por que nós deveríamos enveredar por esse caminho? E aqui, entra uma agravante. As nossas três usinas em Angra são de uma tecnologia envelhecida. Elas foram planejadas antes mesmo do acidente de Three Mile Island (sem falar em Chernobil e Fukushima), e parecem não oferecer a proteção – ela mesmo, incerta, como vimos – do nuclear mais recente. Os nucleocratas apregoam que as usinas de Angra são ERP (ou PWR), modelo que seria menos perigoso do que o REB (ou BWR) utilizado em Fukushima. Algumas fontes (o dossiê do Canard), de fato sugerem uma superioridade do PWR sobre o BWR. Mas outras, mais sólidas talvez, dizem que o importante é a idade do modelo utilizado, e não o modelo ele mesmo (isto é, o mais importante não é saber se se trata de PWR ou de BWR, mas se o exemplar foi fabricado levando ou não em conta os ensinamentos do acidente de Three Mile Island29). Porém, além do fato de que a segurança das centrais é, de qualquer modo, duvidosa – e, não esqueçamos, o acidente de Three Mile Island se deu precisamente com uma usina ERP (ou PWR)... – o modelo das PWR de Angra (inclusive do Angra III, que acaba de ser instalado) é antiquado, pois reproduz a técnica dos anos 70, anterior ao primeiro acidente.30 Em que medida essas diferenças significam uma importante defasagem em termos de segurança? Difícil dizer. Mas há dois elementos interessantes: o Greenpeace fez pressão sobre o banco francês BNP, que participa do projeto, para que o banco o abandonasse, porque, segundo o Greenpeace, o projeto não é suficientemente seguro. E a Alemanha hesita em continuar a participar da iniciativa, porque não quer se comprometer com uma tecnologia obsoleta. Onze ONGs dirigiram um documento ao governo alemão, pedindo para abandonar o financiamento de Angra. Lá se fala em “baixo padrão de segurança” e em falta de “fiscalização independente”.31 Não se diga que isso não tem importância, porque o nuclear fornece somente 2% da eletricidade no Brasil. É incrível, mas se ouve esse argumento... Claro, a parte do nuclear é insignificante, mas o risco de acidente não é. Que tal Angra e Paraty riscadas do mapa, ou, pelo menos, seriamente irradiadas? Evidentemente, se houvesse dez centrais, o perigo aumentaria, mas a multiplicação por dez não é muito, nessa ordem de risco. Ouve-se também o argumento de que o nuclear não faz parte da agenda de discussão brasileira... Só que a possibilidade do acidente faz parte, digamos, da “agenda objetiva”. É esse descompasso que queremos corrigir. Por que manter – e muitos querem até ampliar – o nosso “parque” nuclear? Precisamos disso? Ele é importante para a pesquisa? Ou se trata do “progresso” e dever-se-ia sempre ser fiel ao progresso? A partir do caso brasileiro, passo a discutir esses problemas num contexto mais universal. Insisto ainda uma vez que, qualquer que seja a relevância do problema nuclear no Brasil – ele é relevante negativamente, isto é, pelos riscos em que implica, não positivamente, pelo peso que tem (ou deveria ter) na nossa produção de eletricidade – e qualquer que seja também sua importância no mundo, não se deve perder de vista as outras questões: em primeiro lugar a das energias de origem fóssil que ameaçam alterar a face da Terra com consequências dramáticas para as populações.32 Reflexões finais Por que os nucleocratas e seus partidários defendem de maneira tão inflexível o programa nuclear? As razões são várias, certamente. Há interesses de poder, interesses financeiros, mas há, também, e talvez principalmente, um investimento ideológico. Essa gente crê no que eles supõem seja o “progresso”, e o defendem contra ventos e marés, um pouco como o bolchevismo – ou a sua versão piorada, seu prolongamento-negação, o stalinismo – defendia a revolução. Sacrifícios? Claro que haverá, dizem eles, mas é em