revista fevereiro - "política, teoria, cultura"

   POLÍTICATEORIACULTURA                                                                                                     ISSN 2236-2037

Ruy FAUSTO

esquerda/direita: à procura dos fundamentos; e reflexões críticas

 

(1ª parte)

 

I - Esquerda. Igualdade


A noções de “esquerda” e de “direita” se impuseram, desde a Revolução Francesa, como denominações que dividem o campo das opções políticas. A distinção extravasou, no espaço, o cenário francês, e atravessou, no tempo, os séculos XIX e XX, chegando até os nossos dias. A presença da oposição, na forma esquerda/direita, não é, sem dúvida, universal. Quando ela não está presente, seria porque, simplesmente, se utiliza uma outra terminologia, ou a diferença é substancial? A resposta fica, às vezes, entre uma coisa e outra. De qualquer modo, a dualidade é bastante universal, no espaço, e permaneceu, no tempo, suficientemente viva. O seu uso permeia os discursos sobre a política e se inflaciona nas épocas de campanha eleitoral ou de crise política. Entretanto, e curiosamente, as tentativas de elucidação precisa dessa noções são relativamente limitadas. “É de se espantar?” – se pergunta Marcel Gauchet – “Quase não se interrogou sobre a história dessa dupla de palavras tão solidamente instalada no âmago do funcionamento intelectual e simbólico das sociedades contemporâneas. É que não nos dispomos a refletir sobre o que nos permite pensar”.[i] O presente texto retoma o problema, mas com uma perspectiva mais ampla. Não se trata apenas de definir “esquerda” (e, por oposição, “direita”), mas de esboçar, em conexão com o problema da definição, um esquema crítico da história da esquerda.[ii]


Gauchet diz que “quase não se interrogou” sobre os fundamentos da dualidade, mas ele mesmo reconhece que a reflexão sobre o problema não está ausente em forma absoluta. Há uma literatura relativamente ampla sobre o tema, embora concentrada em certos países. Vou privilegiar o livro de Norberto Bobbio Destra e Sinistra, ragioni e significati di una distinzione politica.[iii] Ele será o meu ponto de partida, e algo mais do que isto, mas o leitor se dará conta das diferenças entre as duas abordagens. Basta dizer, como já foi indicado, que não me proponho apenas explicar o significado de “esquerda” e “direita”.


Bobbio define a esquerda pela ideia de igualdade. É de esquerda quem privilegia a igualdade diante da desigualdade. De direita, quem vai na direção oposta. Há, na sua tese, dois aspectos. Um deles, como disse um crítico, remete a um juízo ontológico. Nesse sentido, escreve Bobbio: “... os homens são, entre si, tanto iguais como desiguais”.[iv] Mas “de um lado há aqueles que consideram que os homens são mais iguais do que desiguais, de outro, aqueles que consideram que eles são mais desiguais do que iguais”.[v] Esse aspecto é contestável, porque se trata de um juízo teórico, que não decide sem mais qual a opção prática. Afinal, um homem de esquerda poderia supor que os homens são muito desiguais, e por isso mesmo optar por uma política que reduza o mais possível, as desigualdades que existiriam entre eles.[vi] O importante é o outro aspecto: a esquerda corresponde à “tendência (...) a exaltar mais o que torna  os homens iguais do que o que os torna desiguais, [e] (...) no plano prático, a favorecer políticas que visam tornar mais iguais os desiguais”.[vii] Este seria o melhor critério “para caracterizar os dois alinhamentos opostos que, já por uma longe tradição, costumamos chamar de esquerda e de direita”.[viii] O autor precisa: “Não é que [a esquerda] prentend[a] eliminar todas as desigualdades, ou que a direita queira conservá-las todas, não [se trata de] mais do que isto (tutt'al piú), que a primeira é mais igualitária, e a segunda mais “desigualitária”.[ix]


O critério de Bobbio parece válido, em geral, se se privilegiar o lado prático (a esquerda “exalta” a igualdade, e se dispõe a favorecer políticas que favorecem a igualdade etc), mais do que o teórico (a esquerda supõe que os homens são mais iguais do que desiguais etc). Há um outro critério que Bobbio menciona só en passant, e que talvez seja mais importante do que ele supõe: a ideia de que o que caracteriza a esquerda é a preocupação com os mais pobres, ou com os que tem menos poder – com os mais frágeis em suma.[x] Diante do critério da igualdade, poder-se-ia dizer que a preocupação em ajudar os mais frágeis aparece como um fim e a igualdade como um meio a serviço desse fim. Mas também se poderia dizer, ao inverso, privilegiando o lado objetivo, que o fim é a igualdade e que a melhoria da situação dos mais frágeis seria uma implicação dela, em termos de meios. Por outro lado, seria possível perguntar se o critério da igualdade conviria bem a todos aqueles que, pelo menos, se costuma incluir na tradição da esquerda.[xi] O outro critério talvez seja mais universal. Porém, ele é certamente mais vago e não permite os desenvolvimentos, lógicos ou históricos, que a ideia de igualdade oferece.[xii]


Mas, para os nossos objetivos, isto é apenas um ponto de partida. Com ele, os problemas não estão resolvidos, apenas postos. Falei das relações da igualdade com a hierarquia ou com a diferença etc, temas que Bobbio discute em seu livro. Porém a discussão só se torna realmente interessante, quando se tomam dois outros conceitos, para “atritá-los” com a igualdade. Esses conceitos estão também presentes em Destra e Sinistra. Mas a partir daqui vou abandonando progressivamente a referência a Bobbio, embora volte a encontrá-lo no final dessa primeira unidade (I); e o registro do texto vai mudar, essencialmente. Passo a uma análise em que a história terá um papel bem maior do que a que lhe concede Bobbio em seu livro.


II - Liberdade, Igualdade, Violência.


1. Liberdade, igualdade, violência. Conceitos. História. Revolução Francesa.


a) Conceitos – Os problemas começam a ficar interessantes, quando se tenta relacionar igualdade e liberdade. Mais precisamente: quando se tenta articular igualdade, liberdade e também violência. Digamos que é em torno dessas categorias que gira o problema da esquerda, do final da época moderna até os nossos dias. Igualdade, liberdade, violência: há aí três conceitos que convidam a uma análise que deve ser, ao mesmo tempo, lógica e histórica.


Em primeiro lugar, poderíamos perguntar se esses três conceitos estão “bem alinhados”. No seguinte sentido: liberdade e, em boa medida, também igualdade, aparecem como conceitos que senão universalmente, pelo menos frequentemente, são conotados de forma positiva. Isto é, são axiologicamente positivos (mesmo se, para a igualdade, isso é, sem dúvida, mais questionável). Já a violência não se apresenta assim. Há, sem dúvida, divisões na opinião, mas pode-se dizer que o termo é, axiologicamente, mais negativo do que positivo. A série axiologicamente positiva (pelo menos numa primeira aproximação) seria liberdade-igualdade-não violência. A negativa seria – mesmo se para o caso da desigualdade, o problema é sempre mais complicado – opressão, desigualdade, violência.


Igualdade e liberdade, como assinala  Bobbio, são noções que têm um teor lógico distinto. A igualdade é imediatamente relacional. A liberdade não. Diz-se que alguém é (ou não é) igual a alguém (ou alguns são ou não são iguais a tais outros). Pode-se dizer que alguém é mais livre do que outro, mas, apesar das aparências, isso só confirma o caráter substancialmente não- relacional do termo (isso vale também para a não-violência, mesmo se as aparências vão de novo, e ainda mais, em sentido oposto). Já afirmar que alguém seja mais igual do que o outro – como observa também Bobbio – vale na “boutade” crítica contra a desigualdade, mas nunca em sentido não-irônico. A “igualdade” é imediatamente relacional, por isso mesmo, ela não comporta um uso relacional mediato.[xiii]


Num plano mais dialético, deve-se dizer que a liberdade, levada ao limite, implica interversão no seu contrário. A liberdade absoluta é negação da liberdade. Em primeiro lugar, da liberdade do outro (o que, na sua forma mais simples, as teoria clássicas liberais conhecem e reconhecem). A igualdade, levada ao limite, não implica imediatamente, como é o caso da liberdade, numa interversão no seu contrário. Logicamente, a igualdade absoluta é pensável sem interversão. Mas, mesmo fazendo abstração da questão de saber se a igualdade absoluta é um bem, a experiência histórica mostra que ela tende a desembocar em formas sociais opressivas. E estas, por sua vez, implicam  desigualdade, pelo menos, desigualdade política. A não violência, em princípio, não se interverte. Mas, em determinadas condições, levada ao limite, ela se interverte: numa situação de violência “instituída”, em que a contra-violência (que é uma forma, frequentemente legítima, de violência) é a única saída, a não violência implica violência, isto é, se interverte no seu contrário.


