revista fevereiro - "política, teoria, cultura"

   POLÍTICATEORIACULTURA                                                                                                     ISSN 2236-2037

Sidney L. RABELLO 1

o anacronismo de
angra III2

 

O presidente da Eletronuclear, Othon Luiz Pinheiro da Silva, tem afirmado que não há muito mistério na construção de Angra 3. Considera que seu projeto é idêntico ao de Angra 2, usina que teve sua construção iniciada em 1981 e a operação em 2000.

Aparentemente, a afirmação é muito lógica. Dá a impressão de que tudo fica mais simples dessa forma. Basta repetir o projeto de Angra 2, e tudo será maravilhoso. O projeto de Angra 2, no entanto, é da década de 70. Se for repetido para a construção de Angra 3, significará ignorar-se a evolução da engenharia dos últimos 40 anos.

A tecnologia de segurança de usinas nucleares avançou muito devido à experiência de se construir e operar usinas nucleares em todo o mundo e, especialmente, em função da necessidade de se prevenir acidentes.

O acidente que causou maior impacto nos projetos de segurança das usinas foi o acidente de Three Mile Island (TMI), em 1979, nos Estados Unidos da América.

O projeto de Angra 3 é arcaico. Não contempla os princípios modernos da engenharia de segurança para as usinas nucleares deste início do século 21. Não dispõe de recursos para a prevenção de acidentes como o de TMI.

Se a construção de Angra 3 for adiante, utilizando o projeto de Angra 2, não haverá como evitar a liberação de material radioativo para o meio ambiente, além de outras consequências maiores para a população da região e para os trabalhadores da usina, no caso de não ser possível controlar acidentes como o de TMI (vide Impact of safety standards updating in NPP licensing, INAC2009).

Alguns dizem que não houve mortes em TMI e que é desnecessário levar em conta o que se aprendeu com o acidente. Mas essa será uma atitude sensata e compatível com os conceitos da engenharia? Será necessário que aconteçam mortes, como as do acidente de Chernobyl, ou deveremos fazer como os americanos, que estudaram seriamente o acidente de TMI, junto com o resto do mundo desenvolvido, e procuraram antever as consequências catastróficas, através da introdução de novos critérios de segurança? Atualmente, as atividades de licenciamento e fiscalização das aplicações da energia nuclear, particularmente das usinas nucleares, são exercidas pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen).

A Cnen acumula atividades de promoção, tais como pesquisa, produção de Radioisótopos e prestação de serviços. Essas funções são contraditórias e incompatíveis para uma mesma instituição, uma vez que a própria Cnen é que deve fiscalizar e licenciar suas instalações radioativas e nucleares.

Para resolver esta incompatibilidade, o governo Lula criará a Agência Reguladora Nuclear, com atribuições exclusivas de licenciamento e fiscalização, livres das amarras da produção e da pesquisa. No entanto, o projeto de lei está em gestação na Casa Civil desde 2008, sem data marcada para ser enviado ao Congresso e cheio de vícios que poderão impedir uma atuação plena da agência.

A necessidade da criação da agência reguladora é evidente e urgente, principalmente neste momento de define da tecnologia de segurança a ser implantada para Angra 3.

Será adotada a tecnologia moderna deste início do século 21, que evite acidentes do porte de TMI, ou a tecnologia arcaica de Angra 2 da década de 70? A solução deste dilema é da maior importância e será uma grande surpresa se a escolha desprezar um projeto moderno que tornaria a usina muito mais segura, evitando repetir o que a experiência humana já vivenciou através de perdas de vidas humanas e prejuízos consideráveis de patrimônio, como foi o caso Three Mile Island e Chernobyl.

A ausência de uma Agência Reguladora Nuclear independente e atuante poderá gerar um anacronismo na engenharia nacional.

Os novos projetos de usinas nucleares dos países desenvolvidos são muito mais seguros, e projetos como o de Angra 3 não são mais aceitos nos Estados Unidos nem na Europa. A própria Areva, projetista de Angra 3, não tem, em seu leque de produtos, projetos de usinas nucleares da década de 70 como o de Angra 3. É importante destacar que um empreendimento do porte de Angra 3 envolve investimentos da ordem de 8 bilhões de dólares (1600MW), segundo afirmação da Areva, em artigo do NYT de 28/05/2009, sobre a usina de Olkiluoto, na Finlândia.

Com um investimento de tal monta, é difícil de entender a opção por uma tecnologia arcaica, principalmente no que diz respeito à segurança da população, dos trabalhadores e do meio ambiente.































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1 Sidney Luiz Rabello é engenheiro em licenciamento e segurança de usinas nucleares da Comissão Nacional de Energia Nuclear (sidney.rabello@gmail.com).

2 Texto publicado no Jornal do Brasil, 5 de fevereiro de 2010.