benefício de uma causa muito alta, que os justifica bem. Além disso, no caso brasileiro, e também em outros – França inclusive –, o interesse pelo nuclear civil está ligado à vontade de dispor do nuclear militar. Uma parte dos nucleocratas brasileiros faz questão de ter as centrais, porque gostaria de ter a bomba. Li, não faz muito tempo, um artigo na Folha, em que, sob pretexto de falar sobre Kadhafi, explicava-se que, diante de um país que dispõe da bomba, as grandes potências são sempre prudentes. Isto é verdade. Mas o argumento justificaria a escolha nuclear-militar para o Brasil, aliás vetada constitucionalmente? Claro, se imaginarmos um pais muito democrático, ameaçado por potências imperialistas (capitalistas ou não), seria bom ter a bomba. Mas essa situação não é pensável nem a curto nem a médio prazo (a longo? não creio também). E a posse da bomba criaria problemas ainda mais graves do que o nuclear civil, e facilitaria o jogo das oligarquias. É o interesse destas, não o interesse nacional que os nucleocratas defendem. Eles sonham com um país oligárquico, defendido pela bomba... Para chegar aí, permitem-se pôr em risco a saúde das atuais e futuras populações brasileiras, e ameaçar a habitabilidade de porções do território nacional. Nem procede o argumento de que se o nuclear não se impõe aos países da Europa ele seria necessário aos países emergentes. De certo modo, o nosso “atraso” impediu que caíssemos no buraco em que caíram os europeus, e do qual eles tentam sair com dificuldade. Pular no buraco em que eles caíram há alguns anos seria uma forma muito curiosa de superar o “atraso”... – Porém, voltando ao argumento geral, o fanatismo do progresso é, certamente, um dos motores mais poderosos da defesa do nuclear. Somos contra o progresso? Há mais de uma resposta a essa pergunta, mas as respostas convergem. Primeiro, poderíamos dizer, como dizia um pioneiro da ecologia, Jacques Ellul: “isto” não é progresso; progresso é outra coisa. E poder-se-ia acrescentar: o argumento de que todo progresso implica em sacrifício (um defensor ingênuo do nuclear afirmava, recentemente: os aviões caem, morre gente, mas nem por isso deixamos de construir aviões e de viajar de avião), o argumento é absurdo, porque passamos um limite, trata-se de uma outra ordem de sacrifícios. Trata-se de sacrifícios que, como já disse, não têm limites nem no espaço nem no tempo (no espaço, a Terra inteira; no tempo, 25.000 anos, pelo menos). É preciso entender que há, hoje, uma inflexão no progresso, como existe inflexão em outras coisas. A partir de certo ponto, o progresso – certo progresso – começa a ter efeitos negativos. Agente de bem-estar e de criação, ele se interverte em causa de sofrimento e de destruição. Trata-se de liquidá-lo, de negá-lo absolutamente? Não, trata-se de controlá-lo, de neutralizá-lo. (Um amigo meu afirmou que se trata de uma Aufhebung – “negação” dialética – não de uma negação vulgar; isso não diz muito, mas, para quem gosta desse tipo de formulação, serve. Aliás, Edgar Morin citou a fórmula – que é de M. Lowy, eu mesmo já a utilizara –33 como epígrafe de um dos seus livros). Também se poderia dizer, de um modo talvez menos rigoroso: o progresso não é retilíneo. Sempre houve idas e vindas, becos, impasses. (Afinal “trata-se – como disse, a propósito das usinas nucleares, o físico nuclear Bernard Laponche – do método mais perigoso de ferver água” (CE, op. cit., p. 95)). A formulação é menos rigorosa, porque o impasse atual é de um novo tipo: cruzamos um limiar. - As usinas nucleares – dizem também – não podem ser abandonadas, porque são essenciais à pesquisa. Conversei com mais de um especialista, e eles asseguram que elas não têm papel algum na pesquisa. É pura desinformação. Pequenas unidades (“reatores de pesquisa de baixa