Foi o fenômeno totalitário (o totalitarismo de esquerda) que pôs na ordem do dia, no século XX, a questão das relações entre igualdade e liberdade e, em geral, a da atitude da esquerda diante da liberdade e da violência. Entretanto, não vou partir diretamente do totalitarismo. Como os objetivos desse texto são múltiplos, tentarei uma abordagem mais histórica. A rigor, deveria fazer uma apresentação lógico-histórica. De fato, a continuação “natural” desse artigo seria a que explorasse o destino dos conceitos de “igualdade” e de “liberdade”, nas figuras da história da esquerda, de que vou me ocupar. De algum modo, farei isto, mas, pelo menos nessa unidade, o desenvolvimento terá, no essencial, um caráter muito mais histórico do que lógico. (Além da apresentação em forma mais rigorosamente lógico-histórica da passagem [ou do impasse] da liberdade à “igualdade real”, a história lógica dos conceitos, mostraria, entre outras coisas, que, no início, pelo menos para a vertente que vou examinar, há posição da noção de “igualdade” [como também da noção de “liberdade”]. Mais tarde, essas noções estarão “lá”, mas pressupostas, e não postas, por causa da dialética das noções postas que se invertem no seu contrário, como desenvolvi em outro lugar. Finalmente, haverá reposição delas, por causa da exigência, que hoje se impõe, de repensar os fundamentos). Mas, pelo menos por ora, seguirei um curso mais histórico. Antecipo o que farei na sequência. Como as contradições entre a igualdade (pelo menos como ideia geral), e a liberdade, e entre a igualdade e não-violência, têm o seu ponto de partida no Terror de 1793/94, e como o bolchevismo (que é ao menos pré-totalitário) reivindicará a herança robespierrista-terrorista, tentarei acompanhar a atitude que tiveram em relação ao Terror e ao Robespierrismo certas figuras e movimentos da esquerda revolucionária dos séculos XIX e XX, até o bolchevismo. Com isto, teremos, por um caminho um pouco indireto, um esquema histórico das atitudes da esquerda (que, em princípio, encarna a igualdade) para com a violência e a opressão. Porém antes, algumas considerações e distinções.


b) História. Revolução Francesa – Uma análise histórica das relações entre igualdade, liberdade e violência (ou não-violência), é, em primeira abordagem, vasta demais, para ser tentada. Mas, limitando e balizando o objeto, ela não parece impossível, desde que não se pretenda fazer muito mais do que esboçar um esquema.[xiv]


Interessa esboçar o esquema dessas relações, no pensamento e na prática “de esquerda”, a partir do final do século XVIII (Revolução Francesa). Mas aí, nos vemos diante de uma multiplicidade de figuras. Creio que estas poderiam ser organizadas em torno de dois eixos. Um é o da distinção entre revolucionários (entendendo por “revolução”, uma ruptura com violência), e não-revolucionários (ou adeptos das transições pacíficas e graduais[xv]). O outro, que, em termos rigorosos, não se confunde com o primeiro, distingue não a partir dos meios, mas dos fins: e aí, há por um lado aqueles cujo objetivo é a “comunidade”, isto é o comunismo. E há os que querem reformas, mas sem abolição de certas instituições fundamentais da sociedade existente, essencialmente a propriedade privada. Estes, são em geral chamados de “socialistas” (ou se auto-denominam assim). Cada uma das duas distinções tem um significado próprio, embora haja razoável convergência de fato, entre socialistas e adeptos das transições pacíficas. (Observe-se que se vê, por aí, a ambiguidade das noções de “revolucionário” e de – seu oposto usual – “reformista”. Conforme se considere os meios ou os fins, “reformista” significa “adepto de transições graduais e pacíficas”, ou “partidário” de apenas modificar mas não “revolucionar” a sociedade atual. “Revolucionário” é ou aquele que propõe ruptura violenta do processo histórico, ou aquele que quer transformar a fundo a sociedade atual. Uma coisa não implica a outra. Pode-se visar o comunismo através de transformações pacíficas, e objetivar reformas a partir de uma revolução violenta. Como acabo de indicar, é razoavelmente grande a convergência entre os dois sentidos (comunista/revolucionário violento e socialista/adepto de transições pacíficas). Mas não tão grande que se possa omitir a distinção de critérios. Quanto à terminologia: nesse texto, vou utilizar o termo “revolucionário” e, eventualmente, mas muito menos, também o termo “reformista”, no primeiro sentido, o que se refere aos meios. E falarei em “comunistas” e “socialistas”, ao me referir à diferença nos fins).


Parto da primeira dualidade, revolucionários (adeptos de revoluções violentas) e “partidários das transições pacíficas” e a privilegio, começando pelo primeiro termo (que é também privilegiado, por razões que se pode adivinhar[xvi]) a tradição revolucionária. Depois passarei ao segundo termo. A segunda distinção (comunistas/socialistas), aparecerá no contexto da apresentação das duas tradições, já que ela os atravessa. Para um julgamento crítico, ela interessa tanto quanto o problema dos meios.


Para estudar a tradição revolucionária (a primeira vertente) e em particular a forma pela qual essa vertente dos “igualitários” lida com a liberdade e a violência (ou não-violência),[xvii] o ponto de partida deve ser a Revolução Francesa.[xviii]


A Revolução Francesa que, sem pré-julgar sobre o sentido do que veio depois, pode ser considerada, com a tradição da esquerda, como “a primeira revolução”, interessa por ser o grande momento da afirmação dos ideais modernos de liberdade e igualdade, mas também pelo fato de ter tido uma trajetória trágica que culmina, em parte pelo menos, com a negação dos seus próprios valores. De fato, o caminho que vai de 89 a 93 (e a 94) é o “texto seminal” da história do tríptico igualdade/liberdade/violência, o que significa que é o núcleo original da história dos problemas e das contradições da esquerda moderna e contemporânea.


A história dos anos 89/94 na França, como itinerário que, da “revolução dos direitos do homem” nos conduz ao Terror tem, certamente, alguma coisa de enigmático, termo que pode ser encontrado entre os especialistas.[xix] De uma afirmação da liberdade e, em geral, dos direitos dos indivíduos, se passa a uma negação deles, e de uma violência relativamente limitada no seu objeto e nas suas formas, a uma violência, ilimitada sob um aspecto e outro, na forma do Terror. Isso se faz no contexto de um projeto que se radicaliza progressivamente, no sentido de incorporar reivindicações de tipo redistributivo,[xx] e ao mesmo tempo de impor uma verdadeira igualdade dos cidadãos em termos de direitos políticos (Há aí dois aspectos sobre cuja diferença voltarei: efetivação da revolução política e implementação da “revolução” (reforma) social). A explicação simplista do Terror é a de que a situação excepcional que representava a Revolução, e, em particular a situação a que foi conduzida pela guerra, e pela resistência armada contra-revolucionária, exigia medidas excepcionais que implicavam limitação da liberdade de alguns e recrudescimento da violência. Mas a explicação é problemática, porque a relação entre repressão e as ameaças ao poder revolucionário está muito longe de ser evidente.[xxi] Na medida em que se conseguiu bem identificar o seu sentido, o Terror emerge por um mecanismo que tem causas complexas (necessidade de dar prova de radicalismo no interior da luta pelo poder, inércia da violência etc). Por isso mesmo, se a negação da liberdade em nome da liberdade não se legitima facilmente na ideia da “situação de exceção” (na exigência de defender a própria liberdade, que estaria ameaçada), também um esquema do tipo igualdade versus liberdade está longe de ser convincente.[xxii] Sem dúvida, o itinerário de 89 a 94, é o de uma radicalização dos ideais igualitários, e é no interior desse universo que emerge o terror. Mas ele não emerge, de fato, pelo menos imediatamente (e aqui a imediaticidade é essencial) como resultado da recusa de uma igualdade radical por parte de forças conservadoras, mas de um modo muito mais difuso e complexo.


Porém, de uma forma ou de outra, e tanto para a direita como a esquerda, a revolução termina o seu ciclo com a derrota dos “igualitários”. Nesse sentido, a primeira revolução passa a ser uma revolução da liberdade, muito mais do que uma revolução da igualdade. A igualdade é reduzida à sua portion congrue, a igualdade diante da lei. E para a opinião conservadora pós-revolucionária, a igualdade será uma espécie de excrescência, desnecessária no melhor dos casos, muito perigosa, no pior.[xxiii] E se a Revolução Francesa passa a ser a revolução da liberdade (por variável que seja a leitura que se faça dessa liberdade, e a opinião que se tenha dela), a “segunda revolução” (tomando o termo “revolução”, num sentido muito amplo) remete, de uma forma ou de outra, à igualdade. Mas também estará em jogo a relação entre o projeto igualitário e a violência. Porém aqui aparece um problema essencial, que frequentemente se perde de vista. O da distinção entre violência, simplesmente, e o Terror. 89 foi violento, mas não (ou só muito pouco) terrorista, e as duas coisas são essencialmente diferentes. Digamos que a violência (“simplesmente”) remete a ações – contra a pessoa (execução ou privação da liberdade) ou os bens – ou não amparadas em lei, ou amparadas em “lei extraordinária” (entenda-se, lei de uma situação de exceção, mas com alguma possível justificativa: por exemplo, a que manda executar espiões numa situação de guerra). O Terror remete às mesmas ações, mas: 1) ou arbitrárias ou apoiadas em leis sem legitimidade (isto é, que não se apoiam em princípios gerais de justiça: leis raciais, ou leis contra toda uma classe, por exemplo); e 2) envolvendo em geral um certo número de vítimas, de tal forma que (a) a individualidade e o caso específico de cada um passa a ser secundário e (b) criando-se assim uma atmosfera de medo generalizado.[xxiv] A sustentação de um projeto terrorista (ou pelo menos a admissão da sua possibilidade futura) aparece frequentemente, na tradição, sob a forma do elogio do “jacobinismo”, embora o jacobinismo histórico não se confunda simplesmente com o Terror. Às vezes, mais precisamente, sob a forma da atitude em relação a Robespierre. Como já foi dito, o que se segue será assim, em grande parte um esquema sobre a relação que mantém algumas figuras e projetos de esquerda revolucionária pós 1793 (atravessando o século XIX até o XX) com o jacobinismo robespierrista. Claro que relação entre jacobinismo robespierrista e totalitarismo é problemática. Há quem pense o totalitarismo como um governo neo-jacobino e terrorista que durou não dois mas setenta anos. O que evidentemente é excessivo e impreciso. Há, pelo contrário, quem queira separar radicalmente os dois fenômenos, o que, ao meu ver, também não se justifica. Eu parto do primeiro (grande) fenômeno de “degenerescência”, mesmo se efêmera, da revolução, porque ele é um evento (negativamente) fundador. Em seguida, se trata de mostrar, muito esquematicamente, como mesmo a tradição revolucionária, dentro da esquerda, hesitou muito em relação a esse grande evento fundador negativo, até que o bolchevismo o recuperasse plenamente. Com isso, não só chegaremos ao totalitarismo (ou pelo menos ao pré-totalitarismo bolchevista), elemento essencial para pensar as dificuldades de uma definição do que é esquerda, mas reunimos material interessante para um balanço crítico Não é apenas a retomada dos ideais jacobino-terroristas pelo bolchevismo (e ele teve precursores) que é instrutiva para efeito de qualquer balanço da esquerda feito de uma perspectiva histórica mais ampla, mas também a hesitação em incorporá-lo ou a sua recusa por parte de outras figuras da tradição revolucionária (sem falar, por ora, nas correntes socialistas não-revolucionárias). Em tudo isso, não se deve perder de vista a questão dos fins da revolução. As figuras e projetos que vou examinar, nessa primeira unidade, remetem, todos eles, não apenas a uma política revolucionária (quanto aos meios), mas também (o que, como indiquei, não é uma ligação necessária) a um projeto comunista. Como assinalei, essa característica é ela mesma importante para os nossos problemas. Nosso objetivo final será tanto uma crítica dos meios, como uma crítica dos fins.