potência”), que não oferecem risco, produzem o que a medicina e a indústria necessita. De resto, os alemães e os outros países que se preparam para abandonar as centrais, agiriam assim se a pesquisa científica, em física, ou fora dela, ficasse ameaçada? O argumento não procede. Há um grupo curioso de prónucleares que são os chamados econucleares: ecologistas que defendem a opção nuclear... Eles têm uma associação na França, e reivindicam alguns milhares de adeptos. Como explicar o fenômeno? Não é difícil. Como se sabe, o uso da energia nuclear não implica em aumento – ou antes, em grande aumento – do efeito estufa: o nuclear emite pouco material que produza esse efeito.34 Já os combustíveis fósseis emitem muito. Assim, se ambos – fóssil e nuclear – atacam a vida, um o faz pela mediação de um efeito sobre a atmosfera e o outro não (embora provocando disseminação da radioatividade). De uma perspectiva lúcida impõe-se rejeitar os dois, substituindo-os pelas energias limpas em pleno progresso. Mas para quem não se preocupa, essencialmente, com a vida mas em primeiro lugar – e talvez exclusivamente – com Gaia, o indivíduo Terra etc, na linha do que escreveu Lovelock, há que lutar é contra as energias fósseis, o nuclear não importa. Esse naturalismo tendencialmente anti-humanista – ou antivitalista (quem acha que a Terra é ser vivo, tende a esquecer que os seres vivos o são) – é um novo fundamentalismo. No início desse texto, insisti em que a medida do risco não deve ser não apenas a “probabilidade nua” – ou simples probabilidade –, mas esta última somada (ou multiplicada) pela gravidade do acidente. Esse argumento lembra o de Pascal. Claro que a referência a Pascal poderia enfraquecer nossa posição: Pascal quer que se aposte na existência de Deus, porque, mesmo se há incerteza, o que está em jogo é enorme, trata-se da vida eterna. O argumento é em grandes linhas o mesmo, mas a diferença material entre eles é evidente, e por isso vale a pena lembrá-lo. A probabilidade de que Deus exista não é zero, digamos, mas é infinitesimal e tende a zero. A probabilidade do acidente nuclear não tem nada a ver com isto: um acidente de gravidade máxima ocorreu três vezes, acidentes (pouco) menos graves ocorreram várias vezes; incidentes sérios inúmeras vezes. Recusar as centrais nucleares é, se se quiser, uma aposta – como quase toda decisão humana – mas uma aposta racional. É extraordinário observar não só a ignorância da opinião pública, de esquerda inclusive, em torno do problema, mas também o seu otimismo. Uma nova catástrofe? Talvez, mas muito longe daqui, ou... A gente raciocina como se houvesse uma racionalidade subjacente que nos protegesse. Pois ela não existe. A minha impressão é a de que o problema ecológico no final do XX e na primeira metade do XXI é um pouco como a questão do totalitarismo na primeira metade do XX. Hitler no poder? Não, não é possível. Liquidação de seis milhões de judeus? Adorno lembra os argumentos dos bem pensantes – acho que ele esquece de dizer: bem pensantes, frequentemente marxistas, o exemplo que ele dá, pelo menos, vai por aí – que diziam que a vitória de Hitler iria contrariar, não sei bem por quê, os interesses dos fabricantes de cerveja da Baviera etc... Impossível. Pois é mais ou menos a mesma coisa com as ameaças de tipo ecológico, na segunda metade do XX e nessa primeira metade do XXI. Destruição de cidades? Perturbação global da superfície da Terra? Não, isto é muito fantasioso, e não deve, não pode ocorrer. Pois é possível, senão provável – em parte já se confirmou – que o período 1950/ 2050 (ou 2100) seja o período das catástrofes ecológicas, como 1900/1950 foi o meio século das catástrofes políticas, mais precisamente, da emergência dos totalitarismo. Nos dois casos se ultrapassou um limite. No primeiro, um limite da política e da antropologia. No outro, um limite do “progresso”. A propósito, por que os alemães se mostram tão lúcidos e tão dispostos a fazer sacrifícios, pequenos sacrifícios, mas aos quais os outros não se dispõem (um pequeno aumento, temporário, do preço da eletricidade por exemplo)? Não seria porque eles viveram a grande catástrofe, sob a forma do totalitarismo? O nazismo não era propriamente prometeísta, mas tinha pontos em comum com ele. A grande apoteose valia o sacrifício de alguns milhões.35 Os alemães estão, de certo modo, vacinados contra projetos catastróficos. Eles não acreditam nos profetas de “bonheur”, como são os nucleocratas e os seus partidários. A Alemanha prefere pagar um pouco mais caro a eletricidade, durante algum tempo, do que se lançar em aventuras suicidas. Quase toda a Europa ocidental se encaminha para uma saída parcial ou total do nuclear, aceitando desconstruir o que foi construído, e procurando, às vezes com dificuldade, explorar novas fontes, menos arriscadas, de energia. De fato, como vimos, apesar dos problemas, a quase totalidade dos países da Europa ocidental, tende, de uma forma ou de outra, a descartar o programa nuclear. Eles descartam, enquanto nós, que temos possibilidades imensas de explorar outras formas, menos agressivas, de energia – a menos que as vozes críticas se imponham – ficamos com o mico. dezembro de 2011 |
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1 A acrescentar – repito – que a ciência que tem algo a dizer nessa matéria não é somente a física, mas também a biologia.
2 Ver a respeito, Catherine Vincent, “Radioactivité j‘écris ton nom”, publicado no Le Monde, de 16 de abril de 2011 e transcrito no dossiê Nucléaire do Le Monde, dezembro de 2011/ janeiro de 2012, abreviarei por M, p. 38.
3 À certa altura, sem que ninguém objetasse, um dos presentes disse que não havia nenhum problema: até as flores nasciam em Chernobil... Então tive vontade de propor um grande piquenique na zona afetada para colher as flores e, quem sabe, comer os frutos.
4 Dossiê Nucléaire, c'est par où la sortie?, do Canard Enchainé, outubro de 2011, abreviarei por CE, p. 12, artigo “Impossible n'est plus français”.
5 No artigo “Espérance mathématique”, assinado por Daniel Saint-James, M, op. cit., p. 57, o autor faz o mesmo raciocínio, e afirma que o cálculo resultante corresponde ao que se chama de “esperança matemática”.
6 Em matéria de minas, é bom não esquecer que o nuclear depende das minas de urânio; sobre as condições reinantes nessas últimas, no Niger, ver CE, op. cit., p. 65. Não esquecer também da condição dos trabalhadores no nuclear, principalmente dos terceirizados, que não são poucos. Ver a respeito, entre outros textos “Atomes de bonne volonté” in CE, p. 64.
7 Os prónucleares só conhecem e reconhecem mortes e agentes letais que sejam visíveis, e que se apresentem aqui e agora. Só acreditam no que é visível e de efeito imediato. Pergunto-me se esses ilustres representantes da ciência acreditam em micróbios.
8 Esse dado vêm da Agência Internacional pela Energia Atômica (AIEA), organismo nada imparcial – como também a Organização Mundial de Saúde (OMS) aliada da AIEA – que visa promover a energia atômica no mundo (já, antes, a agência dera prova de parcialidade, ver as declarações minimalistas de Hans Blix, seu diretor por ocasião da catástrofe). Ver a respeito, Galia Ackerman, Tchernobyl, Retour sur un désastre, Paris, Buchet-Chastel, 2006, p. 136. Só o número dos “liquidadores” mortos –“liquidadores” são os membros das equipes que intervieram em Chernobil, ao todo algumas centenas de milhares – é orçado, por uma fonte muito segura, um físico, coautor da “Lei Chernobil”, em 20.000. (Ver Galia Ackerman, op. cit., p. 134-135). Outras fontes, dão os 20.000 como mínimo.