2 . Liberdade, igualdade, violência. Depois da Revolução Francesa. A tradição revolucionária. Babeuf, Blanqui, Marx e Engels.


a) Babeuf - Menos de dois anos depois de Thermidor (que marca o fim do terror robespierrista), estourou uma conjuração comunista: a Conjuração dos Iguais, também chamada “de Babeuf”. A rebelião é rapidamente esmagada, e no ano seguinte dois dos seus líderes (Babeuf e Darthé) são condenados à guilhotina, outros à deportação. A ideologia dos conjurados ultrapassava em radicalismo, mesmo os projetos dos “enragés” (esquerda dos “sans culottes”). As ideias dos revolucionários são difundidas principalmente através do livro célebre de Buonarroti, que participa da conjuração, livro publicado mais de trinta anos depois.[xxv] É importante examinar, mesmo se brevemente, como se relacionavam esses primeiros revolucionários comunistas[xxvi] com a Revolução Francesa. O que se destaca, em geral, no discurso de Babeuf, é a radicalização em termos de política social. Babeuf e os seus companheiros propõem a comunidade de bens, não a redução da desigualdade, nem a “lei agrária”. No plano dos meios, o projeto é de revolução violenta, e ele vai tomar forma na Conjuração, logo esmagada. O que há de interessante é que, inicialmente, na realidade antes da conspiração, mas depois de Thermidor, Babeuf tem uma atitude crítica em relação ao terror robespierrista. O golpe de Thermidor teve alguma coisa de ambíguo. Sabe-se que, com ele, muitos prisioneiros são salvos da morte. E se, entre eles, havia inimigos da revolução, havia também radicais que, desse modo, devem a vida ao golpe (Babeuf é libertado alguns dias antes de Thermidor). Mas a verdade é que Babeuf faz uma crítica acerba do terrorismo robespierrista. Assim, no seu quase inédito “Du système de dépopulation ou La vie et les crimes de Carrier”,[xxvii] ele se inscreve de maneira bem marcada contra os crimes cometidos na Vendeia, pelo exército republicano e pelo “representante em missão” da Convenção. Babeuf descreve em detalhe os afogamentos, os fuzilamentos, o projeto de liquidação coletiva do conjunto dos habitantes da Vendeia. Interessante é que ele afirma e reafirma suas convicções revolucionárias. É verdade que o final do texto é conciliador: pondo-se na condição dos juízes termidorianos que julgam Carrier e cia,[xxviii] ele não só protesta contra a tentativa ilegítima de rever a absolvição de uma parte dos acusados (o que se justifica), mas também invoca os motivos patrióticos como circunstâncias atenuantes, e diz quer seria favorável só à condenação de Carrier. De qualquer maneira, trata-se de um documento extraordinário: a extrema-extrema-esquerda da revolução francesa (à esquerda dos “enragés”, embora, é verdade, o texto preceda de dois anos a conjuração) se manifesta claramente contra as violações do direito do homem e o genocídio. Digamos que a posição de Babeuf nesse escrito é, resumidamente, o do adepto da violência, mas adversário do terror.[xxix]


A adesão ao robespierrismo reaparece no famoso livro de Buonarroti, companheiro de Babeuf, que é condenado a deportação, livro, que, como se sabe, veio a ser um texto de referência para uma parte da esquerda do século XIX, em particular para o que em geral se considera como sendo a “tradição babouvista”. Buonarroti presta uma homenagem sem limites a Robespierre, a Sant-Just, a Marat. Justifica os meios pelos fins,[xxx] apelando sempre para a inevitabilidade do que aconteceu.[xxxi] Justifica (ou quase) inclusive os massacres de Setembro,[xxxii] e prega a aniquilação dos adversários.[xxxiii] Buonarroti se refere ao momento anti-robespierrista de Babeuf, e insiste sobre a sua auto-crítica: “Depois dos funestos acontecimentos do 9 Thermidor, Babeuf aplaudiu um momento a indulgência que se teve com os inimigos da revolução: seu erro não foi de longa duração (...). Mais do que se não tivesse errado, Babeuf confessou o engano, reivindicou os direitos do povo, desmascarou aqueles que o haviam enganado (...).[xxxiv]


b) Blanqui – A Conjuração dos Iguais (e muito através do livro de Buonarroti) foi o ponto de partida de uma tradição revolucionária dita “babouvista” de caráter centralista e pregando a tomada do poder por meios violentos. Correntemente, se inclui nessa tradição, e mesmo como a sua grande figura, o revolucionário Auguste Blanqui. Blanqui se declara comunista, e propõe uma organização de tipo centralista, que, por um movimento armado se apropriaria do poder (ele participa de mais de uma tentativa). Mas a relação entre as ideias de Blanqui, as ideias de Babeuf (última versão) e Buonarroti não é tão simples. Blanqui encontra Buonarroti, quando ainda não tinha trinta anos. Este “lhe transmitira de viva voz a tradição dos Iguais e a experiência de quase meio século de lutas (...) Em certos pontos, entretanto, o discípulo não aceitará o ensinamento do mestre: ele rejeitará o misticismo e o robespierrismo do patriarca da Igualdade”[xxxv]. Assim como os textos anti-robespierristas de Babeuf ficaram “quase” inéditos, há um escrito de Blanqui contra Robespierre, que teve um destino semelhante. Acaso? A verdade é que esse último texto – trata-se de notas de Blanqui – foi publicado pela primeira vez só em 1928.[xxxvi] Nele, se pode ler: “Robespierre:... ‘Inspiremos ao homem o respeito religioso pelo homem...’ É sem dúvida em virtude do respeito religioso do homem pelo homem que Robespierre mandou guilhotinar todos os seus rivais, até os mais inofensivos contraditores”. E Blanqui lembra do destino do “melhor amigo” de Robespierre, Camille Desmoulin, que morreu “por ter ousado dizer: ‘Queimar não é responder’”.[xxxvii] “Todos esses campeões de Deus são almas atrozes, estragadas (altérées) pela dominação, a hipocrisia armada com um punhal sagrado. Esse Robespierre, que corta sem piedade todas as cabeças que obstaculizam ou fazem sombra à sua ambição, não pára de se fazer de vítima sobre o monte de cadáveres degolados pela sua mão...”[xxxviii] “Como ler sem indignação as ferozes brincadeiras de Robespierre sobre as suas vítimas, Hébert, Chaumette, esses sarcasmos pios que ele lança sobre as cabeças cortadas que os vermes ainda devoram...”[xxxix]. A vitória de Robespierre em Thermidor não teria alterado essencialmente as coisas. Ela teria “precipitado a França na contra-revolução” não “em 15 anos de vitória” mas “em alguns meses de guilhotina”.[xl] “Ele trabalhava para si mesmo, como Napoleão.” Mas entre Napoleão e Robespierre “havia a diferença entre a realidade e a ilusão. Sem doutrinas econômicas, sem ideias práticas sobre a organização social, declamador eterno e monótono, salmodiando sem fim as palavras justiça, virtude, razão, moral, entremeadas de suspiros sobre Brutus, Cícero, Catilina, César etc, Robespierre não faria mais do que limpar o terreno e aplanar as vias para a Realeza”.[xli] E o povo não se enganou, ao não defendê-lo em Thermidor. “Robespierre o havia desmoralizado e bestificado (frappé d'hébétement) com os seus projetos de ditadura reacionária e de reconstituição religiosa”.[xlii] Aqui também, o editor (no caso, A. Münster) se sente pouco à vontade: “Um dos textos mais controversos e talvez também mais dificilmente compreensíveis de Blanqui”. Mas, bem entendido, “nada justificaria qualquer censura desse texto” (Ah, bom...). E o editor se apoia no mais robespierrista dos historiadores da Revolução, Mathiez (que, sem dúvida, é preciso reconhecer, foi quem publicou o escrito), para explicar que “a imagem de um Robespierre onipotente, exercendo, do alto do Comitê de Salvação Pública, um poder quase ditatorial (...) é uma interpretação um pouco tendenciosa das coisas”.[xliii]