9 Houve outras pesquisas. Uma delas, traduzida em inglês em 2009 e editada pela Academia de Ciências de Nova York, dá um número muito maior. Deixo-a de lado, porque parece haver problemas com a sua metodologia.
10 Ver Hervé Kempf, “Un bilan toujours controversé”, publicado em Le Monde, 26 de abril de 2011, incluído em M, op. cit., p. 61.
11 Para a bibliografia sobre Cherbobil, ver p. 161-2 do livro de Galia Ackermann, e, sobre o nuclear em geral, a bibliografia indicada no dossiê do Le Monde, M, op. cit., p. 98. Seria importante consultar, entre outros, A. Ackerman, G. Grandazi, e F. Lemarchand (ed) Les Silences de Tchernobyl, Paris, Autrement (2006, nova edição), e G. Medvedev, La Verité sur Tchernobyl, Pais, Albin Michel, 1990. O último livro a respeito, publicado na França, é o de Marie-Hélène Labbé, Le Nucléaire à la derive, Paris, Frison-Roche, 2011. Há também uma literatura radio-biológica (recomendados por Ackerman: Yuri Bandazhevsky, Medical and biological effetc of radiocesium incorporated into the human organism, Minsk, 2000, Adriana Petryna Life Exposed, Biological Citizens after Chernoitybyl, Princeton University Press.).
12 Informações obtidas em Frédéric Joignot, “Nucléaire, peur éternelle”, Le Monde, 15 de outubro de 2011. Curiosamente, esse artigo, embora publicado por Le Monde, não foi incluído no dossiê.
13 Idem.
14 Os outros exigem condições especiais e portanto lugares determinados.
15 Estou omitindo as mediações.
16 Digo assim, porque não sou, nem podemos ser, contra as forças armadas enquanto tais, que têm de existir em qualquer país. Precisamos sim é lutar pelo reforço da opinião democrática dentro delas .
17 Ver alguns cálculos a respeito, na internet, em “Faut-il assurer le nucléaire?”, assinado por François Dauphin, in La Chaîne Énergie, Énergie Nucléaire. Pode-se chegar ao sítio e a outros análogos, digitando, por exemplo, “Quanto vai custar a catástrofe de Fukushima?”.
18 Dados extraídos da internet, principalmente, de “Tour d‘Europe du nucléaire civil (1/2): l'impact de Fukushima et de ses précédents”, in Repère, 26 de junho de 2011; de Ramsès 2003, “Nucléaire civil, les dilemmes de l'Europe”; e de “Les sociaux-démocrates et la question du nucléaire civil”, fondation Jean Jaurès, 7/9/11, in Le Monde, abonnés; etc.
19 Sobre a saída do programa nuclear pelos alemães, ver principalmente “L‘Allemagne va relancer le gaz et le charbon (sic)”, em M, op. cit., p. 74 e s; e “Ce n'est pas que du vent”, em CE, op. cit., p. 81 e s.
20 Como já disse, em termos absolutos, os EUA estão na frente. A França tem 58 usinas, contra 104 dos EUA, mas a proporção nos EUA, já indicada, é de pouco menos de 20% da eletricidade total.
21 Ela funcionou ao todo 18 meses, ver a história da Superfenix, em CE, op. cit., p. 70 (“Le Supergénérateur”).
22 Ver na internet, “Tour de l'Europe...” art. cit.
23 Para a localização das centrais francesas, além do mapa à página 39 de CE, op. cit., ver Bruno Tertrais, Atlas Mondial du Nucléaire civil e militaire, Paris, ed. Autrement, 2011 , p. 28-29 (esse Atlas, como indica o seu título, cobre o nuclear civil e militar do mundo inteiro).
24 Ver, além do CE, op. cit., p. 17 e s., o outro dossiê (bem mais oficial): M, op. cit., p. 53.
25 Dados de Le Monde de 25/11/11: só 7 centrais francesas têm menos de 20 anos; 13 têm entre 20 e 24 anos; 27 têm entre 25 e 30; e 11 têm mais de 30 anos. A vida normal da central é de mais ou menos 30 ou 40 anos. Parece que há planos para fazer a EPR durar 60 anos.