c) Marx e Engels – De Blanqui, passo a Marx e Engels. Embora “adeptos” da violência, Marx e Engels (mais Engels do que Marx), pertencem também, sob alguns aspectos, à outra tradição (a dos não-violentos: pense-se no velho Engels). Voltarei em detalhe aos dois, de forma crítica. Por ora, observemos que Marx, como também Engels representam, em geral, (Engels, de modo bastante nítido), a perspectiva dos que são favoráveis à violência, mas sem simpatias pelo Terror. Porém, uma análise crítica dos textos, não deixa de levantar certo número de problemas. Vou utilizar bastante o material que oferece a obra de Hal Draper Karl Marx's Theory of Revolution.[xliv] Draper defende a tese de um anti-robespierrismo de Marx e de Engels, tese que me parece justa. Mas interessam as razões desse possível anti-robespierrismo. Há um texto de Marx em que ele se refere criticamente às leis “terroristas de Robespierre”,[xlv] e em que aparece portanto, bem claramente, o problema das liberdades, mas se trata do Marx democrata radical. Nos escritos posteriores, fica claro que Marx prefere a Robespierre, a extrema-esquerda do movimento revolucionário: Roux, Leclerc, os enragés.[xlvi] Em Robespierre, ele vê alguém que praticou uma política extremamente voluntarista,[xlvii] política que quis à sua maneira “se auto-elevar” de um modo “exuberante”, como política burguesa[xlviii] mas sem deixar de encarnar os interesses burgueses.[xlix] Assim, um pouco à maneira do que seria a posição de Daniel Guérin no século XX, e diferentemente da tradição da historiografia robespierrista do mesmo século, Marx se identifica com os personagens que anunciam uma outra revolução. Porém, não há propriamente crítica do Terror, nem referência precisa aos problemas das liberdades públicas.[l] É em Engels que se podem encontrar textos – hoje bem conhecidos – em que se faz propriamente a crítica do Terror. A explicação que ele dá ao fenômeno é em parte a convencional: a guerra explicaria a sua necessidade.[li] Explicação, que tanto no que se refere à guerra externa, como à guerra civil, pode valer em forma geral, mas não suporta uma critica detalhada.[lii] Mas Engels vai mais longe. Em seus textos, ele aponta também, para a ideia de uma não funcionalidade histórica (ou macro-histórica) do Terror. Numa carta a Marx, de 4 de setembro de 1870, ele escreve: “Se não acontecer nada de inusitado, a defesa de Paris será um episódio divertido. Esse pequeno pânico eterno dos franceses – que sempre nasce do medo do momento em que finalmente eles terão de aprender a verdade – dá uma ideia muito melhor do reino do terror. Considera-se que este significa ao domínio de gente que inspira terror. Pelo contrário, ele é o domínio de gente que eles próprios estão aterrorizados. O terror implica em geral crueldades inúteis perpetradas por gente atemorizada visando se reassegurar. Estou convencido de que a culpa pelo reinado do terror em 1793 repousa quase que exclusivamente sobre burgueses, fora de si de tanto medo e se mostrando como patriotas por sobre os pequenos filisteus tremendo de medo e por sobre o submundo que sabe como obter lucro do terror. São essas mesmas classes [que estão lá] também no terror pequeno de agora”.[liii] E em outros textos, admite que só durante certo tempo o Terror teve sentido,[liv] que ele “cresceu até a loucura”,[lv] e se tornou, para Robespierre “meio de auto-sustentação, e portanto [se tornou] absurdo.[lvii] Assim, nos interstícios da interpretação “funcional” tradicional, posta em dúvida por muitos historiadores, aparecem outros temas. O mais importante é talvez, a referência ao medo por parte dos governantes como motivo explicativo do terror. E o que é essencial, a desidealização do terror e mesmo mais do que isto (“crueldades inúteis”), ainda que Engels não vá mais longe (ele não pensa o Terror em termos de verdadeira, mesmo se efêmera, regressão social). Entretanto, isso basta para mostrar como Engels – e é provável que Marx concordasse com ele, apesar da sua indulgência para com os terroristas russos –, se partidário da violência, não o era do terror. Assim, a julgar por esses textos, o marxismo aparece como razoavelmente crítico, digamos, no interior da tradição revolucionária da esquerda europeia do século XIX. Se representamos a esquerda pela ideia de “igualdade” (mesmo se Marx e Engels não gostavam dessa bandeira) a igualdade não capitula aí diante de uma violência “autonomizada”, ainda que a utilize como meio. Também a negação da liberdade, negação admitida como meio, não se cristaliza em opressão.


3. Liberdade, igualdade, violência. Bolchevismo e jacobinismo.


A grande ruptura, ou antes, a volta ao socialismo pró-robiesperrista vem com o bolchevismo. E ele irá marcar a história da esquerda, e a história mundial até os nossos dias. A realidade russa e a tradição narodniki (populista) tem evidentemente muita coisa a ver com a gênese do bolchevismo. Contra os mencheviques, Lênin propõe um partido centralista, com uma clara divisão entre os militantes e os não-militantes. Essas ideias aparecem no Que Fazer (1902) que no primeiro momento, não é criticado por quase ninguém. A orientação centralista (que não é, entretanto, propriamente “blanquista”), vem sustentada pela reivindicação do jacobinismo como modelo histórico. Jacobinismo significa aqui não só centralismo, mas também violência e, aparentemente terror, como se pode ver desde cedo, através de certas declarações de Lênin.[lvii] O jacobinismo de Lênin aparece de forma explicita em Um passo adiante, dois atrás (a crise no nosso partido) (1904): “As ‘palavras terríveis’ – jacobinismo etc, não exprimem absolutamente nada, senão o oportunismo. O Jacobino ligado indissoluvelmente à organização do proletariado, consciente dos seus interesses de classe, é exatamente o social-democrata revolucionário”.[lviii] É verdade que, antes de outubro, Lênin afirma que não vai “imitar” os jacobinos.[lix] Mas a realidade foi outra. Chegando ao poder por um movimento que está longe de ter sido uma verdadeira revolução, os bolcheviques foram logo reprimindo e não só os representantes do ancien regime e os liberais, mas também socialistas e bem cedo, os anarquistas.[lx] Os bolcheviques não se cansaram de imitar, de macaquear mesmo, a Revolução Francesa. Porque muito característica, lembro a célebre intervenção de Trotski, em 1 de Dezembro de 1917 (calendário antigo), no comitê executivo central pan-russo dos sovietes, intervenção que ilustra bem o entusiasmo beato de neófito, no culto do terror e na imitação da Grande Revolução: “A Rússia está completamente partida em dois campos irreconciliáveis, o da burguesia e o do proletariado. Entre os dois estão os Socialistas-Revolucionários de esquerda, que ainda têm de achar o seu pé e que estão vacilando num temor [funk] pequeno-burguês que os leva a obstruir a luta de classe do CPC (Conselho de Comissários do Povo). Não há nada de imoral no fato de que o proletariado acabe com [finishing off] uma classe que está em colapso: é seu direito. Vocês se exaltam (wax) com indignação diante do puro terror que está sendo aplicado contra as nossas classes inimigas, mas deixem-me dizer, dentro de mais um mês, no máximo, ele assumirá formas mais terríveis (groznye), modeladas no terror dos grandes revolucionários franceses. Não a fortaleza mas a guilhotina irá esperar os nossos inimigos (...).”[lxi] O tradutor e editor em inglês das minutas dessas reuniões do Comitê Executivo Central, em outro lugar do seu livro, nos informa tanto sobre a repercussão negativa dessa ameaça, quanto sobre a sua efetivação: a criação da Tcheka se dá uma semana depois (7 de dezembro).[lxii] Um pouco como no caso da Revolução Francesa, a repressão não “responde” à guerra civil, como se pretendeu, num caso  como no outro. A repressão precede a guerra civil e, até certo ponto, a provoca.


Apesar das diferenças que existem entre eles, o bolchevismo foi a ante-câmara do stalinismo. Mas não é preciso, aqui, passar a uma análise do stalinismo.[lxiii] Para os nossos propósitos, o bolchevismo é um ponto de chegada suficientemente claro. Com ele, tem início, um modelo de política de esquerda, em que, em nome da igualdade, se sacrifica a liberdade e se aceita a violência-terror. Entenda-se: 1) no interior dessa política, o sacrifício da liberdade, a opressão, se cristaliza para muito além do que poderia comportar uma explicação funcional; 2) também a violência se cristaliza, e passa a ser a regra, para além dos limites, verdadeiros ou supostos da “violência revolucionária”; 3) trata-se de uma política que se faz em nome da igualdade, mas que muito cedo deixa de ser efetivamente igualitária; a luta pela igualdade é a folha de vinha que tenta esconder e legitimar as limitações à liberdade e as violências de tipo terrorista.