26 Mesmo se com posições pró-nucleares, há muita informação técnica e política sobre o nuclear inglês, em “L‘Énergie nucléaire du Royaume Uni”, dossiê das Actualités Scientifiques au Royaume Uni, fevereiro de 2006, acessível em linha (procurar, por exemplo, a partir de “Nucléaire Civil en Grande-Bretagne”).
27 Haveria 26 em construção, segundo o blog Novethic, 9/8/11 “Nucléaire: la Chine accélère ses projets de nucléaires”. Segundo o dossiê do Le Monde, até um pouco mais. O mesmo blog fala de um artigo do físico de renome He Zuoxlu, publicado em Science Times, que denuncia os problemas técnicos, principalmente os riscos sísmicos em que implicam certas obras.
28 “Ninguém nunca poderá garantir que jamais haverá acidente nuclear na França”, declaração do chefe da ASN (Agence de Sécurité Nucléaire) da Fança, em 30 de Maio de 2011. Ver CE, op. cit., p. 12.
29 Parece, de fato, que sob certos aspectos, pelo menos, as usinas de Angra são mais inseguras do que as de Fukushima. Na realidade, pelo que dizem fontes bem informadas, se nos dois casos, há dupla cobertura (edifícios de aço e de concreto), em Fukushima tomaram-se certas medidas contra explosões em caso de fusão do núcleo do reator, que não foram tomadas em Angra (introdução do nitrogênio no interior do primeiro edifício).
30 Ver na internet, o artigo de Mário Porto, “Energia Nuclear, parte 4 – Segurança para acidentes severos”, no site MPHP, Site racionalista, humanista, secular. O articulista indica as diferenças técnicas – convido o leitor a ler no site – entre Angra III, mesmo se modificada, e os reatores “de terceira geração”.
31 Ver a respeito o blog do Instituto Humanitas Unisinos, 13/4/2011 “Angra 3 pode perder o aval do governo alemão”, e o blog Meio Ambiente e Saúde, 2/4/11 “ONGS pedem que o governo alemão desista de financiar Angra 3”. – A criação de órgãos de fiscalização independentes é urgente no Brasil. Pelo que parece, nos EUA, esses órgãos são relativamente independentes, e há alguma, senão bastante, transparência. – Que o leitor não veja contradição em textos como este meu, em que se faz a crítica geral do projeto nuclear, mas ao mesmo tempo se discute a segurança das centrais. Em vários países, por razões técnicas, é difícil fechar imediatamente todas as usinas nucleares (no Brasil, isso é perfeitamente possível, fora o peso dos lobbies); como vimos, quase todos os projetos de saída do nuclear supõem um tempo mais ou menos longo, em que algumas usinas continuam funcionando. É com vistas a essa transição que o problema da segurança (sempre muito relativa) tem justificação.
32 E há ainda outras questões, como a do desflorestamento. Não esqueçamos de que um desastroso Código Florestal acaba de ser aprovado pelo Parlamento. A questão do nuclear também não deve fazer esquecer os problemas que levanta a energia hidroelétrica. Na discussão a que fiz referência no início deste artigo, o orador que tinha uma posição crítica em relação ao programa nuclear, expôs também suas idéias em torno de projetos de construção de hidroelétricas não agressivas – ou pouco agressivas – para o meio ambiente.
33 Ver Outro Dia, São Paulo, Perspectiva, 2009, p. 32.
34 Considerando todo o processo, produção do urânio, fabricação das centrais etc, este efeito não é tão pequeno.
35 A “afinidade” entre o chamado comunismo russo e o nuclear aparece na irresponsabilidade com que se foram construindo centrais, na URSS. Galia Ackerman (ver op. cit.) acha que a a catástrofe de Chernobil tem a ver, como fator não desprezível, com o fim da URSS. Apesar do que se ouve algumas vezes, a corrida irrefletida atrás do nuclear não foi uma doença só do capitalismo.