O bolchevismo foi se impondo internacionalmente (ver as famosas “21 Condições”) aos jovens partidos comunistas que imitam o seu estilo (a forma pela qual ele vai penetrando na China não é a menos característica: os emissários da Terceira Internacional “instilam” o bolchevismo, num movimento cujas bases ideológicas eram muito diferentes). Vai assim se constituir uma verdadeira virada regressiva no movimento socialista, que dura até hoje, mesmo depois da queda do Muro. Ela se deve à situação peculiar da Rússia, ou sua origem tem uma explicação mais complexa? O presente texto vai na direção desta última resposta, mas é evidente que o fator “atraso da Rússia” conta. A discussão a respeito desse ponto não é nova, e é muito vasta. Importa insistir no resultado. Como se fosse um eco do Terror de 94, mas em escala muito maior e, sem dúvida, com características originais – já para o bolchevismo, e a fortiori par o stalinismo –, constitui-se, ou se reconstitui, um projeto socialista (ou, mais exatamente, comunista) em que há uma cristalização dos momentos opressão e violência. O que significa isto em termos lógico-históricos mais amplos? Significa que o socialismo (esse socialismo) recusa – acaba recusando na prática – a não-violência (esta passa a ser um vago objetivo, que se perde no horizonte) . E a não-violência é um objetivo que sempre esteve na base dos projetos igualitários, desde antes da era moderna. Significa também que ele recusa a liberdade, como referência primeira. Sobre esse último ponto, observemos: se os movimentos igualitários sempre tiveram a “paz” [a não-violência], como horizonte, sua relação com a “liberdade” foi mais problemática. Eles eram libertários em relação à opressão que vinha de fora, mas não necessariamente professavam a “liberdade” como valor social interno ou intrínseco. Porém houve engajamento libertário do movimento igualitário, durante a Revolução Francesa, e depois, uma parte dele (inclusive no interior da tradição propriamente revolucionária) incorporou os ideais de liberdade, professados em 1789. É essa incorporação que é rejeitada pelo neo-jacobinismo bolchevique (o que pode parecer paradoxal, mas de fato não é: o jacobinismo robespierrista já se voltou contra eles, de forma explicita, em nome das “circunstâncias excepcionais”).


A nossa tese central, para pensar a situação atual da dualidade direita/esquerda será bem esta: surgiu uma nova figura histórica, a dos totalitários (ou pré-totalitários) de esquerda. Como o totalitarismo se relaciona com a dualidade tradicional? Ele a abole? Ele não a modifica em nada? Estas serão as questões do próximo parágrafo, com que termino a primeira unidade desse texto. À questão do totalitarismo, devem-se acrescentar outras, cujas bases estão postas aqui, mas que serão discutidas mais adiante, no contexto da tema crítico geral. Por um lado, surge uma interrogação relativa aos meios. Insisti muito na diferença entre violência e terror. (A esse respeito, seria preciso acrescentar, no final da análise do bolchevismo, que o neo-jacobinismo bolchevique, criticado sob diferentes formas, foi, em alguns casos, denunciado – em analogia com os críticos revolucionários do jacobinismo no século XIX – não em termos de uma recusa da violência, mas no da defesa de certo tipo de violência que se pretende diferente do Terror e em oposição a ele.)[lxiv] Mas, posta a diferença entre violência e terror, poder-se-ia perguntar: a violência, ela própria, é legítima? Ela representaria o melhor caminho, ou o único caminho para a grande mudança social que o socialismo propunha? Em que medida, a violência, mesmo se diferente do terror, não abre a porta para este último? Outra interrogação é relativa aos fins: seria o comunismo – pois todas as figuras examinadas até aqui eram de representantes práticos-teóricos do comunismo – um objetivo final legítimo para as lutas da esquerda? O comunismo é o objetivo legítimo das lutas da esquerda? Essas interrogações serão retomadas mais adiante. De imediato, passo ao impacto do totalitarismo sobre a dualidade esquerda/direita.


III - Totalitários e anti-totalitários. O “quadrado político”


Questões prévias. O totalitarismo ainda existe, e tem “importância”? É evidente que sim. Além do fato de que existem ainda poderes totalitários, ou pelo menos semi-totalitários, ele deixou marcas visíveis na mentalidade da gente de esquerda (para o melhor, como para o pior: o pior é a inconsciência da dimensão totalitária). Mas o surgimento do totalitarismo não elimina, certamente, como pretendem alguns, a distinção esquerda/direita. Ela introduz entretanto, uma mudança essencial. Passamos a ter duas dualidades. A velha distinção esquerda/direita, que continua existindo, e cuja definição, em grandes linhas é a que dá Bobbio. E uma outra: a que separa os totalitários dos anti-totalitários. Os totalitários podem ser de direita ou de esquerda. Assim, se chega a quatro possibilidade: esquerda anti-totalitária, esquerda totalitária, direita anti-totalitária, direita totalitária. Por analogia (analogia simplesmente linguística) com o chamado “quadrado lógico”, eu chamaria esse sistema de “quadrado político”. Ele é essencial para pensar o nosso tempo. Infelizmente, pouca gente de esquerda tem isso bem presente. Há os que não o explicitam, mas intuitivamente o assumem, há os que, voluntária ou involuntariamente confundem essas figuras. Qual a relação entre as duas dualidades? Haveria uma passagem de uma a outra? Sim, para aqueles que supõem que o totalitarismo de esquerda vem de uma radicalização da ideia de igualdade (J.L. Talmon). O problema é que o totalitarismo de esquerda não é, a rigor, igualitário. Entretanto é verdade que, no limite, isto é, se tomada em forma absoluta, a igualdade desemboca no totalitarismo. Nesse sentido, o totalitarismo de esquerda permitiria uma passagem da esquerda à direita, pela mediação do totalitarismo de direita. É como se, com a ideia de totalitarismo, introduzíssemos um espaço curvo em lugar de um espaço euclidiano, ou preferindo outra imagem, como se introduzíssemos uma espécie de curva de Mobius. Mas se essas imagens têm certo brilho e pertinência, elas trazem consigo o inconveniente de eliminar a ideia de que o totalitarismo (com seu oposto) representa uma nova dimensão. Pelo menos por ora, eu diria, simplesmente, que, se passa de um sistema em uma dimensão (esquerda/direita) para um sistema a duas dimensões (esquerda/direita, totalitário/anti-totalitário). Veremos quando haverá lugar para introduzir uma terceira dimensão.


Mas os chamados totalitários de esquerda são realmente de esquerda? No limite, poder-se-ia duvidar, porque eles acabam por introduzir não só a opressão, mas também a desigualdade. É, entretanto, mais rigoroso, e mais crítico, apesar das aparências, dizer que são de esquerda. Porque eles se inserem no movimento da esquerda, e não apenas se originam dela. Poder-se-ia perguntar – pergunta aparentemente ingênua: partindo do ideal da esquerda democrática, quem está mais próximo dela, a esquerda totalitária ou a direita democrática? A resposta não é fácil. Em princípio, é a direita democrática (digamos, por exemplo: tudo somado, De Gaulle – que era autocrático mas não totalitário – era certamente preferível a Stalin). Entretanto, não é – ou não foi – inválido fazer alianças com partidos com base de massa e direção totalitária, sempre que não havia ameaça real de uma tomada do poder por esses partidos, e principalmente quando se tratava de combater o totalitarismo de direita.[lxv] Em geral, explicitar o quadrado político é essencial, porque a confusão é enorme, tanto para os juízos relativos à politica nacional, como para a política internacional (voltarei a esse ponto).


A introdução dessa segunda dimensão nos traz de volta ao livro de Bobbio. E a exemplificação também converge, porque ele se refere explicitamente ao jacobinismo. Só que, no livro de Bobbio, a nova dimensão aparece sob uma terminologia muito pálida (a dos extremistas versus moderados), embora ele também tome como critério a atitude diante da liberdade. De certo modo, tudo está em Bobbio, mas ao mesmo tempo, o material e mesmo a análise histórica são bastante pobres (a acrescentar um “estilo” muito pouco “dialético”, e fora o fato – mas isso não é necessariamente um defeito – de que, ao contrário do que ocorre no presente texto, ele professa até o último capítulo do seu livro, exclusive, uma atitude de neutralidade ideológica). De qualquer modo, o quadrado político está em Bobbio, e termino esta unidade (I), como a comecei, citando o seu livro:[lxvi]


“Se me concederem que o critério para distinguir a direita da esquerda é a diferente apreciação relativa à ideia de igualdade, e que o critério para distinguir a ala moderada da ala extremista, tanto na direita quanto na esquerda, é a diferente apreciação no que se refere à liberdade, pode-se repartir esquematicamente o espectro em que se situam as doutrinas e movimentos políticos, nessas quatro partes:


a) Na extrema esquerda estão os movimentos ao mesmo tempo igualitários e autoritários, cujo exemplo histórico mais importante, a tal ponto que ele se tornou uma categoria abstrata aplicável, e efetivamente aplicada, a períodos e situações históricas diversas, é o jacobinismo;


b) No centro-esquerda estão as doutrinas e movimentos ao mesmo tempo igualitários e libertários, para os quais podemos usar hoje a expressão “socialismo liberal”, para incluir todos os partidos social-democratas, nas suas diversas práticas políticas;


c) No centro-direita, estão as doutrinas e movimentos ao mesmo tempo libertários e “inigualitários”, entre os quais se incluem os partidos conservadores, que se distinguem da direita reacionária pela sua fidelidade ao método democrático, mas [que], com relação aos ideais de igualdade, afirmam e se detém na igualdade diante da lei, que implica unicamente o dever por parte do juiz de aplicar imparcialmente as leis, e  na igual liberdade, que caracteriza o que chamei de igualitarismo mínimo.


d) Na extrema-direita estão doutrinas e movimentos antiliberais e anti-igualitários, a respeito dos quais, acho que é supérfluo indicar exemplos históricos bem conhecidos, como o fascismo e o nazismo”.[lxvii]



(fim da primeira parte, continua em “Fevereiro“, número 4)































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[i]Marcel Gauchet “La droite et la gauche”, in Les lieux de Mémoire, sob a direção de Pierre Nora, III, Les France, 1. Conflits et partages, Paris, Gallimard, 1992, p. 395. Pouco adiante, ele observa: “Em matéria de gênese, supõe-se que a referência ritual ao seu nascimento revolucionário basta” (ib).

[ii]Tentei um balanço crítico da esquerda, no ensaio “Para um balanço das revoluções [e e alguns movimentos de reforma] do século XX (A esquerda onde está?)”, in A Esquerda Difícil, em torno do paradigma e do destino das revoluções do século, e alguns outros temas, São Paulo, Perspectiva, 2007. Este artigo tem a mesma perspectiva, mas o seu objeto é  diferente.  Entre outras coisas, ele dá um lugar muito maior à história da esquerda, da Revolução Francesa ao século XX, enquanto o outro visava mais particularmente o século XX.

[iii]Roma, Donzelli Editore, Nova edição, 1999 (1994), abrevio por DS. Utilizo também, mas só para confronto, a tradução francesa Droite et Gauche, essai sur une distinction politique, tradução francesa de Sophie Gherardi e Jean-Luc Pouthier, Paris, Éditions du Seuil, 1996, DG.

[iv]DS, p. 59; DG, p. 126.

[v]DS, p. 60; DG, p. 128.

[vi]Este parece ser o argumento crítico desenvolvido por Perry Anderson, num artigo inserido na edição de 1999 do livro de Bobbio. Ver Bobbio, Destra e Sinistra, op. cit., “Una discussione con Perry Anderson - ‘Il senso della sinistra ‘ di Perry Anderson”, p. 89 e s, em particular p. 92-94. O texto de Anderson é a tradução do seu artigo “A Sense of the Left”, publicado no nº 231 da revista New Left Review de setembro-outubro de 1998.

[vii]DS, p. 63; DG, p. 133.

[viii]DS, p. 60; DG, p. 128-9.

[ix]DS, p. 58; DG, p. 125. Bobbio examina um certo número de objeções ao seu critério, que se encontram ou em obras anteriores ao livro, ou no vasto material jornalístico e bibliográfico a que esse seu texto maior deu origem. Não desenvolverei em detalhe, aqui, essa discussão. Tomo apenas alguns argumentos, que me parecem mais interessantes. Alguns outros reaparecerão mais adiante. Há quem prefira a dualidade igualdade/ hierarquia à  dualidade igualdade/ desigualdade. Bobbio insiste na clareza, simplicidade, e maior “compreensividade” da sua distinção, e observa, no contexto da sua resposta, que o liberalismo econômico, que sempre foi considerado como mais à direita do que à esquerda, é receptivo à desigualdade, e não [pelo menos, imediatamente], à hierarquia (Cf. DS, p. 47; DG, p. 107). Outros querem substituir “desigualdade” por “tradição” e “igualdade” por “emancipação”. Bobbio objeta, observando, que o contrário de “tradição” seria antes “inovação”, e que o contrário de “emancipação” seria “conservação”.  Os dois pares, assim definidos, nos levariam à oposição entre “conservadores” e “progressistas”, “distinção habitual, sem grande originalidade” (Ver DS, p. 45; DG, p. 103.). E, poderíamos acrescentar: se se trata, por aí, de separar esquerda e direita através da ideia de mudança, é claro que se chega a um impasse. Principalmente depois da experiência do século XX – e Bobbio está plenamente consciente disto – ninguém supõe mais que a direita não inove. Há quem suponha que a noção de “diferença” poria em cheque a dualidade igualdade/desigualdade. Bobbio observa que “a igualdade de que fala a esquerda é quase sempre uma igualdade secundum quid, jamais uma igualdade absoluta” (DS, p. 48; DG, p. 108). A oposição entre esquerda e direita subsiste (embora não necessariamente em todos os casos) diante dos “diferentes”, pois se trata precisamente de saber se esses diferentes devem ser tratados como iguais ou como desiguais, se “empurramos” os diferentes para o lado da igualdade ou para o da desigualdade. “A maior revolução igualitária do nosso tempo, a das mulheres (...) se fez por movimentos que, de um modo fortemente polêmico, punham em evidência a diversidade feminina (delle donne).” (DS, p. 48; DG, p. 109).

[x]“(...) uma das definições mais comuns da esquerda, segundo a qual ser de esquerda é se situar do lado dos mais fracos (debiles)” (DS, p. 11; DG, p. 55).

[xi]Apesar do que escreve Bobbio, nas raras referência que faz a ele, no seu livro, (ver DS, p. 56-57; DG, p. 122-124), pergunto-me se o pensamento de Fourier, reconhecido em geral como pertencente ao panteão da esquerda, corresponde bem ao critério da igualdade. (Naquele “reconhecimento”,  há, de resto, um problema, que é uma dificuldade de toda a construção de Bobbio. De fato, ela se faz a partir de um juízo “denotativo”, mesmo se implícito, alinhando o conjunto dos “elementos” da esquerda, tentando-se em seguida determinar o predicado que lhes é comum. A operação de “reconhecimento” dos elementos é problemática porque, de algum modo  pressupõe um critério, embora de fato, as respostas sejam intuitivamente convincentes para a grande maioria dos casos). Fourier, que é, na realidade, um caso muito particular na história da “crítica radical” do século XIX ( sua antropologia é a das paixões e ela é absolutamente infensa a toda filosofia dos direitos do homem, traço que a aproxima de alguém como Bentham), não pretende, a rigor, igualizar  situações econômicas mas criar um mecanismo que, na desigualdade, satisfaça a todos, ricos e pobres “A ordem societária que vai suceder à incoerência civilizada não admite nem moderação, nem igualdade, nem nenhuma das opiniões filosóficas; ela quer paixões ardentes e refinadas; uma vez formada a associação, as paixões se ajustam (s'accordent) tanto mais facilmente quanto mais vivas e numerosas forem” (Fourier, Théorie des Quatre mouvements et des destinées générales, nova edição...., Madame S. Debout, Paris, Jean-Jacques Pauvert, éditeur, 1967, p. 78, grifado por RF). Deve-se dizer entretanto que Fourier é favorável ao que nós chamaríamos  de igualdade dos sexos, e, que, no plano econômico, ele se preocupa muito com a situação miserável da “massa” e com “os sofrimentos do povo”.

[xii]Há ainda outras dificuldades. Há pensadores e homens políticos de esquerda que hasteiam ostensivamente a bandeira da igualdade. Outros não apreciam muito o conceito – Marx e Engels por exemplo; e isto, sem dúvida, tanto pela possibilidade da sua utilização ideológica (liberdade “burguesa”) como pelo seu caráter de antecipação (a “verdadeira liberdade”) da sociedade comunista, cuja “posição” se inverte em utopismo –  e entretanto lutam, em última análise, em favor dela. Volto a esse tema, de forma mais precisa, logo mais adiante.

[xiii]Ver DS, p. 68; DG, p. 140-141. Desenvolvo livremente a passagem.

[xiv]O material é, em princípio, triplo: a história das estruturas e das práticas não discursivas, a  dos “discursos práticos” (os textos teorizantes ou pragmáticos dos agentes históricos de alguma importância), e a dos discursos propriamente teóricos (filosóficos ou não). Nesta unidade, e, em geral, nesse artigo, me ocupo principalmente dos “discursos práticos”.

[xv]Essas duas determinações “pacífico” e “gradual” também poderiam não ir juntas; como também é o caso entre “revolução” e “revolução violenta”. Mas seria multiplicar demais as distinções, pelo menos para o século XIX. A convergência é aqui suficientemente alta,  parece, para que não sejamos obrigados a levar em consideração essas últimas distinções.

[xvi]Essa vertente é privilegiada porque é ela que ilumina melhor a emergência do totalitarismo, peça chave para pensar a questão igualdade/liberdade. De fato, sem passar por cima das diferenças, como já muito se discutiu há pelo menos alguma analogia, entre o Terror em 93/94 e o fenômeno totalitário do século XX. Poderíamos introduzir imediatamente o totalitarismo, que é a peça essencial de “complicação” da esquerda no século XX, e estudar o sentido  dessa complicação. Mas aqui, como já disse, prefiro fazer um esboço da história dos projetos da esquerda, e o faço – forma indireta de pensar como ela se situa diante da violência e da opressão – tomando algumas figuras decisivas, e estudando as vicissitudes da sua atitude diante do Terror e do jacobinismo. Essa estratégia não nos conduz a uma pré-história do totalitarismo, que depende também de outros fatores, mas mostra como o robespierrismo e também o anti-robespierrismo pairam sobre a história da esquerda revolucionária no século XIX – e como se hesita diante deles, isto é, diante do problema da opressão e da violência-terror – até que o bolchevismo “adote” o jacobinismo robespierrista no início do século XX. Para além da relação com o jacobinismo, o que nos interessa aqui é evidentemente o tipo de discurso e de argumentação, utilizados no tratamento da violência-terror e da opressão. De fato, surgirão dois tipos de discursos, entre os quais oscilam, às vezes, os mesmos personagens: condenação dos massacres e das derivas opressivas; ou justificação do uso de quaisquers meios, em nome dos fins, legitimando, através deles, violência e terror, no quadro implícito do oxímoro “despotismo da liberdade”.

[xvii]Como (além da não-violência), falo de liberdade e de igualdade, o leitor se perguntará onde ponho a “fraternidade”, o terceiro termo da sagrada trindade revolucionária, incorporada depois pela nação francesa. Sobre a história dessa tríade ver  Mona Ozouf, “Liberté, égalité, fraternité”, in Pierre Nora (ed) Les Lieux de Memóire, III. Les France, 3. De l'archive à l'emblème, Paris, Gallimard, 1992, p. 630 e s. A “fraternidade” é a palavra que aparece mais tarde, muito prezada em 48, em geral encarnando as reivindicações sociais, que vão além dos marcos da chamada “revolução burguesa”. Mas prefiro trabalhar só com a “liberdade” e a “igualdade”, o que converge aliás com Bobbio. A igualdade, entendida como “igualdade real” vai representar suficientemente os projetos que pretendem ir além da liberdade e da simples “igualdade diante da lei”.  Há aí ambiguidade, mas é uma ambiguidade do objeto, que se trata precisamente de desenvolver.

[xviii]Meu limite primeiro para a análise das duas tradições é o final do século XVIII, mas só a tradição revolucionária tem propriamente origem na Revolução Francesa, só ela, aparentemente,  deve ser pensada, em sentido forte, a partir da Revolução. A outra é não-revolucionária (no sentido dos meios), e suas origens são muito mais diversificadas, incorporando várias fontes ideológicas. E já que falo de origens ideológicas, observo que a tradição revolucionária herda criticamente, no pensamento pré-socialista, de preferência Rousseau e o “humanismo cívico”. A outra vertente, embora também, em geral, igualitária, por razões que discutirei mais adiante tem uma atitude mais crítica em relação a Rousseau. Na segunda unidade (II) me ocuparei mais de perto das relações entre as duas vertentes e  a filosofia política.

[xix]Da bibliografia sobre o Terror, destaco o verbete “Terreur” de François Furet, em François Furet e Mona Azouf (dir), Dictionnaire Critique de la Révolution Française, Paris, Flammarion, 1988,  o livro de Patrice Gueniffey, La Politique de la Terreur, essai sur la violence révolutionnaire 1789-1794, Paris, Gallimard, 2003 (2000), e Keith Michael Baker (ed.) The Terror, Oxford, Pergamon Press, 1994. Li com interesse o livre recente de Dan Edelstein, The Terror of Natural Right, Chicago e Londres, The University of Chicago Press, 2009. Há bastante sobre o terror, no livro também recente de Newton Bignotto, As Aventuras da Virtude, as ideias republicanas na França do século XVIII, São Paulo, Companhia das Letras, 2010.

[xx]Mesmo se as diferenças não são enormes, vale comparar, a esse respeito, as duas declarações dos direitos do homem, a de 89 e a de 93. Gauchet afirma, entretanto, em sentido contrário, que, não fosse a interrupção do debate sobre a primeira declaração pela exigência de discutir e aprovar a Constituição, e provavelmente a declaração de 89 teria, ela mesma, dado alguns passos no sentido da proteção “social” do indivíduo, já que a discussão a respeito se instalara desde o início (ver Marcel Gauchet, La Révolution des Droits de l'homme, Paris, Gallimard, 1989, p. 97). Sobre as ideias igualitárias dos jacobinos ver o livro de Jean-Pierre Gross, Égalitarisme Jaobin et Droits de l"Homme, 1793-1794 (la grande famille et la terreur), Paris, Arcantères, 1997.

[xxi]Ver Gueniffey, op. cit., passim, e verbete “Terreur” de F. Furet, em Furet e Ozouf, Dictionnaire..., op. cit.

[xxii]No plano do discurso,  tenta-se, em geral, justificar as medidas terroristas tanto apelando para a “igualdade” como para a  “liberdade”.

[xxiii]No verbete “Gleicheit” (“igualdade”) do dicionário histórico de Brunner, Conze e  Kosselleck, encontram-se interessantes exemplos do horror que o pensamento conservador tinha pela ideia de igualdade. Como esse texto de C. M. Wieland (1733-1813): “Pode-se (...) dizer que a igualdade, à qual todos os homens aspiram, já está contida na liberdade; e a grande palavra de ordem dos jacobinos (...) e anarquistas, liberdade e igualdade, é um pleonasmo totalmente desnecessário, ou antes, um pleonasmo necessária às suas visadas secretas de facção; pois, com a palavra liberdade, tudo já está dito” (Otto Brunner, Werner Conze e Reinahrt Koselleck (ed), Geschichtliche Grundbegriffe, historisches Lexikon zur politisch-sozialen Sprache in Deutschland, Stuttgart, 1992 (1975), p. 1019-1020.

[xxiv]Isso vale como um esboço  de distinção. Inspirei-me na que propõe Gueniffey, no livro citado. Ver, entre outras passagens, Gueniffey, op. cit., p. 22 e s.

[xxv]Philippe Buonarroti, La Conspiration pour  Égalité, dite de Babeuf, Paris, 1830, (1828) 2 vls.

[xxvi]O adjetivo “primeiros” é evidentemente relativo. Deixo de lado o que pôde haver de comunista ou quase-comunista nos movimentos radicais que precedem a conjuração babouvista (guerras camponesas, revolução inglesa etc).

[xxvii]1794. Há uma reedição em fac-simile da Hachette, Paris, 1973.  Tive acesso ao texto em microficha (M. 1562) na Bibliotèque Nationale de France. – Jean Baptiste Carrier (1756-1794) “representante em missão”, da Convenção, enviado à Vendeia em 1793, ficou famoso pelas suas atrocidades (fuzilamento de prisioneiros, afogamentos etc). Foi guilhotinado depois de Thermidor.

[xxviii]Em 1793, Babeuf tem uma atitude simpática em relação a Thermidor, do qual  diz que se trata de “um novo termo a partir do qual trabalhamos para que renasça a liberdade” (Babeuf, Journal de La liberté de la Presse, nº 2, 19 Fructidor, ano II da República [5 de setembro de 1794], p. 2).

[xxix]Babeuf vai progressivamente rompendo com Thermidor, mas mantém suas convicções anti-robespierristas. Ele critica Robespierre em outubro de 94. Ver a referência às “listas sangrentas de Maximiliano I...” na Mensagem do Clube Eleitoral [uma sociedade popular presidida pelo sans-culotte Legray] redigida em 19 ou 20 Vendémiaire an III (10 ou 11 de outubro de 95),  (in Babeuf, Écrits, ed. por Claude Mazauric, Paris, Messidor/Éd. Sociales, 1988, p. 228)  Texto redescoberto, publicado pela primeira vez em 1973. O editor, ortodoxo, desses Écrits se exaspera “Mas quanta confusão e até o último momento!” (id., p. 227). Ainda em dezembro de 94, e mesmo se num tom pelo menos em alguma medida auto-crítico, Babeuf articula a crítica dos thermidorianos à crítica do terror robespierrista. “Quando, um dos primeiros, eu gritei (tonné) com veemência para fazer derrubar a montagem (échafaudage) monstruosa do regime de Robespierre, estava longe de prever que ajudava a fundar um edifício, que, numa construção oposta, não seria menos funesta ao Povo...” (“Le Tribun du Peuple”, nº 28, 28 frimaire ano III [18 de dezembro de 1794] in Écrits, ed. Mazauric, op.cit. p. 240). A ruptura parece ter ocorrido às vésperas da conjuração ou com ela. Numa carta (que se supõe autêntica) a Joseph Bodson (“amigo de Babeuf, que se mantivera fiel ao Hebertismo”) de 28 de fevereiro de 96 (9 Ventôse ano IV), carta incorporada ao processo ele opera a virada: “Confesso hoje de boa fé que lamento ter outrora mal visto (vu en noir) tanto o governo revolucionário, como Robespierre, Saint-Just etc. Creio que esses homens valiam mais por si sós do que todos os revolucionários juntos, e que seu governo ditatorial era terrivelmente (diablement) bem imaginado. (...) Não concordo contigo que eles cometeram grandes crimes e levaram  a muitas mortes de republicanos (et bien fait périr des républicains). Não tanto, creio: é a reação thermidoriana que liquidou muitos deles. Não discuto se Hébert e Chaumette eram inocentes. Mesmo se fossem, continuo justificando Robespierre. (...) A salvação de 25 milhões de homens não pode equilibrar na balança com o ato de poupar alguns indivíduos equívocos. Um regenerador deve enxergar grande. Ele deve  destruir (faucher) tudo o que o perturba, tudo o que obstrui a passagem, tudo o que pode prejudicar  sua rápida chegada ao termo que ele se prescreveu. Pulhas ou imbecis, ou presunçosos e com ambições de glória, é o mesmo, tanto pior para eles” (id., p. 286, grifos de RF).

[xxx]Ver por exemplo, Ph. Buonarroti, La Conspiration pour l’Égalité, dite de Babeuf, op. cit., tome premier, p. 49, n.: “... só importa saber se ela [a autoridade que dirigia a instituição revolucionária] respondia ao fim para o qual ela foi instituída” (grifo de RF).

[xxxi]Ver por exemplo, Ph. Buonarroti, op. cit., tome premier, p. 50, n. . “As coisas chegaram ao ponto em que era necessário escolher entre o aniquilamento de alguns opositores e a perda inevitável dos direitos populares” (grifo de RF).

[xxxii]Ver Buonarroti, op. cit., tome premier, p. 21, n..: “ (...) execuções terríveis, mas irreparáveis  (...)”.

[xxxiii]Ver Buonarroti, op. cit., p. 49.

[xxxiv] Buonarroti, op. cit., p. 70.

[xxxv]Maurice Dommanget, Blanqui, Paris, EDI, 1970 (1924), p. 5.

[xxxvi]Por iniciativa de Albert Mathiez, in Anales historiques de la Révolution française, julho-agosto de 1928, p. 305 a 321, incluido em Blanqui, Écrits sur la Révolution (Oeuvres Complètes. 1. Textes politiques et lettres de prison presenté et annoté par A. Münster, Paris, Galilée, 1977, p. 309 e s.)

[xxxvii]Blanqui, Écrits sur la Révolution (Oeuvres Complètes. 1...... (ed. A. Münster), op. cit., p. 311).

[xxxviii]Idem, p. 312.

[xxxix]Ib.

[xl]Id., p. 316.

[xli]Id, p. 318.

[xlii]Id., p. 322. Um dos maiores especialistas em Blanqui, Maurice Dommanget, nos assegura também que “Blanqui nunca reivindicou Marat“ (Maurice Dommanget, Auguste Blanqui et la révolution de1848, Paris, e Haia, Mouton, 1972, p. 39).

[xliii]Id., p. 311, n. 4, do editor. Isso não significa que o texto de Blanqui não tenha lados muito discutíveis. De certo modo, as insuficiências de Blanqui na caracterização de Robespierre, têm alguma semelhança com as que se pode encontrar nos críticos do fenômeno totalitário no século XX: um fenômeno novo é lido a partir de símiles, se não inteiramente falsos, certamente enganosos – de um lado o ancien regime, de outro o “bonapartismo”. Mas ninguém diria, mesmo hoje, que é fácil caracterizar o terrorismo robespierrista e indicar a sua “essência”. Ele tem mesmo alguma coisa de “enigmático”, tanto ou talvez mais do que o fenômeno totailtário.

[xliv]Nova York e Londres, Monthly Review Press, 4 volumes, 1977-1990.

[xlv]“(....) leis que não indicam nenhuma norma objetiva são leis do terrorismo, como inventou as necessidades (Not, também “miséria”) do Estado sob Robespierre e o apodrecimento do Estado sob os imperadores romanos” (“Bemerkungen über die preussische Zensurinstruktion”, publicado nas Anedokta zur neuesten deutschen Philosophie und Publicistik, fevereiro de 1843, editada por Arnold Ruge, na Suiça. Marx-Engels, Werke, Berlin, Dietz, I, p. 14, citado por Draper, op. cit., vol. III, The Dictatorship of the proletariat, p. 362).

[xlvi]Ver Draper, op. cit. vol II, The Politics of Social Classes, p. 594 (a mesma referência em Draper, op. cit., vol III The dictatorship of Proletariat, p. 121). O texto a que ele se refere é da Santa Família, Marx-Engels, Werke, op. cit., p. 126.

[xlvii]Ver Draper, op. cit., vol. III, p. 362, que se refere a um texto de Marx de agosto de 1844, publicado no Vorwärts!, “Kritische Randglossen zu dem Artikel ‘Der König von Preussen und die Sozialreform. Von einem Preussen“”, Marx-Engels, Werke, vol. 1 (p. 392 e s), p. 402.

[xlviii]Ver Ver Draper, op. cit., vol. II, p. 594-5. Cf. a Santa Família, Marx-Engels, Werke, op. cit., 2, p. 130: “Depois da queda de Robespierre o Aufklärung político, que quis se superar (sich selbst überbieten), que era exuberante (überschwenglich), começa a se efetivar de forma prosaica”.

[xlix]Marx a Engels, 1 de Fevereiro de 1865, Marx-Engels, Werke, op. cit., vol. 31, p. 4, grifo de Engels: “É muito característico de Robespierre, que no seu tempo, quando ser “constitucional” no sentido da Assembleia de 1789 era passível de guilhotina, foram mantidas todas as suas leis contra os trabalhadores”. Citado por Draper, op. cit., vol. II, p. 89.

[l]Não a propósito de Robespierre, mas a propósito de Babeuf (porém o autor os situa sempre, no interior de uma mesma tradição), há, em Draper, uma afirmação duvidosa. Segundo ele, Marx teria dito que “Babeuf não é ‘partidário da liberdade’ mas da igualdade” (Draper, op. cit., vol. III, 121). O que sugere uma crítica de um igualitário, feita em nome da liberdade. O autor remete a uma página da Santa Família; mas nessa página (Marx-Engels, Werke, vol. 2, p. 49) e, até onde pude ver, em toda a Santa Família, não se encontra nada isso. Marx escreve, apenas, e ironicamente, comentando Proudhon, que, “o crítico Proudhon considera Gracchus Babeuf um partidário da liberdade [;] no Proudhon “de massa” (massenhaft), trata-se de um partidário da igualdade”.

[li]Ver Engels a Kautsky, 20 de fevereiro de 1889, Marx-Engels Werke, vol. 37, p.155, 156, Citado por Draper, op. cit., vol. III, p. 365., e Engels a V. Adler, 4 de dezembro de 1889, grifos de RF. Citado por Draper, op. cit., vol. III, p. 365.

[lii]Ver, a propósito do problema,o livro de Gueniffey, citado anteriormente.

[liii]Engels a Marx, 4 de setembro de 1870, Marx-Engels, Werke, vol. 33, p. 52, 53, grifado por RF. Citado e comentado por Draper, op. cit., vol. III, p. 364. Citei esse texto e alguns dos seguintes em A Esquerda Difícil..., São Paulo, Perspectiva, 2007, p. 235 e 236.

[liv]Engels a Kautsky, 20 de fevereiro de 1889, carta cit.

[lv]Engels a V. Adler, 4 de dezembro de 1889, carta cit., grifos de RF.

[lvi]Engels a Kautsky, 20 de fevereiro de 1889, carta cit.

[lvii]Ver uma célebre ameaça aos camponeses, que assustou Vera Zassulitch, em Collected Works, Londres, Lawrence & Wishart, volume 6, janeiro 1902/agosto 1903, 1961, p. 53 e J. L. H. Keep, The Rise of social democracy in Russia, Oxford, Carendon Press, 1963, p. 14; citado também por Leonard Shapiro, The Communist Party of the Soviet Union, Londes, Eyre & Spottiswoode, 1963, p. 46). Mas havia muita cumplicidade do lado dos adversários de Lênin, pelo menos por parte de alguns deles, no que se refere ao uso da violência (não do terror). Deve-se observar, por exemplo, que o partido social-democrata russo foi um dos únicos partidos, e, ao que parece o único, a incorporar no seu programa a “ditadura do proletariado”.

[lviii]Lênin, Oeuvres, Paris, Éditions Sociales, Moscou, Éditions du Progrès, tomo. 7, setembro de 1903/dezembro de 1904, 1966, p. 401, grifo de Lênin.

[lix]Em maio (junho) de 1917, ele escrevia: “O exemplo dos jacobinos é cheio de ensinamentos. Ele não envelheceu, mas é preciso aplicá-lo à classe revolucionária do século XX, aos operários e semi-proletários (...) Os “jacobinos” do século XX não se poriam a guilhotinar os capitalistas : imitar um bom exemplo não é copiá-lo. Bastaria prender 50 a 100 magnatas do capital bancário, altos cavaleiros da prevaricação e da pilhagem bancária ; bastaria pô-los na prisão durante algumas semanas, para divulgar as suas roubalheiras e mostrar a todos os explorados “quem lucra com a guerra”. Uma vez divulgadas as roubalheiras dos reis dos bancos, poderíamos libertá-los, pondo sob o controle dos operários os bancos, os sindicatos capitalistas e os homens de negócio que “trabalham” por conta do Tesouro” (Lénine, Oeuvres, Paris, Éditions Sociales, Moscou, Éditions du Progrès, vol. 25, junho-setembro de 1917, 1971, pp. 54-55, grifo de Lênin).

[lx]Sobre isso, permito-me indicar meu texto “A propósito da insurreição de outubro e dos primeiros meses do poder bolchevista”, en Fevereiro, nº 2 e neste número.

[lxi]John L. H. Keep (trad. e editor), The Debate on Soviet Power, minutes of the All-Russian Central Executive Committe of Soviets, second convocation October 1917-January 1918, p. 177, 178, grifos de RF. Esse volume de Keep é um formidável documento in vivo do andamento do poder bolchevista e dos esforços daqueles que tentavam resistir às suas arbitrariedades.

[lxii]Idem, p. 356.

[lxiii]É entretanto com o stalinismo e seus herdeiros que a cristalização da violência e da opressão se apresentará com todas as letras. Cinco a sete milhões de mortos, na miséria camponesa artificialmente criada na URSS, no início dos anos trinta. Um milhão ou pouco menos, com o grande terror, na segunda metade dos anos trinta. Trinta milhões de mortos com o Grande Salto para a Frente (!) de Mao-Tse Tung, nos anos 50 etc etc. Nos períodos “calmos”, como os da história pós-Muro da burocracia, teremos: milhares de prisioneiros em campos de concentração (China, hoje), supressão de todas ou quase todas as liberdades fundamentais, sociais ou políticas (China, Cuba, Vietnã (?), hoje) etc. Esses dados importam para mostrar porque o totalitarismo é uma nova figura, e não um simples “avatar” da história da esquerda. Para a passagem do bolchevismo ao stalinismo, ver meu texto, “Sobre a pré-história intelectual do totalitarismo igualitarista”, revista Lua Nova, nº 75, 2008.

[lxiv]Os dois maiores representantes dessa tendência crítica foram, sem dúvida, o jovem Trotski, e Rosa Luxemburgo. Ver a propósito, meu livro A Esquerda Difícil...., op. cit., principalmente o ensaio “Trotski, a democracia e o totalitarismo: a partir do Trotski de Pierre Broué”. E meu artigo “Em torno da pré-historia intelectual do totalitarismo igualitarista”, in Lua Nova, art. cit.

[lxv]Deixo de lado, aqui, a questão das relações entre os dois totalitarismos.

[lxvi]Sem que isso signifique aceitar tudo o que o autor diz nessa passagem, em particular o que ele escreve sobre o socialismo democrático, rebatizado confusamente “socialismo liberal”. Ver a continuação deste texto.

[lxvii]DS, p. 70-71; DG, p.142-143.